Ao longo das últimas décadas, a Amazônia já teve cerca de 23% da sua cobertura original desmatada e acumulou mais de 1 milhão de km² degradados. A mudança de paisagem, principalmente nas franjas do Cerrado e no “Arco do Desmatamento” com o avanço do agronegócio levaram a crer que o maior incentivo para a devastação vinha da demanda estrangeira. Porém, um artigo publicado na revista Nature Sustainability mostra que a pressão do mercado interno é mais forte.
O trabalho, assinado por pesquisadores das universidades de São Paulo (USP), Federal de Juiz de Fora (UFJF) e do World Resources Institute, se baseia em uma metodologia denominada Matriz de Insumo-Produto (MIP), que representa as relações entre os diversos setores da economia para conhecer os impactos que as alterações em um deles produz nos demais.
Segundo a análise, 83,17% do desmatamento na Amazônia foi desencadeado por demandas de fora da região. Desse total, 59,68% foram decorrentes de demandas do restante do Brasil e 23,49% de demandas do comércio internacional.
“O desmatamento é frequentemente avaliado a partir da perspectiva da oferta, ou seja, quais setores produtivos estão promovendo a substituição das florestas por outros usos da terra, como agricultura e pecuária. A metodologia que adotamos permite ver o fenômeno do desmatamento também a partir da perspectiva da demanda, identificando as fontes de estímulos econômicos para que os setores produtivos se envolvam no desmatamento”, explicou à Agência FAPESP o professor titular da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP, Eduardo Haddad.
Com base nos dados foi possível identificar, por exemplo, que o principal vetor da devastação foi o avanço vertiginoso da pecuária na região, que passou de 8,9 milhões de cabeças de gado em 1974 para 104,3 milhões de cabeças em 2022.
“A expansão da pecuária atendeu principalmente ao crescimento do consumo de carne, produtos lácteos e couro em outras regiões do país. Impulsionado pelo aumento da renda média per capita e pela rápida urbanização, o consumo de carne no Brasil subiu acima da média global após os anos 1960. Dos 1,4 milhão de hectares desmatados pela pecuária, 61,63% visaram atender, direta ou indiretamente, à demanda interna de fora da Amazônia e 21,06% à demanda internacional”, afirma o pesquisador.
Por sua vez, a agricultura de grãos também teve um crescimento expressivo, com a produção local de soja, saindo de 200 toneladas em 1974 para 50 milhões de toneladas em 2022. A diferença, porém, é que nesse caso 58,38% das safras atendem à exportação e 41,62% ao mercado interno.
De acordo com os pesquisadores, o trabalho serve de referência para que as ações de controle do desmatamento e da degradação continuem atentas ao impacto das mudanças no uso da terra, por meio da pecuária e da agricultura; e para que as políticas públicas sejam orientadas no sentido de promover a preservação e a regeneração do bioma.