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Jornal da USP online

Desinformação disfarçada de ciência (1 notícias)

Publicado em 25 de agosto de 2023

O problema é que esse processo mais lento de maturação do conhecimento científico está sendo constantemente atropelado pelo imediatismo desenfreado (e politicamente polarizado) do debate público nas mídias digitais; além de vários fatores que se originam na própria comunidade científica. “Tem muito a ver com o sistema de avaliação de pesquisadores e com a comercialização das publicações científicas”, avalia Abel Packer, diretor da SciELO (Scientific Electronic Library Online), uma biblioteca digital de periódicos científicos brasileiros, mantida pela FAPESP. “A desinformação que vem da ciência tem uma característica que ela não é intencional, na grande maioria dos casos. Ela desinforma por uma questão de qualidade”, argumenta ele.

O primeiro ponto levantado por Packer (e outros especialistas) refere-se ao fato de que muitas agências de fomento e instituições de pesquisa ainda avaliam a performance de seus pesquisadores com muita ênfase no número de artigos publicados, e não tanto na qualidade ou na relevância desse artigos; o que cria uma pressão excessiva sobre os cientistas para publicar muito, e publicar rápido — o que pode comprometer a qualidade. O segundo ponto refere-se ao modelo vigente de cobrança pela publicação de artigos científicos, especialmente no formato open access (acesso aberto), do qual algumas editoras se aproveitam para capitalizar em cima desse produtivismo acadêmico. Quanto mais artigos uma revista publica, mais dinheiro ela ganha — o que também pode comprometer a qualidade.

A taxa de publicação (conhecida como APC, ou article processing charge) pode variar de algumas centenas a alguns milhares de dólares nesse modelo de acesso aberto, que hoje é exigido (ou pelo menos incentivado) por grande parte das agências de fomento e instituições de pesquisa no Brasil e no mundo, como forma de garantir que os resultados de pesquisas financiadas com recursos públicos estejam disponíveis gratuitamente para acesso público na internet.

Os valores cobrados por esse acesso, porém, podem ser exorbitantes para a realidade de muitos pesquisadores, o que tem gerado protestos tanto por parte de autores (que são obrigados a pagar esses valores para publicar seus trabalhos), quanto de editores e revisores (que quase sempre trabalham para as revistas de forma voluntária, sem remuneração). Nos journals de maior prestígio, como Nature e Cell, o preço por artigo pode passar de US$ 10 mil. Mais um problema que precisa ser equacionado nesse quebra-cabeça.