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Gazeta de Limeira

'Desenvolvimento da sociedade depende dos avanços da ciência'

Publicado em 28 setembro 2019

Redução nos recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) colocam a comunidade acadêmica em alerta no país. Junto a isso, o descrédito à pesquisa e papel das universidades. O tema é comentado pelo diretor da Faculdade de Tecnologia (FT/Unicamp), Renato Falcão Dantas.

Nesta semana, a universidade marcou data para uma assembleia extraordinária. "De fato, o desenvolvimento de uma sociedade se deve a avanços na ciência. Seria impensável a expectativa de vida atual sem os avanços na medicina, além do crescimento de empresas e países sem o desenvolvimento de teorias e estudos econômicos, comenta o diretor.

Ele explica, de forma didática, a importância desses órgãos e fala de pesquisas feitas em Limeira. Dantas também é líder do grupo de pesquisa na área de meio ambiente e pesquisador 1D do CNPq. É farmacêutico e mestre em química pela UFPB e doutor pela Universidade de Barcelona (Espanha). Foi também professor/pesquisador visitante em diversas instituições como Università Federico Secondo (Itália), Universitätfür Bodenkultur (Áustria), City College of New York, UFRJ e UFMS.

Qual a importância do CNPq e Capes para a comunidade científica?

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) é o principal órgão de fomento à pesquisa no Brasil. O CNPq atua financiando pesquisas em todas as áreas do conhecimento, seja na forma de projetos de pesquisa ou de bolsas de iniciação científica, mestrado, doutorado, entre outras. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) atua principalmente no financiamento dos programas de pós-graduação, por meio de bolsas e despesas de custeio, além de promover programas de internacionalização, entre outros. Juntos, o CNPq e a CAPES são responsáveis pela maioria do financiamento da Pesquisa Brasileira. Alguns estados, como São Paulo, têm o privilégio de ter uma agência estadual de amparo à pesquisa, no caso a Fapesp, com orçamento suficiente para causar impacto real na promoção da ciência. Porém, para muitos estados brasileiros, o CNPq e a CAPES são praticamente a única fonte de financiamento à pesquisa.

Como essas pesquisas impactam na sociedade em geral?

De fato, o desenvolvimento de uma sociedade se deve a avanços na ciência. Seria impensável a expectativa de vida atual sem os avanços na medicina, além do crescimento de empresas e países sem o desenvolvimento de teorias e estudos econômicos. O bem-estar social está diretamente ligado ao nível de desenvolvimento dos países, e como a inovação é o motor do desenvolvimento, isso seria muito pouco provável sem investimentos em pesquisa.

Como avalia os cortes anunciados recentemente no CNPq e Capes?

A pesquisa científica é um investimento a longo prazo, e em muitas áreas os resultados são obtidos depois de anos de estudo e de formação de pessoal especializado. Deixar de investir ou interromper pesquisas em andamento é um ato catastrófico para uma sociedade. Além de desperdiçar todo o dinheiro já investido, os cortes na ciência transformam o país em escravo tecnológico de outros. É um investimento estratégico, essencial e muito barato, quando comparado aos resultados obtidos. Para se ter uma ideia, em sua formação, o cientista ganha R$ 1,5 mil durante dois anos (mestrado), R$ 2,2 mil durante 4 anos (doutorado) e R$ 4,1 mil (pós-doutorado) até ter currículo para passar em um concurso público, o que geralmente acontece por volta dos 35 anos de idade. Em resumo, o melhor aluno da sala trabalha fazendo pesquisa durante uns 15 anos antes de ingressar na carreira, sem ter direito a férias, décimo terceiro e qualquer outro direito trabalhista, pois essas ajudas são em forma de bolsa de estudo. A decisão de cortar bolsas e dinheiro de custeio da pesquisa é claramente um erro estratégico muito danoso para o país.

Em Limeira, a FT realiza pesquisas? Cite algumas.

Limeira é privilegiada por ter dois campi da Unicamp. O campus I com a Faculdade de Tecnologia (FT) e o Colégio Técnico de Limeira (Cotil), e o campus II, com a Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA). A FT realiza pesquisas de ponta no campo das telecomunicações, informática, transportes e meio ambiente. Realiza diversos programas de extensão universitária e de transferência de tecnologia para empresas. Temos em nosso quadro pesquisadores renomados em suas áreas, o que é característica da Unicamp, por ser uma instituição com tradição em pesquisa e desenvolvimento.

Qual o impacto dessas reduções para as universidades e comunidade?

Os impactos imediatos são os danos pessoais para aqueles que largaram o trabalho e muitas vezes mudaram de estado para se qualificar e recebem a notícia de que não terão mais a bolsa. Para os cientistas é uma frustação, pois muitos dedicam a vida inteira a um determinado tema, cujos resultados podem ter atrasos de anos ou décadas. Para a universidade, é ter uma mão de obra, que são os cientistas, sem poder fazer pesquisa por ter o seu financiamento cortado. Mas, o maior dano é para a sociedade. Algumas empresas tecnológicas têm orçamento superior a muitos países, o que gera muitos impostos, empregos e desenvolvimento para os países onde estas empresas estão alocadas.

Há, hoje, um questionamento sobre o papel das universidades?

Mais que um questionamento sobre o papel da universidade pública, o que ocorre é uma falta de conhecimento da sociedade sobre o que é a universidade pública. Muitos moradores de Limeira, por exemplo, nem sabem que a Unicamp é gratuita. Muito menos que é uma das melhores do Brasil e da América Latina. Os últimos ataques à universidade pública despertaram uma ampla campanha de informação da sociedade sobre o papel transformador da universidade pública. Esperamos que surta efeito e que esse período sombrio de desmonte e questionamento da ciência passe e que nós aprendamos com isso.

Qual a saída, diante dessa situação?

O primeiro passo seria que a defesa da ciência tivesse o apoio massivo da sociedade. Muitas iniciativas estão sendo feitas para sensibilizar a população sobre os prejuízos dos cortes em ciência e educação. A universidade pública brasileira, responsável por aproximadamente 95% da pesquisa realizadas no Brasil, sofre um processo de desmonte. É urgente que a sociedade consiga separar preferências ideológicas do debate sobre o papel da universidade pública, gratuita e de qualidade na vida dos cidadãos. Cresce nos dias atuais o questionamento de resultados de pesquisas científicas e de instituições científicas nunca antes desprestigiadas. Isso é gravíssimo. Temas superados a mais de 500 anos como a forma da terra e outros vitais para a saúde pública, como a necessidade das vacinas, são questionados. Temas ambientais que são consenso entre os cientistas, como o aquecimento global,sãoquestionados por autoridades políticas, desprestigiando assim todo o desenvolvimento humano dos últimos tempos. É realmente muito triste. Por outro lado, vale salientar que, felizmente, em Limeira a situação é diferente. Recebemos diversas manifestações de apoio da Câmara de Vereadores do município quando aconteceram os cortes, assim como a Prefeitura é nossa parceira habitual em muitos projetos.

Como a Unicamp se posiciona diante desse quadro?

Não posso falar por toda a universidade, mas pelo que tenho visto, a Unicamp, por meio do seu reitor, o Prof. Dr. Marcelo Knobel, tem liderado o debate sobre o papel da universidade pública e da defesa da ciência e da educação. Inclusive, com a recente convocação de uma inédita assembleia extraordinária para debater esses temas. Isso revela a urgência e a gravidade do tema.