Em agosto de 2012, um menino de 11 anos de idade, fez uma descoberta macabra em um costa congelada com vista para o Oceano Ártico. Ao explorar a costa nevoenta de Yenisei Bay, cerca de 2000 quilômetros ao sul do Pólo Norte, ele se deparou com ossos da perna de um mamute lanoso corroendo para fora de sedimentos congelados. Os cientistas escavando a criatura bem preservada determinou que ele tinha sido morto por seres humanos: a sua órbitas, costelas e mandíbula tinha sido golpeadas, aparentemente por lanças, e um lança-pontuda tinha deixado uma cavidade em sua maçã do rosto, talvez um golpe que perdeu seu destinou na base do seu tronco.
Quando eles analisaram os restos, os pesquisadores tiveram outra surpresa: o mamute morreu 45 mil anos atrás. Isso significa que os seres humanos viviam no Ártico mais de 10 anos antes do que os cientistas acreditavam, de acordo com um novo estudo. A descoberta sugere que, mesmo nesta fase inicial, os seres humanos foram percorrendo as partes mais frias do mundo e tinha a capacidade adaptativa para migrar por quase toda parte.
A maioria dos pesquisadores acreditava há muito tempo que os caçadores de grandes animais, deixaram um rastro de ferramentas de pedra ao redor do Ártico a 12.500 anos atrás, e foram os primeiros a chegar ao Círculo Ártico. Estes caçadores adaptados ao frio, aparentemente atravessram a Sibéria e o Estreito de Bering, pelo menos, 15.000 anos antes (e novas datas sugerem os seres humanos podem ter chegado as Américas tão cedo quanto 18.500 anos atrás).
Mas em 2004, os pesquisadores empurraram essa data ainda mais para trás no tempo quando eles descobriram contas e ferramentas de pedra e ossos datados em 35 mil anos em vários locais nos Montes Urais de extremo nordeste da Europa e no norte da Sibéria; eles também descobriram as carcaças massacradas de mamutes, rinocerontes lanudos, renas e outros animais.
A descoberta do menino russo sobre o mamute mais bem preservado encontrado em um século empurra para trás essas datas em mais 10 mil anos. Uma equipe liderada pelo arqueólogo Alexei Tikhonov que escavou o mamute apelidado de “Zhenya” pela a criança, Evgeniy Solinder, cujo apelido era Zhenya.
Os pesquisadores voaram do bloco de gelo em um avião de carga para o Instituto Zoológico da Academia de Ciências da Rússia em São Petersburgo. As lesões lembrou Tikhonov são das mais modernas práticas de caça humanos. Caçadores de elefantes em África, por exemplo, muitas vezes usam como alvo a base do tronco para cortar artérias, fazendo com que o animal sangre até a morte. O mamute também tinha lesões em sua mandíbula que sugerem que a língua foi cortada. Pedaços da presa foram removidos, talvez para obter marfim para produzir ferramentas. “Este é um caso raro para uma evidência inequívoca para um envolvimento humano claro”, diz o principal autor Vladimir Pitulko, também da Academia Russa de Ciências.
As lesões também se encaixam com o padrão de dano visto em outro mamute massacrado em Yana, também na Sibéria, segundo os autores. “Pode-se quase ver a batalha blow-by-blow (golpe por golpe) entre as pessoas e o mamute que lutaram nessas planícies congeladas”, diz Curtis Marean, um paleoantropólogo da Universidade Estadual do Arizona, Tempe, que não estava envolvido com o estudo. “As feridas do impacto sobre os ossos com fragmentos de pedra embutidos é evidência conclusiva de que as pessoas mataram este gigante.”
A grande surpresa, porém, é a idade. Datações sobre o colágeno dos ossos tíbia do mamute, bem como do cabelo e tecido muscular, produziram uma data direta de 45 mil anos, a equipe publicou o relatório na revista Science. Isso se encaixa com os dados da camada de sedimentos acima da carcaça, que sugerem que era mais velho do que 40 mil anos. Se estiver correta, isso significa que o mamute estava vivo durante o auge dos mamutes entre 44 e 42 mil anos atrás, quando eles vagavam pelas vastas pradarias da estepe do norte do Artido e Sibéria, diz Pitulko. Os pesquisadores também analisaram um fêmur de um humano moderno datado de 45 mil anos na Ust-Ishim na Sibéria, embora que foi encontrado ao sul do Ártico em uma latitude de 57° norte, um pouco ao norte (e no leste) de Moscou.
“O registro é atraente. É, provávelmente, mais velho do que 40 mil anos”, diz Douglas Kennett, um arqueólogo ambiental que é co-diretor da Universidade Estadual da Pensilvânia, e da espectrometria de massa de Universidade de Park. No entanto, ele gostaria que a equipe russa relatasse o método usado para impedir a contaminação do colágeno ósseo nas análises de confirmação das datas do osso por um outro laboratório, porque a data é tão crítica para a importância desta descoberta.
Mamutes e outros animais grandes, como rinocerontes e renas, podem ter sido um ímã que atraiu os seres humanos para o Extremo Norte. “Caçar mamotes era uma parte importante da estratégia de sobrevivência, não só em termos de alimentos, mas em termos de importantes matérias-primas de presas de marfim, que precisavam desesperadamente fabricar equipamento de caça”, diz Pitulko. A presença de seres humanos no Ártico tão cedo também sugere que eles tinham a capacidade adaptativa para fazer ferramentas, roupas quentes, e abrigos temporários que lhes permitiu viver no norte frígido mais cedo do que se pensava. Eles tiveram que se adaptar ao frio para atravessar a Sibéria e Beringia a caminho de ponte de terra do estreito de Bering, que eles atravessaram para entrar nas Américas.
“Sobreviver a essas latitudes exige tecnologia altamente especializada e cooperação extrema”, Marean concorda. Isso implica que estes eram os seres humanos modernos, em vez dos neandertais ou outros primeiros membros da família humana. “Se esses caçadores puderam sobreviver no Círculo Ártico 45 anos atrás, eles poderiam ter vivido em praticamente qualquer lugar na Terra”, diz Ted Goebel, arqueólogo da Universidade Texas A & M, College Station.
Fonte: Science Magazine
Comentários internos
Esta é uma descoberta significativa, porém, é possível destacar dois pontos que o texto foi omisso; o primeiro refere-se a colonização da América oferecendo a data de 18 mil anos, o segundo é sobre o impacto que a megafauna sofreu nas mãos do Homo sapiens.
O primeiro passo para compreender o real significado desta descoberta é nos localizar espacialmente. A Sibéria é uma porção da região da Rússia e do norte do Cazaquistão, integralmente no norte da Ásia, estendendo-se dos Urais ao oceano Pacífico para sul desde, o oceano Ártico até aos montes do centro-norte do Cazaquistão e até à fronteira com a Mongólia e República Popular da China.
Houve duas correntes científicas sobre se apresentaram para definer a conquista das Américas. A mais conservadora defendia que a chegada do homem na América ocorreu por volta de 12 mil anos atrás. A segunda corrente propõem que a colonização ocorreu antes disso, mas muitas datas são propostas e acabam divergindo muito entre si. Esta corrente vai defender que há sítios que datam até 18 mil anos (ou um pouco mais). Um grupo de defensores desta corrente que vem ganhando mais espaço e afirma que há 50 mil anos já havia pessoas na América do sul; apresentando datas que podem chegar até 100 mil anos (Lima, 2006).
Existe uma tese bem defendida de que a colonização se deu não por uma, mas várias ondas migratórias através da Beringea e discutiremos sobre elas aqui.
Existem poucas evidências arqueológicas na Beríngia, e para complicar, elas dizem pouco sobre a colonização das Américas em ocupações anteriores a 12 mil anos. Na Sibéria, há diversos sítios do Paleolítico Superior datando a partir 25 mil anos, com indústrias de lâminas e bifaces. Por exemplo, a região central ao redor do Lago Baikal, das bacias do Lena, Ob e Yenissei apresentou registros da presença humana. Lá há dezenas de sítios que eram acampamentos de curta duração de caçadores-coletores móveis. Os grupos que viviam neste local retornavam esporadicamente para obtenção de recursos (Goebel 1999a e Goebel 1999b).
Os sítios mais antigos a oeste de Beríngia, como Ushki e Berelekh, são datados em 14 e 11 mil anos. No Alaska há diversas evidências arqueológicas relevantes; na porção central, há o Complexo Nenana, que apresenta datas em torno de 11.500 anos e corresponde a ferramentas de caçadores de grandes mamíferos; geralmente bisontes e alces. O Complexo Nenana ocorreu anteriormente a chamada Tradição Paleoártica, por volta de 10.500 anos atrás segundo Dixon (2001). As raízes desta cultura podem ser reconhecidas nas indústrias de microlâminas do Paleolítico Superior da Eurásia.
Em Broken Mammoth, há evidências aliadas a datações que o posicionam a colonização mais antiga do Alaska, por volta de 11.700 anos antes do presente. Na gruta Blue Fish próxima Á Old Crow foram encontrados ossos de mamutes, bisontes e cavalos datados em 12 mil anos e que estão associados á artefatos líticos. São os únicos elementos, e, mais consistentes de que se dispõe até o momento para a região a leste de Beríngia no final do Pleistoceno e início do Holoceno.
Entretanto, olhar só para o Estreito de Beringer não diz muito sobre a dispersão do homem nas Américas. Tudo indica que três rotas de dispersão ocorreram no território Americano. O problema é que elas datam períodos distintos a partir de rotas distintas e há outros achados mais antigos que desafiam esta visão.
A primeira das três rotas de dispersão ocorreu a partir do Alaska, pelo litoral setentrional, chegando ao rio Mackenzie (veja aqui), seguindo em direção ao sul. A segunda rota ocorreu pelo litoral de Beríngia, beirando a costa sudeste do Alaska, e descendo pela costa do Pacífico através de um labirinto de ilhas e estuários cortados por fjords (penhascos íngremes, criados pela erosão glacial), canais de gelo com grandes falésias (formação geográfica de litoral caracterizada por um abrupto encontro da terra com o mar) que se formaram durante anos de eventos glaciais, até o oceano. Este é um trecho de difícil acesso que só poderia ser vencido com o uso de alguma forma de navegação costeira que se estendeu até o sul da Colúmbia Britânica, na costa noroeste, ao sul de toda a formação gélida (Lima, 2006).
E a terceira migração ocorreu pela região central do Alasca, através dos vales, tomando o rumo em direção ao sul. Segundo esta proposta, a rota foi uma descida pela borda do Pacífico que era dominada pelo gelo e que até pouco tempo era pouco considerada pela maioria dos arqueólogos, mas ganhou varios defensores na década de 70 e 80. Tal proposta ganhou ainda mais força quando Erlandson (2002) realizou pesquisas no litoral do Alaska e da Colúmbia Britânica em uma época que ela já estava degelada entre 14 e 13 mil anos.
A primeira e a terceira rotas aconteceram pelo litoral norte e pelo interior do continente através da região central do Alaska (e Yukon), seguindo o vale do rio Mackenzie e daí alcançando as Altas Planícies que estavam bloqueadas pelo gelo. Durante os avanços glaciais as geleiras podem ter se expandido até fechar completamente a passagem nas áreas meridionais. Se isto de fato ocorreu, uma extensão de 1.200 km de gelos do sudoeste do Yukon ao sul de Alberta, impediu o deslocamento através dessa via por milênios, embora ainda não se saiba com precisão se essas geleiras alcançaram todas essas áreas. Com o aumento da termperatura durante periodos interglaciais houve a retração da massa glacial criando espaços que favoreceram a colonização em uma rota de migração para plantas, animais e claro, populações humanas até as latitudes norte-americanas (Lima, 2006).
Palinólogos e paleontólogos estão encontrando escassas evidências de vida vegetal e animal nesse corredor, entre 20 e 14 mil anos. Existem inúmeros sítios que correspondem a acampamentos temporários de grupos bem sucedidos de caçadores do final do Pleistoceno, que foram especializados na captura de grandes mamíferos datados em torno de 11.500 a 11 mil anos antes do presente. São sítios de matança e descarnamento de grandes caças onde ossos da extinta megafauna aparecem associados a um sofisticado armamento de caça e processamento (Lima, 2006).
No Chile há dois sítios de grande importância, o Monte VerdeI , escavado por Dillehay e colaboradores entre 1978 e 1985, datado em 33 mil anos, e Monte Verde II datado entre 12.500 a 13 mil anos e apresentam ossos de megafauna – basicamente mastodontes e paleolhamas – além de pontas de artefatos lascados e bifaceis. Dillehay tem artigos publicados na PLoS One de pessoas em Monte Verde que faziam fogueiras para preparar carne e vegetais cozidos, além de ferramentas utilizadas a mais de 18.500 anos atrás e que empurram para trás o povoamento das Américas em cerca de 4 mil anos. A datação feita em radiocarbono por sua equipe datou ossos de animais e plantas entre 14.500 e 18.500 anos atrás e alguns sugerem até 19 mil anos. A última idade do gelo estava começando a diminuir nesse momento, deixando uma floresta tropical temperada frio em Monte Verde, cerca de 60 quilômetros do Oceano Pacífico (Science Magazine, 2015). Nesse momento, os povos que tinham se deslocado da Sibéria até o Alaska adentraram os corredores ao longo da costa descongelada e dos Andes caçando lhamas. Essas pessoas eram os paleoíndios.
Como notamos, há datas que antecedem 18 mil anos e elas ficam cada vez mais frequentes. Talvez o candidato mais notável a este tempo mais antigo seja a Toca do Boqueirão da Pedra Furada, localizada em São Raimundo Nonato, no sudeste do Piaui, pesquisada por Niède Guidon e colaboradores (Guidon 1984, 1986).
É uma das áreas arqueológicas mais importantes do mundo e foi descoberta em 1979. Ela possui mais de 1000 sítios arqueológicos com pinturas rupestres, feitas em um abrigo sob-rocha onde se fez uma sucessão de 46 datações radiocarbônicas, que rigorosamente atribuíram á uma data de 48 a 6 mil anos. Por extrapolação estratigráfica, pesquisadores chegam á atribuir ao sítio uma antiguidade de mais de 60 mil anos. Entre mais de mil sítios arqueológicos do parque, cerca de 170 são abertos à visitação pública. É o único parque americano incluído na lista da UNESCO como patrimônio histórico mundial, desde 1991.
Quando foi escavado entre 1978 e 1988, apresentou quinze estratos naturais que foram agrupados em três diferentes fases das quais se encontrou-se vários fogões associados a artefatos líticos, seixos lascados que sofreram aquecimento e lascas de quartzo e quartzite além de matérias-primas encontradas nas adjacências do acampamento.
Recentemente seus achados contrariaram a teoria vigente que apontava que os primeiros humanos chegaram ao continente por volta de 15 ou 18 mil anos, vindos do Estreito de Bering. As pesquisas de Niède identificam a presença humana no local entre 50 e 100 mil anos, o que muda a perspectiva da pré-história americana. Pela técnica do carbono 14, a pesquisa chegou à data de 58 mil anos. Abaixo desse período, os vestígios encontrados foram datados pela técnica da termoluminescência, quando se chegou á idade de 100 mil anos. A partir de 1991, as pesquisas da de Niède na Serra da Capivara apresentam evidências claras de que os vestígios encontrados estavam ligados ao Homo sapiens. Os estudos de Niède Guidon receberam maior apoio quando uma data de 40 mil anos foi estabelecida em um sítio do México pela arqueóloga Silvia González, que datou pegadas deixadas em cinzas vulcânicas, embora alguns autores tenham alegado que houve erro de datação (Arte na rede, 2015)
Os migrantes paleoíndios que chegaram nas Américas a partir de diversas ondas de migração entre 40 e 16.500 anos atrás (Viegas, 2009) seguiram juntos através corredores ecológicos favoráveis (ou usando barcos primitivos, pela costa do Pacífico na América do Sul) caçando e ao longo do tempo até extinguindo animais da megafauna Americana (Scientific American, 2009). Muitas evidências da rota litorânea foram cobertas pelo aumento do nível do mar em centenas de metros após a última idade do gelo (Columbia University, 2009). Assim, Paleoíndio é um termo usado para se referir aos povos antigos, com mais de 8 mil anos que se assemelham mais com as populações atuais da África subsaariana e da Austrália do que com os povos tipicamente asiáticos. Estes povos viviam da caça e da coleta e a maior parte dos vestígios desta época é composta por instrumentos de pedra lascada, raspadores, seixos lascados e pontas de projéteis. Entretanto, as evidências científicas unem os povos indígenas americanos com os asiáticos, especialmente com as populações orientais da Sibéria. Os povos indígenas das Américas têm sido associados a populações do norte da Ásia por dialetos linguísticos, pela distribuição dos tipos de sangue e a composição genética refletida por dados moleculares, como o do DNA (Tymchuk, 2009) que datam de 10 mil anos ou mais.
Sabemos hoje que os atuais asiáticos e os ameríndios (termo para os indígenas das Américas) são relacionados a um grupo ancestral que viveu na China há 40 mil anos. Análises genéticas de ossos antigos mostraram semelhanças com os perfis genéticos dos asiáticos e dos nativos americanos da atualidade, sugerindo que os dois têm um ancestral em comum, segundo pesquisadores do Instituto de Antropologia Evolutiva Max Planck de Leipzig, na Alemanha, e da Academia Chinesa de Ciências. O estudo genético coletou DNA nuclear e mitocondrial de um osso de perna encontrado em uma caverna em Tianyuan, na China e confirmou que os primeiros humanos modernos em Pequim se diferenciavam-se geneticamente dos europeus modernos. Segundo Svante Paabo, do Instituto Max Planck (especialista em hominínios, especialmente em neadertais) disse que o individuo dono desta perna viveu durante uma importante transição evolutiva dos primeiros humanos modernos, que compartilharam algumas características com as espécies anteriores e que substituíram os neandertais e os Denisovanos (hoje extintos). A proporção de DNA dos neandertais e dos Denisovanos não era maior que a dos humanos modernos nesta região (Max Planck Institute, 2013).
Um estudo publicado em 2012 na revista Nature por Andrés Ruiz-Linares da University College of London indica que analisou o do genoma de uma série de tribos indígenas americanas, canadenses e da Tierra del fuego (extremo sul do continente americano), e demonstrou que a população tem marcas genéticas de três ondas migratórias de habitantes asiáticos que chegaram as Américas através do Estreito de Bering, na Sibéria durante as eras glaciais, há cerca de 15 mil anos. A grande maioria das tribos estudadas descende da primeira onda de migração, conhecida por dar origem aos primeiros americanos. As outras duas linhagens ficaram restritas à América do Norte.
Este estudo apresenta uma forte base genética sobre os nativos americanos até o momento. O estudo analisou 364 mil variações genéticas encontradas no DNA de 52 tribos indígenas americanas e de 17 grupos siberianos e teve de separar de suas análises a presença de material genético procedente de migrações posteriores, como a dos europeus e africanos que chegaram às Américas a partir de 1492. O DNA de quatro tribos da América do Norte demonstrou duas outras ondas migratórias. Ambas teriam sido mais próximas de indivíduos da etnia Han, predominante na China, do que com os primeiros americanos.
A segunda onda percorreu a costa do Ártico até a Groenlândia, e uma terceira se dirigiu rumo às Montanhas Rochosas. A tribo canadense chipewyan, que viveu nas Montanhas Rochosas e na baía de Hudson tinha 10% do material genético em comum com os protagonistas da terceira leva migratória. O DNA de quatro tribos do Norte (Aleútes, Inuítes do leste, Inuítes do oeste e Chipewyan) contém material das três ondas migratórias, mas a maior parte corresponde à primeira. Isso significa que os habitantes asiáticos das segunda e terceira ondas teriam interagido e se relacionado com os primeiros que chegaram à América.
O estudo ainda constatou que o povoamento do México rumo ao sul parece ter ocorrido de modo bastante simples, com poucas misturas após a separação dos povos.
Esta tese também é defendida pelo antropólogo brasileiro Walter Neves, com base no achado de Lagoa Santa, os restos de Luzia, datados entre 11 e 12 mil anos em Minas Gerais. Embora como o próprio texto acima destacou, há evidencias que datam cerca de 18 mil anos.
Alguns arqueólogos americanos defendem que os primeiros americanos chegaram somente a 11 mil anos na América (corrente chamada de Clovistas), com base em objetos como pontas de flechas e de lanças encontradas em um sítio arqueológico do Novo México. Essa tese sustenta que houve apenas uma entrada pelo Estreito de Bering e hoje é muito pouco popular e já descartada pelas evidencias de DNA e achados arqueológicos muito mais antigos.
Outro ponto do texto trata da extinção da megafauna. Sabemos que há 10 mil anos atrás, houve um intenso aumento de morte de animais da megafauna Pleistocênica no Brasil. Muitos animais deixaram de existir, como as preguiças-gigantes, tigres-dentes-de-sabre, mastodontes e tatus gigantes gliptodonte. Dois protagonistas desta extinção disputam a culpa: os seres humanos e as mudanças climáticas, mas podem estar relacionados. De acordo com o biólogo Mathias Pires, da Universidade de São Paulo, os protagonistas desta extinção foram os caçadores bípedes, conforme um artigo publicado na revista Proceedings of the Royal Society B. Em seu artigo (parte de seu doutorado), o autor explica que esta constatação não significa que o homem caçou todos os mastodontes, e todas as preguiças-gigantes, mas que segundo seus modelos matemáticos sobre o funcionamento das redes ecológicas da época, as comunidades de grandes mamíferos do Pleistoceno eram sensíveis ao acréscimo de um predador eficaz como o homem. Tal proposta se firma na ideia de que o número de espécies de um sistema ecológico, a quantidade e a força das interações entre elas e a forma como essas interações são distribuídas definem a resistência da rede a perturbações. Ele reconstruiu virtualmente as redes ecológicas de cinco localidades na América do Norte e quatro na América do Sul, considerando a fauna descrita em artigos científicos e banco de dados públicos da Paleobiology Database. As simulações mostraram que com a chegada do novo predador houve um aumento na conectividade entre os integrantes da rede, gerando instabilidade e aumentando o risco de extinções. Em resumo: quando uma rede ecológica é bem conectada entre si, fruto milhões de anos de evolução, o efeito de uma perturbação se propaga melhor e as interações entre as espécies propagam os efeitos sentidos por cada uma delas; muitas vezes incluem redução populacional, colapsando comunidades (Revista Fapesp, 2015).
O estudo constatou que houve uma diferença entre as Américas: a grande diversidade de herbívoros (em relação aos carnívoros) na porção sul pode ter favorecido uma maior estabilidade ecológica onde havia mais predadores. Por esta razão, as extinções devem ter levado mais tempo para se concluir na América do Sul.
Quando há perturbações ecológicas existe a possibilidade dos sistemas se ajustarem e ganharem novas características. O único continente onde os grandes mamíferos foram felizes na luta pela sobrevivência é a África. Na África, berço da humanidade, as redes ecológicas se ajustaram a presença do homem. As evidencias de que o homem perturbou sistemas ecológicos em homeostase se nota quando o homem chega na Europa ou nas Américas. Não é coincidência que quando o homem chega nesses locais fortes indícios dizem que seu comportamento de caça foi o agente causador da extinção e que o homem não foi um mero espectador na extinção da megafauna. Isso não quer dizer que o homem agiu sozinho, mas que o equilíbrio das redes e que os animais já estavam debilitados por efeitos de flutuações climáticas que vinham acontecendo ao longo do Pleistoceno. A presença e a atuação do homem pode ter sido simplesmente o golpe que faltava para que comunidades inteiras entrassem em extinção (Revista Fapesp, 2015).
Victor Rossetti
Palavras chave: NetNature, Rossetti, Ártico, Paleoíndios, Niéde Guidon, Colonização das Américas, Alaska, Estreito de Beringer, MegaFauna.
.
Referências
Center for Climate Systems Research, Columbia University. 68 Responses to “Sea will rise ‘to levels of last Ice Age’””. Retrieved November 17, 2009. Dixon, E. James. 2001 Human Colonization of the Americas: timing, technology and process. Quaternary Science Review 20:277-99. Dillehay, Thomas D. 1989 Monte Verde: a late Pleistocene settlement in Chile. Vol. 1, Palaeoenvironment and site context. Washington, Smithsonian Institution. Erlandson,Jon M. 2002 Anatomically modern humans, maritime voyaging, and the Pleistocene colonization of the Americas. In Nina G. Jablonski (ed.), The First Americans. The Pleistocene Colonization of the New World, Memoirs of the California Academy of Sciences, n. 27, San Francisco, pp 59-92 Guidon, Niède. 1984 Les premières occupations humaines de l’aire archéologique de São Raimundo Nonato, Piaui, Brésil. L’Anthropologie 88:263-71. Guidon, Niède. 1986 A seqüëncia cultural da área de São Raimundo Nonato, Piaui. Clio 8:137-44. Goebel, Ted. 1999a Review of The Paleolithic of Siberia: new discoveries and interpretations, by Anatoliy P. Derev’Anko (ed.). American Antiquity 64(2):384-86. Goebel, Ted. 1999b Pleistocene human colonization of Siberia and peopling of the Americas: an ecological approach. Evolutionary Anthropology 8(6):208-227. Lima, T. A. O Povoamento Inicial do Continente Americano: Migrações, Contextos, Datações. UFRJ. 2006 Scientific American. The peopling of the Americas: Genetic ancestry influences health”. Retrieved November 17, 2009. Tymchuk, W. “Learn about Y-DNA Haplogroup Q” – Senior Technical Editor. Genebase Systems. 2008. Retrieved November 21, 2009. Viegas, J. “First Americans Endured 20,000-Year Layover – Discovery News”. Retrieved November 18, 2009. Archaeological evidence, in fact, recognizes that people started to leave Beringia for the New World around 40,000 years ago, but rapid expansion into North America did not occur until about 15,000 years ago, when the ice had literally broken.