Um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) descobriu que o hormônio do crescimento (GH, do inglês growth hormone), ligado ao desenvolvimento ósseo e ao aumento de estatura, também atua diretamente no cérebro para conservar energia quando se perde peso.
A descoberta foi publicada na revista Nature Communications. “Descobrimos que um hormônio conhecido há décadas faz muito mais do que se imaginava”, disse José Donato Junior, professor no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e um dos autores do estudo.
“Receptores de GH são encontrados em grande quantidade nos músculos, no fígado, em tecidos e órgãos diretamente envolvidos no metabolismo de crescimento. Mas descobrimos que o cérebro está também repleto de receptores do GH. Isto é algo novo”, disse Donato.
“Mais além, verificamos que o GH no cérebro não está envolvido apenas no metabolismo de crescimento, mas atua principalmente nas respostas metabólicas de conservação de energia desencadeadas quando, por exemplo, passamos fome ou fazemos dieta. Essa descoberta, que também é nova para a ciência, tem importantes implicações para se entender por que é tão difícil perder peso”, disse.
O trabalho faz parte do Projeto Temático “Ação do hormônio do crescimento no sistema nervoso: relevância para as funções neurais e na doença”, apoiado pela FAPESP. Participam pesquisadores do ICB, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, da Universidade Nacional de La Plata, na Argentina, e da Ohio University, nos Estados Unidos.
“A ciência procura há décadas entender por que é tão difícil manter o peso atingido após os sacrifícios de uma dieta bem-sucedida e por que é tão fácil recuperar o peso perdido. Até hoje, acreditava-se que a leptina fosse o principal hormônio a entrar em ação para conservar energia quando passamos fome”, disse Donato.
Ele explica que, quando há perda de peso, caem os níveis de leptina em circulação na corrente sanguínea. Mas tal conhecimento jamais resultou na criação bem-sucedida de uma dieta ou terapia com leptina que fizesse os pacientes perderem e manterem o peso atingido.
“Claramente, o processo de perda de peso envolve diversos processos metabólicos e vários hormônios que não somente a leptina. É aí que entra o GH. Identificamos que, quando há perda de peso, o GH atua no cérebro de maneira similar à leptina. Porém, se no caso da leptina seus níveis caem, no caso do GH ocorre o contrário. A perda de peso desencadeia a elevação dos níveis de GH em circulação”, disse Donato.
“No artigo agora publicado, mostramos que, a exemplo da leptina, a sinalização do hormônio de crescimento central também promove adaptações neuroendócrinas durante a privação alimentar”, disse.
Os receptores de GH estão localizados em uma região cerebral chamada hipotálamo, considerado como o mais elevado dos centros vegetativos do cérebro. Do hipotálamo partem impulsos que vão influenciar as células nervosas do sistema neurovegetativo e regular os tecidos viscerais, como a musculatura lisa das vísceras e dos vasos, a musculatura cardíaca, todas as glândulas do organismo e ainda os rins, entre outros órgãos.
Os pesquisadores observaram que, no hipotálamo, os receptores de GH ativam especificamente uma pequena população de neurônios chamada AgRP que, por sua vez, eleva a produção da proteína homônima AgRP, que age para aumentar o apetite e diminuir o metabolismo e o gasto de energia.
“A AgRP é um dos mais potentes estimuladores do apetite. É curioso notar como uma pequena população de neurônios AgRP, que são alguns poucos milhares em meio a bilhões de neurônios do hipotálamo, realizam função tão importante apesar do número reduzido”, disse Donato.
Conservação de energia
Para estudar em detalhes a importância da sinalização de GH em neurônios AgRP, os cientistas da USP e colegas geraram camundongos portadores de uma ablação dos receptores do hormônio de crescimento específica para AgRP (chamados de camundongos AgRP GHR KO). Foi também estudado um grupo controle, com animais não modificados.
Entre diversos outros experimentos realizados, o grupo registrou o gasto energético em todo o corpo dos dois grupos de camundongos quando submetidos a uma dieta de restrição alimentar de 60%. O objetivo foi testar se a falta de respostas adaptativas aos déficits de energia causaria impactos significativos no balanço de energia.
Observou-se que os animais do grupo controle diminuíram o seu gasto de energia durante a restrição alimentar, o que está de acordo com as respostas adaptativas que conservam energia durante tal situação.
No entanto, a diminuição no gasto energético nos camundongos AgRP GHR KO durante a restrição alimentar foi significativamente menor, em comparação com os de controle, sugerindo que eles não economizavam energia tão eficientemente quanto os animais não modificados.
Consequentemente, os camundongos AgRP GHR KO exibiram maior taxa de perda de peso, predominantemente devido à perda de massa gorda, ou seja, das reservas de gordura, mas também à perda de massa magra, aquela que compõe todos os órgãos vitais, ossos, músculos, ligamentos e tendões e os líquidos corporais.
“Em outras palavras, descobrimos que a perda de peso desencadeia o aumento dos níveis do hormônio GH no hipotálamo, o que ativa os neurônios AgRP, fazendo com que seja mais difícil perder peso e aumentando a sensação de fome. Esta é exatamente a mesma função da leptina”, disse Donato.
Segundo o pesquisador, a conservação de energia é tão importante ao organismo que a evolução capacitou os humanos com dois mecanismos de conservação de energia, um ativado pela leptina e outro pelo GH.
“Um funciona como reserva do outro. É por isso que todas as tentativas de criar tratamentos de perda de peso unicamente baseados na leptina não tiveram resultado. Há que se atacar ao mesmo tempo o mecanismo do hormônio do crescimento”, disse Donato.