A extração de um dente impacta toda a arcada dentária, já que a mastigação e a oclusão precisam ser adaptadas. Por consequência, essas alterações causam sobrecarga e alterações ósseas no suporte de outros dentes, colocando-os também em risco.
Pesquisadores da Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Universidade Estadual de Campinas (FOP-Unicamp) descobriram a explicação celular para esse problema ainda pouco explorado: quando se extrai um dente, além da sobrecarga nos dentes vizinhos, ocorrem alterações nas células do tecido ósseo que sustenta os dentes.
De acordo com estudo publicado na revista Frontiers in Physiology, a proteína ß-catenina passa a ser expressa quando um dente é extraído. Isso acarreta mudanças que levam a maior sobrecarga no osso que sustenta os dentes vizinhos. Sem o suporte adequado, esses dentes ficam prejudicados e, assim, podem ser perdidos também.
“A alteração mecânica da mastigação provoca também mudanças celulares no osso alveolar [que suporta os dentes]. Quando o ambiente mecânico se altera, a proteína ß-catenina é produzida. Isso evidencia a hipótese deste estudo de que a perda dental é uma alteração significativa, capaz de provocar mudanças no estímulo mecânico para o osso alveolar que suporta os dentes que restaram na boca”, diz Ana Cláudia Rossi, autora do estudo e que coordena, juntamente com Felippe Bevilacqua Prado e Alexandre Rodrigues Freire , o Laboratório de Pesquisa em Mecanobiologia da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP-Unicamp).
A descoberta é fruto da bolsa de iniciação científica de Beatriz Carmona Ferreira e de um Auxílio de Pesquisa Regular, apoiados pela FAPESP, que desenvolveu um modelo virtual do crânio e da mandíbula do rato e é usado para simulações computacionais de deformações ósseas e alterações biomecânicas.
Rossi ressalta que a descoberta reforça que a retirada de um dente não resulta apenas em um problema meramente estético ou em alterações na oclusão e mastigação de um indivíduo. “A análise biomecânica por simulação computacional mostrou que a extração de um dente acarreta mudanças no ambiente de microdeformações do osso alveolar e em toda a arcada dentária, ocasionando problemas em série. Além disso, se nenhum tratamento for feito, como, por exemplo, um implante dentário, ocorrem ainda alterações no comportamento alimentar e perdas consideráveis na qualidade de vida do indivíduo”, afirma.
O grupo de pesquisadores liderados por Rossi tem realizado pesquisas amparadas por um modelo computacional desenvolvido no laboratório da FOP-Unicamp. A ferramenta consiste em um avanço importante, pois permite fazer previsões sobre alterações mecânicas e biológicas como resposta a problemas de saúde bucal.
“Com o modelo computacional foi possível aprofundar o estudo e realizar um mapeamento dessas alterações que ocorrem no osso alveolar em resposta às alterações biomecânicas. Quanto mais informação conseguirmos incorporar ao modelo computacional, melhor. Isso porque, futuramente, nosso objetivo é que ele suplante os estudos em animais”, diz Rossi.
De acordo com a pesquisadora, aprofundar o conhecimento desses mecanismos celulares tem impacto também nas simulações computacionais. “Cada vez que ampliamos informações e variáveis ao nosso modelo, mais nos aproximamos da possibilidade de eliminar o experimento em animal e de analisar as alterações diretamente no sistema computacional. E então, quem sabe, possamos passar de um modelo computacional para o ser humano”, afirma.
A descoberta da ação da proteína ß-catenina com a perda óssea surpreendeu os pesquisadores. “Essa proteína está relacionada com a diferenciação e a função de células que formam o osso, os osteoblastos. Porém, não existiam muitos estudos sobre ela. Um grupo de pesquisadores chegou a citar que essa proteína está provavelmente relacionada à sensibilidade de estresse mecânico. Fizemos uma aposta com esse estudo”, sublinha Rossi à Agência FAPESP.
Os pesquisadores da Unicamp analisaram as alterações mecânicas em ratos que tiveram o dente incisivo superior direito extraído. Os ratos não têm caninos nem incisivos laterais, apenas os quatro incisivos centrais (dentes da frente) e os molares. A expressão da proteína foi identificada por análise imuno-histoquímica.
Com o resultado, foi a vez de relacionar essa alteração do ambiente celular a partir de simulação computacional realizada em modelo virtual – desenvolvido pelos pesquisadores – da cabeça do rato e do seu aparelho mastigatório.
De acordo com Rossi, no modelo tridimensional foram aplicadas diferentes cargas mecânicas que simulavam o animal mastigando uma ração. “Quando há alteração mecânica a proteína ß-catenina é expressa na região de sustentação dos dentes”, diz.
A simulação computacional mostrou ainda a dissipação de tensão mecânica, o que permitiu ao grupo de pesquisadores estudar as deformações no osso a partir de dados qualitativos e quantitativos. “Com isso, conseguimos ir além da experimentação animal e prever o que acontece com o animal que teve o dente extraído. Os dentes vizinhos sofrem sobrecarga e a expressão da proteína indica deformação do osso alveolar”, diz.
O artigo ß-catenin and Its Relation to Alveolar Bone Mechanical Deformation – A Study Conducted in Rats With Tooth Extraction (doi: 10.3389/fphys.2020.00549), de Beatriz Carmona Ferreira, Alexandre Rodrigues Freire, Rafael Araujo, Gleyson Kleber do Amaral-Silva, Roberta Okamoto, Felippe Bevilacqua Prado e Ana Cláudia Rossi, pode ser lido em https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fphys.2020.00549/full.