Notícia

National Geographic Brasil online

Descoberta de método para induzir morte celular pode ajudar no combate ao câncer (1 notícias)

Publicado em 15 de setembro de 2015

Por Karina Toledo, da Agência FAPESP

Para garantir a sobrevivência em situações adversas, como privação de nutrientes, presença de patógenos ou toxinas, as células podem ativar um mecanismo de defesa conhecido como autofagia, que permite degradar e reciclar certos componentes intracelulares, como, por exemplo, organelas danificadas.

Quando esse processo ultrapassa um certo limiar, porém, deixa de ser um mecanismo de sobrevivência e acaba levando à morte autofágica ou morte celular com autofagia. Um artigo publicado recentemente na revista Scientific Reports por pesquisadores brasileiros ajuda a entender por que essa transição ocorre.

“Mostramos que é possível induzir a morte com autofagia de maneira muito eficiente ao causar, simultaneamente, danos na membrana da mitocôndria [organela responsável pela produção de energia] e do lisossomo [responsável pela digestão tanto de partículas originárias do meio externo como interno]. Essa descoberta pode abrir caminho para o desenvolvimento de novas drogas antitumorais”, disse Maurício Baptista, professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) e integrante do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP.

Segundo o pesquisador, a extensão do dano causado nas membranas de organelas-chave parece ser um fator decisivo para que o processo de autofagia pró-sobrevivência se transforme em morte autofágica. O grupo chegou a essa conclusão após realizar experimentos in vitro e simulações computacionais com culturas de queratinócitos – células do tecido epitelial responsáveis pela produção de queratina.

O modelo foi escolhido por apresentar naturalmente o processo de autofagia pró-sobrevivência bastante ativado, assim como ocorre nas células tumorais.

“Os queratinócitos, em situações fisiológicas, precisam se diferenciar muito rapidamente e essa transformação depende de autofagia. Já as células tumorais, como crescem muito rápido e de forma desorganizada, precisam de um mecanismo de autofagia robusto e muito ativo para sobreviverem. Quando colocamos um composto que atrapalha o processo, a célula morre”, explicou Baptista.

Iguais, mas diferentes

Nos experimentos in vitro, parte das células foi tratada com ácido oleanólico e parte, com ácido betulínico. Os dois compostos são encontrados nas cascas de frutas e árvores e têm a função de protegê-las de pragas e infecções.

O ácido oleanólico é amplamente usado como agente anti-inflamatório, antiangiogênico e antioxidante. E o ácido betulínico tem ação antitumoral comprovada e está sendo testado em ensaios clínicos contra o melanoma e outros tipos de câncer de difícil tratamento.

Embora possuam a mesma fórmula química – C30H48O3 –, os dois compostos apresentam diferente distribuição espacial dos átomos e, portanto, são considerados isômeros.

Ao comparar, nas diferentes culturas, variáveis como viabilidade celular, proliferação e mecanismos de morte celular, os pesquisadores observaram que o ácido betulínico apresentou maior citotoxicidade, o que, segundo Baptista, está relacionado a sua maior eficiência em causar dano na membrana de organelas. Já a membrana plasmática, que reveste a célula, foi preservada.

“A molécula de ácido betulínico possui uma estrutura mais plana e, por esse motivo, consegue penetrar melhor na membrana da mitocôndria e do lisossomo, induzindo de forma eficiente a morte com autofagia. Já a molécula de ácido oleanólico, por possuir uma espécie de dobra em sua estrutura, tem mais dificuldade para interagir com a membrana das organelas e não induz morte com autofagia”, contou Baptista.

Por meio de simulações computacionais feitas em parceria com pesquisadores da Universidade Federal do ABC (UFABC), o grupo da USP alterou o arranjo espacial da molécula de ácido oleanólico deixando a estrutura mais plana e observou que isso aumentava a interação com a membrana das organelas.

Na avaliação de Baptista, é provável que outros compostos capazes de causar o mesmo tipo de dano na membrana de organelas sejam eficientes em induzir a morte com autofagia e possam ser usados no combate ao câncer. “O interessante é que, por ser um dano físico, torna-se mais difícil o desenvolvimento de resistência celular”, disse.

Na avaliação do pesquisador, a descoberta pode auxiliar no screening de derivados do ácido betulínico com o objetivo de identificar qual seria o composto mais eficiente em induzir a morte com autofagia.

“Uma possibilidade seria, por meio de simulação computacional, testar a interação do composto com a membrana de organelas”, disse Baptista.

O trabalho publicado na Scientific Reports foi realizado em parceria com a pesquisadora Waleska K. Martins, que desenvolveu o seu pós-doutoramento no âmbito do Redoxoma e de um Projeto Temático coordenado por Baptista. Contou também com a participação de pesquisadores do Instituto Ludwig e do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, recebendo apoio parcial da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Farma Service Bioextract.

O artigo Parallel damage in mitochondrial and lysosomal compartments promotes efficient cell death with autophagy: The case of the pentacyclic triterpenoids (DOI:10.1038/srep12425), de Waleska Martins, Maurício Baptista e outros, pode ser lido em www.nature.com/articles/srep12425.