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Descoberta abre caminho para modular genes de forma mais específica (1 notícias)

Publicado em 18 de outubro de 2013

Em um passado não muito remoto, toda a parte do genoma que não contém informações para a produção de proteínas – algo em torno de 98% do código genético – foi considerada pela ciência como “DNA lixo”. Mas novos estudos têm mostrado que a partir desse DNA se expressam RNAs com outras importantes funções epigenéticas, ou seja, que atuam modulando o funcionamento de genes vizinhos.

Todas as pesquisas feitas até o momento, no entanto, tiveram como foco os genes não codificadores localizados fora das regiões em que estão os genes codificadores de proteína. Agora, um grupo de cientistas da Universidade de São Paulo (USP) desvendou, pela primeira vez, a função de um gene não codificador localizado dentro da mesma região de um gene codificador, porém na fita oposta de DNA, e descobriu que ele também atua como regulador, mas de forma muito mais específica. Os resultados foram divulgados em agosto na revista PLoS Genetics.

“A molécula de DNA é formada por uma fita dupla de nucleotídeos que são complementares, são cópias reversas. As proteínas são todas codificadas por genes localizados em apenas uma das fitas”, explicou Sergio Verjovski-Almeida, pesquisador do Instituto de Química da USP e coordenador da pesquisa apoiada pela FAPESP.

Como ponto de partida, os pesquisadores identificaram e investigaram um gene na fita espelho (situado na mesma região do genoma, mas na fita oposta do DNA) do gene codificador da proteína RASSF1, cujo papel é inibir o crescimento de tumores.

“Essa proteína é produzida em quatro versões diferentes: RASSF1A, RASSF1B, RASSF1C e RASSF1D. A isoforma RASSF1A é a que tem a função supressora de tumor mais bem caracterizada na literatura científica. Já ao RNA produzido na fita oposta chamamos de ANRASSF1, pois ele é transcrito no sentido oposto, ou seja, é antissenso e não codifica proteína”, explicou Verjovski-Almeida.

O primeiro desafio do grupo foi encontrar ferramentas capazes de alterar a expressão do ANRASSF1 de maneira a não mexer com o funcionamento do gene codificador de proteína. “Normalmente, quando se busca caracterizar a função de um gene, ou se induz uma mutação ou se tira fora aquele pedaço de DNA – método conhecido como deleção – para ver o que acontece. Nós não podíamos fazer isso sem afetar o gene da RASSF1”, disse Verjovski-Almeida.

O grupo então recorreu ao uso de um plasmídeo – molécula circular de DNA – contendo material genético capaz de interferir apenas na expressão de ANRASSF1. Ao testar o método em linhagens de célula de câncer de mama e de câncer de próstata, os cientistas verificaram que, quando esse RNA não codificador estava superexpresso, a atividade de RASSF1A diminuía para 10% a 20% do normal, sem que a produção das demais isoformas da proteína fosse afetada.

Quanto maior era a quantidade de ANRASSF1, portanto, menor era a produção de RASSF1A e maior era o crescimento das células tumorais. De acordo com Verjovski-Almeida, a descoberta abre caminho para novos tratamentos contra o câncer que atuem inibindo a expressão de ANRASSF1.

Ponta do iceberg

“Até agora, o que se conhecia era o papel dos genes não codificadores intergênicos, ou seja, localizados no DNA que fica entre os genes codificadores. Sabe-se que os intergênicos têm a capacidade de silenciar vários genes vizinhos. Já este não codificador antissenso que estudamos agora é diferente, pois sua função reguladora é local e específica para apenas uma das isoformas do gene RASSF1”, comparou Verjovski-Almeida.

Para os autores do artigo publicado na PLoS Genetics, a descoberta representa apenas a “ponta de um iceberg”, pois existem outros milhares de genes que expressam RNAs antissenso semelhantes e, possivelmente, também têm importante papel epigenético em nosso organismo.

“Em um estudo anterior, mostramos que cerca de 70% dos genes codificadores de proteína têm pelo menos um trecho transcrito na fita oposta. Hoje há trabalhos mostrando que 90% têm na fita oposta transcrição de RNAs não codificadores. Essa classe de RNA até agora desprezada deveria ser investigada gene a gene e usada como ferramenta para modular genes importantes de forma altamente específica”, disse Verjovski-Almeida.

Agência Fapesp