Utilizar a pesquisa científica para combater o desperdício e aumentar a produtividade das áreas agricultáveis do País está entre os objetivos do Centro de Pesquisa em Alimentos (Forc) da Universidade de São Paulo (USP).
A população atual do planeta aproxima-se dos 7,3 bilhões de pessoas e deve chegar a cerca de 9,5 bilhões em 2050. Produzir alimentos em quantidade suficiente – e com a segurança necessária – para esse enorme contingente populacional é um dos grandes desafios da humanidade. Nesse cenário, o Brasil é considerado praticamente – com o perdão do clichê – o celeiro do mundo. Estimativas internacionais apontam que 40% dos alimentos produzidos no planeta em 2050 virão daqui. A área agricultável do País, no entanto, não deve crescer mais de 5%, o que significa que quase todo o montante adicional terá que vir do aumento da produtividade.
“Temos um desperdício enorme, e não só no campo, mas em toda a logística de distribuição e armazenamento”, diz, apontando um dos problemas cruciais a atacar, a professora Bernadette Dora Gombossy de Melo Franco, do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP. Os alimentos são altamente perecíveis, ao contrário do material originado de setores como a indústria eletroeletrônica ou siderurgia. Exemplo recente de desperdício são as imensas quantidades de hortifrutigranjeiros e leite que tiveram que ser descartadas por conta da recente greve dos caminhoneiros.
Trabalhar nas questões relacionadas a essa vastíssima área é o foco do Centro de Pesquisa em Alimentos (Forc, da sigla em inglês Food Research Center), o primeiro de caráter multidisciplinar para alimentos e nutrição no Brasil. O Forc é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) sediados na USP.
Criado de fato em 2013, o núcleo já tem uma história anterior, fruto do trabalho de docentes de departamentos de várias unidades que já se ocupavam do tema e do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Alimentos e Nutrição (Napan) da Universidade de São Paulo (USP). Também integram o Forc representantes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital) e Instituto Mauá de Tecnologia. “São todos pesquisadores de alto nível e muito comprometidos com a proposta. Temos um potencial de crescimento enorme”, diz a professora, que acumula a coordenação do Cepid com o cargo de pró-reitora de Pós-Graduação da USP.
Parcerias
O Forc trabalha com quatro pilares: sistemas biológicos em alimentos; alimentos, nutrição e saúde; qualidade e segurança alimentar; novas tecnologias e inovação. O primeiro ocupa-se da abordagem da bioquímica dos alimentos, avaliando-os do ponto de vista químico, genômico, proteômico e de metabolismo. O segundo trata de como os alimentos impactam a saúde da população, considerando as diferentes necessidades de cada grupo (crianças, idosos ou gestantes, por exemplo).
O terceiro pilar aborda os problemas relacionados com a qualidade e a segurança dos alimentos, para que eles não sejam veículo de algo que possa trazer prejuízos à saúde – de compostos químicos a microbiológicos, como vírus, bactérias ou toxinas produzidas por algum micro-organismo. O quarto é uma espécie de consequência dos três anteriores, ocupando-se de como produzir alimentos com características diferentes.
A qualidade do trabalho de pesquisa e da produção de conhecimento científico vai muito bem, diz a professora, dada a expertise dos pesquisadores envolvidos. O que a chamada da Fapesp busca incentivar é a transferência do conhecimento e da tecnologia para empresas que possam levar novos produtos à sociedade – o que, reconhece Bernadette, ainda é uma deficiência da academia. “Geramos ciência e publicamos os resultados, mas os Cepids almejam mais do que isso”, considera. Além dessa, há outra dificuldade: em comparação com outras áreas, a de alimentos inova muito pouco. “A capacidade de investimento da indústria de alimentos em pesquisa é muito pequena, e as grandes empresas, que poderiam aportar recursos, trazem tecnologia de fora.”
Vários passos estão sendo dados para estreitar a relação com potenciais investidores. Uma das iniciativas foi realizada em novembro do ano passado, quando o Forc, em conjunto com a Agência USP de Inovação, reuniu representantes de grandes empresas do setor de alimentos e nutrição para uma reunião técnica com o objetivo de abrir canais para o estabelecimento de parcerias. O encontro foi avaliado como positivo e promissor pelos dois lados.
Também tem aumentado o número de convites e participação de pesquisadores em eventos como o Vitafoods South America, voltado à indústria de ingredientes funcionais e nutracêuticos, realizado na semana passada em São Paulo. Convênios e parcerias começam a ser firmados, e os resultados serão visíveis no médio e no longo prazo. No horizonte da professora Bernadette, o maior alvo é a criação de um instituto de pesquisa de alimentos na USP, à semelhança dos que existem em grandes universidades estrangeiras. “Não vai acontecer já, mas vai acontecer”, enfatiza.
Mais informações sobre o Cepid Centro de Pesquisa em Alimentos (Forc) estão disponíveis no site www.usp.br/forc.
Processados e transgênicos
Segurança alimentar e segurança do alimento são duas coisas que parecem dizer o mesmo – mas não dizem. Segurança alimentar, na definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), seguida pela Vigilância Sanitária do Brasil, refere-se à garantia de que a população tenha acesso aos alimentos e que estes sejam de qualidade, enquanto a segurança do alimento procura garantir que não haja nenhum problema de higiene ou contaminação – acidental ou proposital -, da produção até a chegada à mesa dos cidadãos.
Em qualquer um dos campos, há tema para longas e vastas discussões, nas quais muitas vezes os antagonistas parecem defender posições irreconciliáveis. Basta falar, por exemplo, em alimentos transgênicos e alimentos processados ou superprocessados – aqueles produzidos com o máximo aproveitamento das possibilidades oferecidas pela fonte original. É o que permite, em vez de consumir-se apenas o filé do peito de um frango, aproveitar praticamente tudo, embora o resultado no prato, ou na embalagem pronta, em quase nada lembre a ave.
“Há uma resistência gigantesca aos processados. Recentemente, por exemplo, saiu a nova edição do Guia Alimentar para a População Brasileira do Ministério da Saúde, que é claramente contra o uso de alimentos processados pela indústria”, diz a professora Bernadette de Melo Franco. A pesquisadora lembra que, seja nesse caso ou no debate sobre a transgenia, estão envolvidos fatores complexos, como a preocupação com a saúde da população, a segurança do alimento e a necessidade do aumento da produção.
“Há uma enorme discussão sobre se com a transgenia é possível produzir alimentos seguros em quantidade suficiente. Mas de fato já consumimos alimentos transgênicos há muito tempo”, afirma a professora. Indispensáveis, defende, são o grande controle e a rigorosa avaliação dos riscos – “até porque risco zero não existe”, conclui.
FONTE: Jornal da USP
Paulo Hebmüller – Jornalista