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Brasil Econômico

Desafio do chamado ouro verde é reduzir custos ainda elevados

Publicado em 24 setembro 2010

Diante de um potencial comprador em dúvida, Rui Chammas repete a história que acredita ilustrar o estágio em que está o plástico produzido a partir da cana-de-açúcar: "Há alguns anos ouvíamos notícias de que um movimento começava a se popularizar na Europa. A ideia era vender produtos sem agrotóxicos, com preço mais alto. Era o movimento orgânico. Parecia piada. Agora, veja o tamanho desse mercado". Chammas é vice-presidente de polímeros da petroquímica Braskem. Parte de seu trabalho é demonstrar as vantagens do plástico feito de etanol de cana-de-açúcar frente aos similares produzidos de petróleo. "Quem compra alimento orgânico paga mais caro, mas faz a coisa certa. Com o plástico verde acontece o mesmo. Atendemos a um mercado de empresas que querem fazer o certo", diz o executivo.

A tarefa parece simples. Olhe a sua volta e tente encontrar algo que não tenha plástico. Poucas são as chances de que você ache algum bem de consumo sem ele. Símbolo da sociedade moderna. Pesadelo de ambientalistas. Imaginar que o mundo pode viver sem o plástico, atualmente, é uma ilusão. O problema é que o plástico de cana é mais caro que os similares feitos de petróleo. E, além do preço, existem as dúvidas que toda novidade gera em torno da confiabilidade frente ao que já foi amplamente testado. Mesmo assim, são crescentes as apostas de que o Brasil, graças à cana, esteja diante da chance de se tornar um dos grandes players globais da inovação biogenética e da indústria de plástico.

Como maior produtor mundial de cana e avançado conhecimento do setor por seu pioneirismo no uso do álcool como combustível, o Brasil se torna uma fonte natural para o plástico de cana (também chamado de bioplástico ou plástico verde, como são conhecidos os plásticos produzidos a partir de fontes vegetais). A maior vantagem do plástico verde comparado ao produzido de petróleo é que, enquanto o primeiro retém dióxido de carbono, o outro libera dióxido de carbono na atmosfera. Sacolas plásticas, sacos de lixo, embalagens de cosméticos e alimentos que tiram da atmosfera CO2 se tornam uma ideia atraente diante da crescente preocupação com o aquecimento global. Quando feita de etanol, cada tonelada de polietileno, o plástico mais consumido no mundo, retira 2,5 toneladas de CO2 da atmosfera, já que a cana é um dos vegetais que mais retém carbono durante seu crescimento, enquanto o polietileno de petróleo libera CO2. De acordo com a agência de proteção ambiental dos Estados Unidos (EPA), para uma unidade de energia, a produção e uso de etanol de cana gera dois quintos da emissão de CO2 do petróleo e a metade do CO2 que produz o etanol de milho.

O preço do plástico de cana, superior aos similares tradicionais, é explicado pelos altos investimentos em pesquisa, des-envolvimentoeaprodução ainda em escala reduzida. "No caso do Brasil, hoje, se estima que o plástico de etanol de cana tenha um custo de 15% a 20% maior comparado ao plástico petroquímico", diz Alessandra Lancellotti, da consultoria Frost & Sullivan. "Esse patamar de preço deve inicialmente posicionar o bioplástico em produtos mais premium, ou que tenham um apelo sustentável". Mas à medida que a produção cresça, a tendência é que o custo caia. E as projeções de preço são encoraja-doras. "Nos últimos cinco anos, matérias-primas como petróleo e gás natural apresentaram aumentos de preço de mais de 200%, enquanto o aumento de preço do etanol foi de cerca de 90% nesse período", afirma Alessandra. Assim, por mais que o petróleo sofra alterações de valor, no médio e longo prazo a viabilidade do plástico de cana é certa. "Estimamos que com o aumento no preco do petróleo nos próximos anos e o aumento da escala local de produção de bioplásticos, pode-se chegar a uma redução de preços de 20% a 25% nos próximos cinco anos para o plástico de cana", diz Alessandra.

MENOS DE 1% DO MERCADO

O sucesso do plástico verde também é uma questão de relações públicas. "Tudo depende do discurso que irá prevalecer", diz Carlos Coutinho, da consultoria PwC. "Se vencer o conceito do plástico sustentável e ecológico, há chances. Mas é importante lembrar que as indústrias já estabelecidas no setor vão combater essa ideia. O vencedor também será aquele que der os melhores argumentos", afirma.

A Braskem, do grupo Odebrecht, inaugura hoje uma fábrica capaz de produzir 200 toneladas por ano (ver matéria na página ao lado), o que garantirá a liderança mundial no segmento. "Hoje são produzidas anualmente 70 milhões de toneladas de plástico. Acreditamos que o mercado de plástico verde já pode consumir 600 mil toneladas ano. Mesmo assim, isso não representa nem 1% do mercado", diz Rui Chammas, da Brakem. O executivo descarta as críticas de que não haveria necessidade de se produzir plástico verde porque as sobras do petróleo e gás natural usados para a produção de outros combustíveis seriam suficientes para abastecer o mercado. "Estamos falando de uma fonte renovável em toda a sua cadeia".

O plástico produzido pela Braskem não é biodegradável, mas existem pesquisas nesse sentido. Desde 1995, uma planta piloto na Usina da Pedra, em Serrana, no Estado de São Paulo realiza testes para a produção do plástico biodegradável polihidroxibutirato (PHB) e o seu co-polímero polihidroxibutirato/valerato (PHB-HV), que utilizam a cana. A planta é da PHB Industrial S/A, proprietária da marca Biocycle® (nome comercial do PHB e PHB-HV), controladapelos grupos Pedra Agroindustrial e Balbo. "A produção do PHB está pautada nos atributos do produto, que é renovável, biodegradável e compostável", diz Eduardo Brondi, gerente administrativo da PHB Industrial. Ainda em escala piloto, a planta produz 50 toneladas por ano do produto, que se destina somente a pesquisas, mas existem planos de comercializá-lo nos próximos anos.

"A questão não é ser biodegradável ou não, mas se existe a possibilidade de ser reciclado", diz John Julio Jansen, vice-presidente de inovação para América Latina da DuPont. "O importante é se pensar no ciclo completo, porque para determinados produtos, ser biodegradável não é uma vantagem. Peças de carros, tapetes, por exemplo, não podem ter um ciclo de vida curto". A DuPont comercializa o Sorona®, um bio-plástico que usa etanol de milho em sua composição e realiza pesquisas no sentido de usar a cana no processo. "A biomassa de cana é uma fonte bastante competitiva. Mas a tendência é que cada país utilize a biomas-sa que é mais produtiva localmente. Como no caso do açúcar, que na Europa ainda é feito de beterraba", diz Jansen. Se o petróleo é o ouro negro, a cana é o ouro doce.

Potencial de vendas é de US$ 6 bi até 2030

Segundo relatório do Fórum Econômico Mundial, o mercado de bioplásticos terá um potencial de vendas de US$ 6 bilhões em 2030. Para atender a essa demanda, investimentos já começaram a ser feitos no setor. Hoje, a Braskem inaugura a maior fábrica de polietileno verde do mundo. A planta instalada no Pólo Petroquímico de Triunfo, no Rio Grande do Sul, contou com investimentos de R$ 500 milhões e produzirá 200 mil toneladas por ano. A produção se destina principalmente à exportação, sendo 50% para Europa, 25% Japão e outros 25% para as Américas. A empresa também assinou no início desse mês um acordo com o Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), em Campinas. O LNBio fará pesquisas na área de biotecnologia para desenvolver produtos com base em fontes renováveis. Em 2008, a companhia já havia investido R$ 9 milhões em um convênio de cooperação com a Unicamp e a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de SP) para desenvolver pesquisas em biopolímeros.

Para Marcelo Nunes, do setor de biopo-límeros da petroquímica, o apelo da embalagem ambientalmente correta é evidente para empresas de setores como o alimentício e o de cosméticos (leia matéria na próxima página), mas indústrias automobilísticas e de brinquedos, entre outras, já demonstraram interesse em utilizar plástico de cana. "A grande vantagem deste bioplástico em relação aos demais é que as suas propriedades são as mesmas do plástico feito a base de petróleo, ou seja, não é necessário adaptar o maquinário para a substituição de material", afirma.

A PHB Industrial, que desenvolve um plástico biodegradável e reciclável a partir da cana, por hora opera uma fábrica piloto e não comercializa sua produção, mas faz planos. "Esperamos nos próximos anos iniciar a produção do PHB / PHB-HV em escala industrial", diz Edurdo Brondi, gerente administrativo da PHB Industrial.

A Dow adiou um projeto estimado em US$ 1 bilhão e que integraria uma plantação de cana-de-açúcar e uma fábrica de resinas verdes na cidade de Santa Vitória, Minas Gerais. A empresa diz que continua a ser uma entusiasta dos benefícios do projeto de polietileno a partir da cana-de-açúcar e continuará a investir tempo e recursos nesse projeto.

Já a Solvay Indupa decidiu interromper seus projetos de plástico de cana diante da recente crise econômica e ainda não definiu data para retomá-la. Já a DuPont recentemente anunciou investimentos de R$ 14 milhões para ampliar as instalações e implantar dois novos laboratórios em seu centro voltado à cana-de-açúcar em Paulínia, no interior de São Paulo. Aparentemente a questão não é se as indústrias químicas vão entrar na corrida do bioplás-tico, mas quando. E a data depende apenas da conjuntura econômica e de definições mais claras dos rumos do mercado.