Notícia

Valor Especial

Desafio de alinhar as pesquisas

Publicado em 01 abril 2014

Por Inaldo Cristoni

No Brasil, as pesquisas de inovação se concentram em grande parte na universidade e, por isso, dependem muitas vezes da interação com a indústria para seguir o seu ciclo de desenvolvimento até resultar em produtos para aplicação no mercado. Uma etapa importante neste processo é a geração de patentes, que podem ser depositadas com mais de um titular, quando há licenciamento de tecnologia oriunda de projetos de colaboração.

A grande maioria dos acordos firmados de licenciamento tem cláusulas que preveem o compartilhamento de melhorias ou de tecnologias implementadas a partir da colaboração, abrindo caminho para uma nova etapa de desenvolvimento tecnológico do projeto. "O grande desafio neste processo é o alinhamento das expectativas da universidade e da empresa", afirma Patrícia Leal, diretora de propriedade intelectual da Inova, agência de inovação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que encerrou o ano passado com 71 pedidos de patentes depositados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) e quatro no exterior.

Os exemplos de projetos de colaboração com foco em inovação que geram patentes são muitos. Alguns têm como participantes empresas pequenas, que nasceram dentro da própria universidade. É o caso, por exemplo, da ANS Pharma, criada em 2010 por dois ex-alunos de mestrado da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. A empresa desenvolve dois tipos de medicamentos: um de uso tópico (gel creme), para cicatrização mais rápida de feridas em pessoas diabéticas, e outro de uso oral, voltado ao tratamento de obesidade relacionada ao diabetes.

Instalada no Parque Cientifico Tecnológico da Unicamp, porque nasceu na incubadora Incamp, a ANS Pharma está montando uma planta a fim de produzir o lote piloto e desenvolver a fase de análise clínica (testes em seres humanos) para obtenção do registro do medicamento de uso tópico na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O início da comercialização no mercado pode ocorrer em 2016. "Para produzir em grande escala, teria que ser fora da Unicamp, com urna estrutura própria ou de terceiros", diz Aleksandra Alves Silva, uma das sócias da empresa, que captou RS 2,5 milhões junto à Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp) e precisa de mais esse tanto para concluir a montagem da planta.

Segundo ela, o desenvolvimento do medicamento resultou em uma patente em 2007, de autoria de dois professores da Unicamp. Em 2011, a ANS Pharma licenciou a patente e incorporou ao produto urna nova tecnologia.

Trata-se de um polímero biodegradável, bacteriostático e mucoadesivo, que permite o crescimento celular mais rápido e ordenado, ou seja, estimula o processo de regeneração do tecido. Esta nova tecnologia incremental, associada ao fator decrescimento, gerou novo pedido de patente este ano, de autoria da empresa e da universidade, diz Aleksandra. As pesquisas com o novo medicamento são realizadas no Instituto de Química e nos laboratórios da Faculdade de Ciências Médicas.

Em fase de análise de viabilidade técnica e com possibilidade de depósito de patente neste ano, o medicamento de uso oral surge como mais uma opção de droga para perda de peso em obesos ao lado de outras duas que são atualmente utilizadas no Brasil -a sibutramina e a orlistate. A tecnologia é uma nova forma de liberação e associação de duas moléculas que agem na queima calórica e na sinalização de insulina. De acordo com Aleksandra, o tempo necessário para início da fabricação em larga escala e comercialização do produto é de dois anos. Para desenvolver a fase de análise clínica da droga de uso oral, foi solicitado cerca de RS 1 milhão.

A Invent Biotech, de Ribeirão Preto, é outro exemplo de empresa forjada no meio acadêmico, cujo projeto de uma vacina de aplicação veterinária resultou em patente em parceria com a universidade, em 2010. A Universidade de São Paulo (USP) depositou a primeira patente no Inpi. A Invent Biotech absorveu a tecnologia e desenvolveu novas cepas vacinais, depositando outro pedido de patente não apenas no Brasil, mas também nos Estados Unidos, Europa, África do Sul e Austrália, afirma Sandro Gomes Soares, um dos sócios da empresa.

Única no mundo, segundo ele, a vacina previne uma doença bacteriana conhecida como Rodococose Equina, que causa pneumonia em equinos. Hoje, o tratamento é feito à base de antibiótico, o que deixa sequelas no pulmão do animal. Além disso, o índice de mortalidade é de 30% nas fazendas endêmicas. "Somos pioneiros no desenvolvimento de uma vacina para induzir a imunidade nas primeiras horas de vida do animal", ressalta Soares.

Apesar disso, a empresa enfrenta dificuldade para acelerar o ingresso da vacina no mercado, porque precisa de mais recursos financeiros para prosseguir com os trabalhos. Os projeto obteve aporte de RS 5,5 milhões dos agentes de fomento (Fapesp, Finep e CNPq), que foram aplicados na montagem da empresa, compra de equipamentos, bolsa de estudos e treinamento de profissionais. Mas a transferência da tecnologia para a indústria esbarra em dois problemas: as multinacionais pedem prova de conceito no exterior, o que exige fôlego financeiro, enquanto as empresas nacionais normalmente dão preferência aos produtos que já estão prontos.

Localizada no município de Cravinho, próximo a Ribeirão Preto, e consolidada no ramo de produtos veterinários, a Ourofino Agronegócios se dedica à análise de viabilidade técnica e econômica de um produto utilizado na ração animal para o controle de doenças bacterianas em frangos e suínos. O próximo passo é partir para a fase mais burocrática do projeto, ou seja, preparar o registro no Ministério da Agricultura. "Só depois entra em processo de produção ", diz Milenni Garcia Michels, supervisora de propriedade intelectual da companhia. A prioridade, inicialmente, é o atendimento do mercado doméstico, mas a tendência é de que o produto seja internacionalizado, porque "a empresa tem comercialização fora do país".

O projeto começou a ser desenvolvido a partir de uma chamada de propostas em edital da Fapesp. A Unicamp atendeu aos requisitos de desenvolver um projeto oriundo de fonte natural (o nome da planta não foi revelado), que gera menos resíduos nos produtos de consumo humano.  Trata-se de uma tendência mundial, porque no mercado veterinário predominam os produtos terapêuticos e preventivos sintéticos.

A patente depositada no ano passado como resultado da parceria está em análise no Inpi. Recentemente, a Ourofino depositou a patente fora do país, por meio de um sistema de internacionalização, que garante um prazo adicional de 18 meses para a escolha dos países nos quais a empresa deseja, posteriormente, comercializar o produto. A companhia já trabalhou com outras universidades, mas este é o primeiro projeto desenvolvido com a Unicamp.

PATENTS

By Inaldo Cristoni

CHALLENGE OF ALIGNING EXPECTATIONS

Collaborations leads to many patents, but the path to the market is long

In Brazil, innovative research goes on largely at universities and therefore often depends on interaction with industry to ensure that products proceed to the development cycle and actually hit the market. One important stage of this process is patent generation, which can be filed with more than one owner when the technology is a result of collaborative projects.

The majority of the licensing agreements have clauses defining the division of improvements or technology implemented during the collaboration, creating a path for a new technological development stage. "The big challenge in this process is aligning the expectations of the university and the company," affirms Patricia Leal, director of intellectual property at Inova, the innovation agency at the Campinas State University (Unicamp), which closed last year with 71 patent requests filed at the National Institute of Intellectual Property (INPI) and four overseas.

There are many collaborative projects focused on innovation that lead to patents. Some involve small companies that originated inside the university itself. Such is the case of ANS Pharma, created in 2010 by two former master's students at the Unicamp School of Medical Sciences. The company develops two types of medications: one for topical use (a gel), to accelerate the scarring process in diabetics, and the other to be taken orally for the treatment of diabetes-related obesity.

Headquartered inside the Unicamp Technology Scientific Park, where it started out in the Incamp incubator. ANS Pharma is building a plant so that it can produce the first of its gel medication. Afterwards it will develop clinical trials in order to register with the National Health Surveillance Agency (ANVISA) and begin sales in 2016.  "For large scale production, the unit would have to be outside Unicamp with our own structure or a third-party," says Aleksandra Alves Silva, a partner in the company, which received R$ 2.5 million from the São Paulo Research Foundation (FAPESP) and needs an equal sum to finish building the plant.

In the final phase of technical feasibility analysis and with a patent filing in the offing, the oral medication will be another weight-loss medication for the obese alongside the other two currently used in Brazil-sibutramine and orlistat.

According to Silva, the time needed for large scale manufacture and commercialization of the product is two years. Some R$ 1 million has been requested for development of the clinical trial phase for the oral medication

Veterinary products concern Ourofino Agronegócios is focused on the technical and economic feasibility studies for a product used in animal feed to control bacterial illnesses in chickens and pigs. The next step is the most bureaucratic phase of the project, or preparing to file with the Ministry of Agriculture. "Only after can we enter the production process," says Milenni Garcia Michels, supervisor of intellectual property at the Ourofino. The first priority is to sell inside Brazil, but the product will likely be sold internationally.