Discussão sobre projeto de lei prevê extinção de 10 empresas do estado e autoriza demissão de 5,6 mil servidores durou mais de cinco horas nesta segunda (5) e terminou sem votação. Oposição alega que medidas vão aumentar impostos e gerar desemprego em SP.
O projeto de lei para discutir o ajuste fiscal proposto pelo governador João Doria (PSDB) foi tema das duas sessões extraordinárias realizadas nesta segunda-feira (5) na Assembleia Legislativa de São Paulo. Após mais de cinco horas de debates, porém, o projeto não foi encaminhado para votação.
A expectativa dos deputados é que o presidente da Casa, do deputado Cauê Macris (PSDB), convoque uma nova sessão extraordinária para que a discussão seja retomada no início da noite desta terça (6).
A base do governo deve iniciar a discussão pelo método de votação do projeto de lei. Já os parlamentares contrários à aprovação do pacote de medidas de ajuste fiscal devem seguir obstruindo a matéria.
O texto do projeto de lei 529/2020 foi enviado pelo governador, João Dória (PSDB), em agosto e devia ter sido aprovado até 30 de setembro para integrar a lei orçamentária enviada à Casa naquele dia pelo governo, e que prevê o que vai ser arrecadado e no que será possível gastar no próximo ano.
O texto prevê a extinção de 10 empresas e órgãos públicos, como a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), responsável por programas habitacionais à população de baixa renda, e a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU), além de autorizar o governo a retirar isenções de impostos, conceder parques à iniciativa privada e cortar 5.600 cargos públicos, dentre outras medidas.
Histórico
A união inédita de PSL e PT, as duas maiores bancadas da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), com PSOL, Novo e outras sete legendas conseguiu barrar nesta semana o encerramento da discussão e a esperada aprovação, por parte do governo do estado de São Paulo, do projeto de ajuste fiscal com o qual o governo do estado espera conter um rombo de R$ 10,4 bilhões em 2021.
Só que a proposta foi barrada até o momento por 11 partidos da oposição, que se uniram em obstrução alegando que o texto irá aumentar impostos e provocar desemprego (clique aqui e entenda as medidas propostas).
O projeto entrou em debate na semana passada no plenário da Alesp em regime de urgência, após não conseguir ser analisado nas comissões, por falta de quórum.
Na madrugada de quinta-feira (1), quando a discussão entrou na reta final, eram necessários pelo menos 48 votos, dentre 94 integrantes da Casa, para o presidente da Alesp, Cauê Macris (PSDB), aliado de Doria, iniciar a votação do projeto de lei em plenário.
Contudo, apenas 47 deputados votaram. Sem o quórum mínimo, os debates foram suspensos e devem ser retomados na próxima semana.
No relatório de verificação de votação, disponibilizado pela Alesp, aparecem unidos, em obstrução ao ajuste fiscal, os nomes de Janaina Paschoal (PSL), Professora Bebel (PT), líder da minoria e presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), de Daniel José (Novo) e Douglas Garcia (PTB).
A derrota do governo nesta etapa da tramitação do ajuste fiscal é mais um capítulo de uma história que começou no dia 12 de agosto, quando o projeto de lei foi enviado à Alesp.
Veja abaixo cinco pontos que contribuíram para a derrota temporária do governo na tramitação do projeto na Alesp:
1. Reação das universidades
O texto original do texto previa o corte do superávits financeiros de fundações estaduais, incluindo a Fundação Estadual de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e de universidades, como a USP, da Unicamp e Unesp, e o envio do dinheiro para o Tesouro. Houve críticas da comunidade científica, que argumentaram ser a lei um ataque à autonomia financeira das entidades e que iria paralisar até pesquisas em andamento sobre a Covid-19.
Após essa reação, o governo desistiu em parte da ideia e o líder tucano na Casa, deputado Carlão Pignatari, propôs limitar a transferência dos superávits ao orçamento de 2019.
2. Falta de articulação política
Mesmo o governo João Doria tendo maioria na Alesp, a exemplo das administrações anteriores do Palácio dos Bandeirantes, a nomeação de um relator para o projeto de lei de ajuste fiscal levou mais tempo do que o previsto: 35 dias. O nome escolhido pelo presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR), Mauro Bragato (PSDB), foi Carlão Pignatari (PSDB), líder do governo.
Eles tentaram por duas vezes colocar em discussão o texto na CCJR, mas não foi possível por falta de quórum.
Deputados da base governista demonstram preocupação com a lentidão da tramitação do projeto, que o Palácio dos Bandeirantes contava que seria aprovado até 30 de setembro. Dada a falta de quórum na comissão, Macris nomeou o deputado Alex de Madureira (PSD), da base do governo, relator especial do projeto de lei, para levá-lo ao plenário diretamente.
3. Disputa eleitoral
As eleições municipais deste ano também contribuíram para o projeto não deslanchar. “Não dá para descartar o processo eleitoral como um fio condutor disso. Além do governo insistir com essa pauta em um momento como esse”, diz Paulo Fiorilo (PT), integrante da Comissão de Finanças, Orçamento e Planejamento da Alesp.
Votar a favor de um projeto que extingue estatais e propõe um plano de demissão voluntária no governo do estado é visto por alguns parlamentares como algo que pode fazê-los perder votos nesta eleição. Dez deputados estaduais disputarão diferentes prefeituras, sendo dois deles na capital paulista.
4. Os pontos que uniram os diferentes
Reunir em um mesmo projeto de lei medidas de naturezas tão diferentes, como aumento de impostos e extinção de estatais, e com variados impactos orçamentários, uniu bancadas que não costumam votar de forma alinhada.
Deputados do Novo atacaram, durante essa semana, a redução de benefícios fiscais, entendida como uma alta da carga tributária. Para os petistas, a extinção das estatais, como a CDHU, por criar unidades de moradia para a população de baixa renda, foi um fator que contou na obstrução.
Já a ala bolsonarista do PSL integra a oposição mais radical a João Doria dentro da Alesp: um grupo ativo nas redes sociais, que já propôs vários pedidos de impeachment contra o governador.
Na votação desta semana, dos 14 deputados do PSL, 11 obstruíram a votação; todos os dez parlamentares do PT se utilizaram da mesma manobra.
5. Não mexer em pontos polêmicos
Relator especial do projeto de lei e integrante da base do governo, o deputado Alex de Madureira (PSD) acredita que mexer em algum ponto polêmico do texto, como a retirada dos superávits financeiros da Fapesp e das universidades, pode contribuir para a aprovação da matéria na próxima semana.
“Se houver algum ponto do texto que o governo esteja disposto a modificar, acho que isso pode ser uma estratégia. Um ponto mais consensual, como o superávit dessas instituições, pode agregar mais pessoas favoráveis ao projeto”, diz Madureira.
“Se houver algum ponto do texto que o governo esteja disposto a modificar, acho que isso pode ser uma estratégia. Um ponto mais consensual, como o superávit dessas instituições, pode agregar mais pessoas favoráveis ao projeto”, diz Madureira.
Desde que esse projeto de lei chegou à Alesp, deputados da base tentaram, nos bastidores, articular a retirada de alguns desses pontos polêmicos. A ideia desse grupo era focar na redução de benefícios fiscais, o que, na avaliação deles, atrairia até mesmo o PT, bancada historicamente contrária a essas renúncias.
A expectativa é que a discussão do projeto seja retomada em uma sessão extraordinária na próxima segunda-feira (5) e que a votação em plenário ocorra até quarta-feira (7). Entre os deputados, a expectativa da base aliada de Doria é que o projeto de lei seja aprovado por uma pequena margem de votos favoráveis.
Na oposição, a estratégia seguirá sendo obstruir. Esses parlamentares comparam a hipótese de o projeto ser definitivamente barrado com a vitória, em 2005, do então deputado Rodrigo Garcia, à época no PFL, para a presidência da Casa, contra Edson Aparecido, do PSDB, por 48 a 46 votos. Garcia é hoje vice-governador e principal articulador político de Doria para a aprovação do texto.