No mesmo dia em que sancionou a Lei Orçamentária de 2017 para o estado de São Paulo, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) vetou um projeto de lei alegando, entre outras razões, estar a proposta em desacordo com a Constituição estadual. No entanto, ao sancionar a LO — que se tornou a lei 16.347, de 29 de dezembro de 2016 —, o chefe do Executivo paulista violou a Carta estadual ao deixar de vetar uma alteração feita pelos deputados estaduais que desrespeitou o seguinte dispositivo.
"Artigo 271 – O Estado destinará o mínimo de um por cento de sua receita tributária à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, como renda de sua privativa administração, para aplicação em desenvolvimento científico e tecnológico.
Parágrafo único – A dotação fixada no “caput”, excluída a parcela de transferência aos Municípios, de acordo com o artigo 158, IV da Constituição Federal, será transferida mensalmente, devendo o percentual ser calculado sobre a arrecadação do mês de referência e ser pago no mês subseqüente."
O valor calculado a partir da receita tributária prevista para 2017 e especificado originalmente no Projeto de Lei Orçamentária encaminhado por Alckmin à Assembleia Legislativa era de exatos R$ 1.116.897.697. Na noite do dia 21 de dezembro, 55 dos 66 deputados estaduais votaram a favor da redução do valor para R$ R$ 996.897.697, proposto na nova redação (pág. 307) elaborada pelo relator Edson Giriboni (PV), da Comissão de Finanças, Orçamento e Planejamento, aprovada pelas lideranças partidárias, exceto as do PSOL, PT e PV. Encaminhado ao governador, o texto foi sancionado e convertido em lei com o valor reduzido em R$ 120 milhões (pág. 307), como mostra o quadro a seguir.
Protestos
Na terça-feira, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) encaminharam carta conjunta a Alckmin na qual apontaram o não cumprimento da Constituição estadual e solicitaram a correção da lei, restituindo à Fapesp sua dotação orçamentária. No documento, o físico Luiz Davidovich e a bioquímica Helena Nader, respectivamente presidentes da ABC e da SBPC, concluíram enfatizando a seguinte afirmação.
"Assim, não teremos um precedente de rompimento do compromisso do Governo de São Paulo com o desenvolvimento Científico e Tecnológico e garantimos a continuidade do histórico sucesso de um dos sistemas de C&T&I mais bem-sucedidos do País."
Ontem, sexta-feira (13), foi a vez da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp) advertir Alckmin por meio da nota “Desrespeito à Constituição Estadual pode prejudicar seriamente a Fapesp”, na qual enfatizou a “necessidade de imediata alteração da LOA 2017 para a manutenção do repasse de 1%”, que “vem sendo respeitado por todas as gestões anteriores”. Do texto, assinado pelo presidente Marcos Buckeridge, pela vice-presidente Vanderlan Bolzani e pela diretor-executivo Hamilton Varel, vale ressaltar também o seguinte trecho.
"Lembramos ainda que o Estado de São Paulo se destaca como um exemplo para o Brasil, pois os repasses feitos com respeito à lei estadual têm mostrado que a FAPESP deveria ser emulada em outros estados da união, de forma a assegurar o desenvolvimento do país.
Assim, o desrespeito à Constituição Estadual que se vê na LOA 2017 é extremamente grave e imputaria uma ruptura histórica e sem precedentes no desenvolvimento paulista."
‘Entendimento do Legislativo’
Os R$ 120 milhões foram remanejados para a dotação orçamentária da Secretaria do Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (SDECTI), especificamente para o programa Inovação para a Competitividade, sob a alegação de investir esse valor na “modernização” de 19 institutos de pesquisa, entre eles o Butantan, Adolfo Lutz, Pasteur, Biológico, Geológico, Florestal e Agronômico de Campinas.
Esses institutos vivem em decadência permanente há mais de duas décadas por falta de recursos do governo, como mostrou, por exemplo, uma reportagem especial de janeiro de 2014 do jornalista Herton Escobar, do Estadão.
Em resposta para a reportagem “Deputados tiram R$ 120 milhões da Fapesp”, também do citado jornalista, a Liderança do Governo na Assembleia Legislativa encaminhou nota com a errônea afirmação de que “a receita orçamentária a ser considerada é de aproximadamente R$ 111 bilhões” e que “o repasse feito pelo Estado será de R$ 1,2 bilhão, portanto, está acima do previsto na Constituição”. Como bem observou o repórter, o orçamento total de cerca de R$ 1,2 bilhão inclui recursos próprios da Fapesp e valores vinculados federais.
Por sua vez, a SDECTI, em nota também para o Estadão, limitou-se a afirmar que a alteração da dotação da Fapesp “foi um entendimento do Legislativo”.
Acredite se puder
A afirmação lacônica da SDECTI ao jornalista do Estadão exige muita credulidade para ser aceita como uma resposta sincera. Certamente houve um “entendimento do Legislativo”, mas até as pedras sabem que jamais a Liderança do Governo apresentaria ou endossaria uma alteração da proposta original do Executivo sem uma prévia consulta ao Palácio dos Bandeirantes.
Aliás, não faltam antecedentes de operações articuladas entre o governo estadual e sua ampla base parlamentar, como a lei do Programa de Regularização Ambiental, que está suspensa pela Justiça em resposta a ação direta de inconstitucionalidade do Ministério Público estadual.
Na verdade, já está claro há muito tempo que Alckmin e seu vice Marcio França (PSB), que também é secretário da SDECTI, não se sentem à vontade com a autonomia da Fapesp para gerir seu orçamento. Este blog já comentou no no passado os lances desastrados das tentativas de ingerência na fundação por parte da dupla do topo do Executivo estadual ( “Nota sóbria da Fapesp não ameniza repercussão negativa da fala de Alckmin”, de 29/abr, e “Ideia da função de cientista-chefe emperra no governo Alckmin”, de 11/jul).
Eleições 2018
No final das contas, o desvio dos R$ 120 milhões para a pasta comandada por França não passa de uma tentativa para que o PSDB, após mais de 20 anos no poder em São Paulo, não chegue às eleições e 2018 sem nenhum realizado investimento significativo para reverter o sucateamento dos 19 institutos de pesquisa de outras pastas, entre elas as da das da Saúde, Meio Ambiente e Agricultura e Abastecimento.
Se esse desvio não for revertido, seja por uma alteração na lei por iniciativa do governo ou por força de uma ação direta de inconstitucionalidade, as ações a serem realizadas sob o rótulo “Inovação para a Competitividade” acabarão dependendo de repasses do orçamento sob a gestão de França para outras secretarias, proporcionando eventos e outras ações de divulgação.
Nada mau para uma secretaria que nos últimos anos tem servido como trampolim de políticos, como já assinalou este blog (“O canal entupido de Alckmin com a ciência”, de 27/abr). Ainda mais sendo o titular da SDECTI e vice-governador cotado como possível candidato de Alckmin ao governo estadual em 2018.
Em tempo: para saber quem são os 55 deputados estaduais que foram favoráveis ao desvio dos R$ 120 da Fapesp para a SDECTI, confira o placar da votação.