Desde 2002, a dengue do tipo 3 quase não aparecia em Pernambuco. Em 2023, voltou timidamente, com a identificação de quatro casos no Estado, subindo para 17 casos no ano seguinte. Já nos sete primeiros meses deste ano, houve um salto, com a identificação de mais 150 casos. Em uma população majoritariamente com anticorpos contra os sorotipos 1 e 2 da dengue, a presença de casos da dengue 3 gera um alerta: a segunda infecção pelo vírus da dengue, seja por qual sorotipo for, costuma ser mais grave, gerando mais hospitalizações e mortes.
No Brasil, é comum que os sorotipos 1 e 2 se revezam ao longo dos anos. Os sintomas de todos os sorotipos são parecidos dor no corpo, febre alta, dor de cabeça e atrás dos olhos, mal estar, manchas vermelhas pelo corpo. De acordo com o Ministério da Saúde, a dengue 3 é considerada um dos sorotipos mais virulentos do vírus da dengue, ou seja, tem maior potencial de causar formas graves da doença. Há também a ameaça de uma alta de casos, já que a maioria da população não tem anticorpos contra o sorotipo 3.
Mas Pernambuco pode ter dado sorte. Isso porque a maioria dos casos de dengue 3 foi identificado já no final da sazonalidade da doença por aqui, que vai de março a julho. Há uma inversão na tendência de queda ao final da sazonalidade, mas não um aumento de casos que, no geral, está 61% menor que no ano passado, de acordo com o último boletim epidemiológico das arboviroses em Pernambuco.
O que são sorotipos da dengue?
Sorotipos são variações do vírus que, embora pertençam à mesma espécie, possuem diferenças em sua composição. No caso da dengue, os quatro sorotipos (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4) são suficientemente distintos para que uma infecção por um deles não ofereça imunidade contra os outros.
Isso significa que uma pessoa pode ser infectada até quatro vezes durante a vida, uma por cada sorotipo. Além disso, infecções subsequentes por diferentes sorotipos aumentam o risco de formas mais graves da doença.
A infecção por determinado sorotipo tem efeito protetor permanente contra aquele sorotipo especifico e efeito protetor temporário contra os outros sorotipos.
Fonte: Ministério da Saúde
Os casos de dengue 3 se concentram na Região Metropolitana do Recife e na Zona da Mata. De acordo com o diretor de Vigilância Ambiental da Secretaria Estadual de Saúde, Eduardo Bezerra, o clima contribui para segurar uma provável epidemia de dengue 3. Foi um inverno atípico, com temperaturas mais baixas em geral, o que dificulta a reprodução do mosquito Aedes aegypti , disse.
Outro fator é que não tivemos fenômenos climáticos como o La Niña e El Niño, o que também contribuiu para a diminuição de casos de dengue neste ano. Apesar do aumento de casos de dengue 3, não houve um crescimento exponencial ou explosivo no número total de casos neste ano, o que leva a uma expectativa de que não se atinja um quadro mais grave devido às condições climáticas favoráveis. Eu, particularmente, acho que não vamos ter um crescimento de casos neste ano.
O Aedes aegypti é um mosquito que gosta de calor mas não muito. A reprodução dele é mais eficaz em temperaturas de 25 a 30 graus, enquanto que a transmissão da dengue pode ocorrer entre 17 e 34 graus, sendo mais eficaz aos 29º. Com um inverno mais frio, tanto a reprodução quanto a transmissão foram afetadas. Em regiões como Garanhuns e Salgueiro houve diminuição da proliferação do mosquito. No entanto, na região metropolitana, essa baixa de temperatura pode não ser suficiente para afetar a capacidade de reprodução do mosquito. A expectativa é que o final do período de chuvas e a entrada em um período mais quente e com menos chuva ajudem a evitar uma explosão de casos, diz Eduardo.
Ainda que as temperaturas aumentem nas próximas semanas, com o fim das chuvas, a tendência é que a água parada diminua, fazendo com que o mosquito perca seu local de reprodução.
Casos de dengue diminuíram 60,1% em relação ao ano passado
O mais recente Boletim Epidemiológico de Arboviroses da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES-PE), divulgou nesta quarta-feira (20), com dados das semanas epidemiológicas de 29/12/2024 a 16/08/2025, aponta 28.503 casos notificados de dengue, representando uma diminuição de 60,1% em comparação ao mesmo período do ano anterior no estado.
Foram confirmados 6.818 casos de dengue em Pernambuco, incluindo 147 casos graves e 5 óbitos confirmados. O Boletim 33 revela que 114 municípios pernambucanos têm baixa incidência de casos de dengue, 43 localidades apresentam incidência média e 20 apresentam alta incidência.
O boletim também traz 4.509 casos notificados de Chikungunya, com 676 confirmações. Para o Zika, houve 958 casos notificados, porém sem confirmações. Pernambuco também registra 183 casos de Febre do Oropouche desde maio de 2024, com 7 casos confirmados em 2025.
Vacina brasileira contra a dengue pode mudar cenário
Em dezembro de 2023, o Sistema Único de Saúde (SUS) incorporou a vacina Qdenga, do laboratório japonês Takeda. Mas, com poucas doses disponíveis, o público foi limitado. Hoje, só pessoas entre 10 e 14 anos podem receber a vacina pelo SUS, que é em duas doses. De acordo com Eduardo Bezerra, ainda não há mudanças epidemiológicas desde a adoção da vacina. Além de ser uma faixa etária restrita, há poucas doses e baixa adesão da população.
Embora cerca de 90 mil crianças tenham recebido a primeira dose em Pernambuco, apenas 35 mil retornaram para a segunda dose. A segunda dose é considerada muito importante para fixar e manter a imunidade, afirmou Bezerra.
A Qdenga também não tem doses suficientes para ser distribuída em todo o estado, apenas nas regionais do Grande Recife, de Garanhuns (Agreste) e Salgueiro (Sertão). É mais eficaz contra os sorotipos 1 e 2, os prevalentes no Brasil. Apesar de ter uma eficácia de 47% contra a dengue tipo 3, esse percentual é considerado muito bom no contexto da farmacologia e da imunologia, e não deve ser interpretado com a mesma lógica de cálculos gerais, acrescenta o diretor de vigilância ambiental de Pernambuco.
A Qdenga é encontrada também na rede privada, com cada dose custando cerca de R$ 570. O intervalo entre as duas doses é de três meses.
O que pode realmente ter impacto no controle da dengue é uma vacina em dose única e amplamente oferecida à população. Desde o começo deste ano a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) analisa a vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan a partir de um protótipo do Instituto Nacional de Saúde (NIH) dos Estados Unidos. Em dose única, a possível vacina é vista como a principal promessa para uma imunização ampla da população.
A expectativa do Butantan era de que a vacina fosse aprovada ainda neste ano. Em nota à Marco Zero, a Anvisa afirmou que recebeu, no dia 6 de fevereiro deste ano, o pedido de registro da vacina. A partir desse pedido, a avaliação teve início, sendo que, em 14 de fevereiro, a Agência enviou à equipe do laboratório uma exigência técnica, solicitando informações e dados complementares necessários para o prosseguimento da análise, informou a nota.
A resposta ao primeiro pedido foi dada pelo Butantan em 7 de março. Uma nova exigência técnica foi feita pela Anvisa em 22 de maio e atendida pelo laboratório em 13 de junho. Esse tipo de solicitação ocorre quando a Anvisa identifica alguma lacuna de informação nos dados e estudos apresentados, exigindo explicações ou dados complementares. Trata-se de uma dinâmica comum na análise de vacinas e medicamentos, e as equipes da Agência e do Butantan mantêm um canal constante de comunicação, diz a nota.
A nota da Anvisa também informa que no dia 31 de julho foi realizado um painel com consultores externos para discussão dos dados da vacina apresentados pelo Butantan. A próxima etapa será discutir com o Instituto Butantan sobre os encaminhamentos necessários para o prosseguimento do processo de registro, com vistas à formalização do termo de compromisso, necessário para a conclusão da análise técnica, diz a nota, que concluiu afirmando que a Anvisa está comprometida com a avaliação da eficácia e da segurança da vacina, de forma que sua análise ocorra no menor tempo possível.
A prevenção contra a dengue
Embora medidas amplas como saneamento básico universal e limpeza urbana sejam as medidas realmente efetivas, é possível fazer alguma diminuição individual de riscos. Evitar o acúmulo de água é o principal deles.
Os cuidados essenciais são:
– manter caixas dágua limpas e vedadas;
– fechar bem sacos de lixo e lixeiras;
– dispensar o uso ou preencher com areia os pratinhos de plantas;
– manter as calhas limpas e livres para o total escoamento da chuva;
– esfregar o fundo e as laterais dos potes de água oferecidos a animais;
– manter em dia a manutenção de piscinas.
A fim de reforçar os cuidados, vale instalar telas nas janelas e portas, e mosquiteiros em cima de camas e berços. Também é recomendado aplicar repelente na parte da pele exposta e por cima da própria roupa.
Fonte: Instituto Butantan
Em nota à MZ, o Butantan afirmou que os ensaios clínicos do imunizante foram encerrados em junho do ano passado, quando o último participante completou 5 anos de acompanhamento. Os dados de segurança e eficácia divulgados da vacina mostram 79,6% de eficácia geral para prevenir casos de dengue sintomática. Resultados da fase 3 do ensaio clínico publicados na The Lancet Infectious Diseases mostraram, ainda, uma proteção de 89% contra dengue grave e dengue com sinais de alarme, além de eficácia e segurança prolongadas por até cinco anos, diz a nota.
Em caso de aprovação pela Anvisa, o Instituto Butantan poderá disponibilizar cerca de 100 milhões de doses ao Ministério da Saúde nos próximos três anos. De acordo com o órgão, um milhão de doses da vacina poderão ser entregues já em 2025, em caso de aprovação. As outras cerca de 100 milhões de doses poderão ser entregues nos anos de 2026 e 2027. A definição dos critérios de vacinação da população deverá ser feita pelo Ministério da Saúde, por meio do PNI (Programa Nacional de Imunizações), diz a nota.
Enquanto a vacinação ampla não chega, a prevenção, ainda que difícil, segue sendo a saída. A composição urbana atual das cidades e as mudanças climáticas tornam a prevenção ainda mais desafiadora hoje em dia, afirma Bezerra, que alerta que a dengue não é uma doença que deve ser subestimada. É preciso estar muito atento aos sintomas, já que a dengue pode se agravar e pode levar ao óbito num período muito curto. Não se deve demorar para procurar assistência médica, ressalta Eduardo Bezerra.