Estudos científicos e inteligência artificial são ferramentas para enfrentar a maior epidemia causada pelo mosquito Aedes aegypti da história do Brasil
No momento em que diversas regiões do Brasil registram a maior epidemia de dengue da história e as autoridades têm dificuldade em combater a transmissão da doença, a inteligência artificial, a ciência e a pesquisa têm sido aliadas nessa guerra. Startups, empresas de tecnologia e órgãos públicos desenvolvem soluções inovadoras para enfrentar o problema. Dados do Painel de Monitoramento de Arboviroses do Ministério da Saúde aponta que a doença, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, já matou mais de 2 mil brasileiros
● Uma das tecnologias foi conduzida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) , com financiamento do Ministério da Saúde : o método Wolbachia , nome dado a uma bactéria que impede o desenvolvimento do vírus da dengue e de outras arboviroses, como zika, chikungunya e febre amarela.
De acordo com a Pasta, a estratégia consiste na liberação de Aedes aegypti com a bactéria Wolbachia para reprodução dos mosquitos locais estabelecendo, aos poucos, uma nova população do inseto.
Os Wolbitos, como são chamados pelos pesquisadores, não são transgênicos e não transmitem doenças. Estudos clínicos estão sendo realizados para comprovar a eficácia do método. A aplicação da tecnologia em Niterói (RJ) mostrou a redução de 69,4% dos casos de dengue, 56,3% nos casos de chikungunya e 37% nos casos de zika.
Na última semana de abril, foram concluídas as obras de uma biofábrica, em Gameleira, região oeste de Belo Horizonte (MG), destinada à reprodução de mosquitos Aedes aegypti com Wolbachia. Com uma área construída de 1.125 metros quadrados, a estrutura tem estimativa de produção semanal na casa de 2 milhões de mosquitos. A previsão é que a biofábrica inicie operação em 2025.
● Outra estratégia para acabar com a dengue é combater as larvas do Aedes aegypt A BR3 Agrobiotecnologia , startup incubada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), da Universidade de São Paulo (USP) , produz e comercializa o larvicida DengueTech, em forma de pastilhas.
A tecnologia, desenvolvida pela Fiocruz, é formulada a partir de bioinseticidas à base de uma bactéria natural, a bacillus thuringiensis israelenses, que não oferece perigo aos seres humanos e animais . De acordo com a USP, o biolarvicida mata a larva do mosquito em poucas horas, preservando seu efeito por até 60 dias.
ESPORTE E SAÚDE
● Com foco na saúde de quem pratica esportes, a marca australiana Speedo lançou em março uma camiseta que repele insetos, incluindo o Aedes aegypt: a Repeel . De acordo com Roberto Jalonetsky, CEO da marca no Brasil , a peça é feita de poliamida — tecido termoplástico utilizado em roupas para academia — e conta uma camada adicional de proteção contra insetos
A tecnologia, chamada Insecta EC50, foi desenvolvida na Bélgica “Os cientistas identificaram que o piretro, um composto químico natural encontrado nas flores de crisântemo, é capaz de repelir os insetos. Com essa descoberta, desenvolveram um composto sintético chamado permetrina. No tecido, a permetrina mantém os insetos a, pelo menos, 20 centímetros de distância” , explicou Jalonetsky, CEO da Speedo.
A Repeel suporta até 100 lavagens, não possui odores e não agride o meio ambiente, assegura a Speedo. Além disso, possui proteção UV50 contra raios ultravioletas. “Foi o momento certo para atendermos uma necessidade da população. Quando o repelente deixar de fazer efeito, a camiseta poderá ser utilizada normalmente como uma peça tradicional” , afirmou o CEO da marca no Brasil.
● Outra tecnologia adaptada para a necessidade dos consumidores foi a SyOS , que desenvolveu uma solução para gestão da cadeia de produtos frios. Com a crescente demanda de vacinas desde a Covid-19, a startup criou um braço dentro do setor farmacêutico para a administração da temperatura de vacinas durante a cadeia logística.
Com inteligência artificial e internet das coisas (IoT) , a startup promete ter mais rigor para cumprir as normas da vigilância sanitária. A vacina da dengue, por exemplo, deve ser mantida entre 2 e 8 graus Celsius. “Ter alguém anotando três vezes por dia a temperatura das vacinas não faz mais sentido. Com uma combinação de sensores nos caminhões, no centro de distribuição e nos laboratórios, a tecnologia manda todas as informações para a internet e a inteligência artificial identifica e envia notificações sobre como essas variações estão afetando o produto” , detalhou Paulo Lerner, CEO da startup
● A inteligência artificial também está presente na solução da startup paranaense Mapzer , que utiliza a tecnologia para localizar potenciais criadouros do Aedes aegypti em áreas urbanas. Com carros adaptados com câmeras , como os que o Google utiliza para mapear as ruas, a empresa faz reconhecimento por foto e vídeo, em tempo real, de lixos em locais irregulares, buracos, entulhos, falta de sinalização e água parada . Fundada em 2022, a empresa localizou mais de 1 milhão de potenciais focos de dengue em 23 municípios do País.
Segundo Paulo Machado, diretor executivo da Mapzer , os dados são enviados a um sistema que gera ordens de serviço para departamentos públicos capazes resolver os problemas identificados. Segundo a empresa, a cobertura é de 100% em área urbana, mas os prazos para avaliação e mapeamento variam de acordo com as características de cada região. “A gente registrou um crescimento de 60% no faturamento em 2023 e temos uma expectativa de expansão de 80% neste ano” , avaliou Machado.
Vacina nacional deve chegar em 2025
A vacina da dengue distribuída atualmente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é a QDenga , fabricada pela farmacêutica japonesa Takeda . O imunizante recebeu o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em março de 2023 e foi incorporado ao sistema público em dezembro. Administrada em duas doses, com intervalo de três meses, a QDenga tem eficácia de 60% a 80% contra infecção e de 85% a 90% contra formas graves da doença.
Mas com o aumento de casos da dengue no início deste ano , as doses da vacina praticamente sumiram de clínicas e hospitais, restando ao SUS destiná-las aos grupos prioritários.
Uma solução está prestes a vir do Brasil
• O Instituto Butantan , em São Paulo, chegou à reta final dos estudos da Butantan-DV, vacina tetravalente de dose única produzida no Brasil, composta pelos quatro sorotipos do vírus: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4.
• Como a Qdenga, o imunizante nacional é produzido a partir da tecnologia de vírus atenuado, que induz uma proteção duradoura tanto de anticorpos como de resposta celular.
As expectativas são otimistas . Testes clínicos concluíram que a vacina de dose única contra a dengue produzida pelo Instituto Butantan tem eficácia de 79,6% em participantes sem evidência de exposição prévia à doença e de 89,2% entre aqueles com histórico de exposição. A expectativa é que a vacina chegue à população em 2025.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) liberou R$ 45,4 milhões para que o Butantan realize os testes necessários para que a nova vacina seja submetida à Anvisa em dezembro de 2024.