Essa não é uma tarefa deste ou daquele governo; é uma questão de segurança sanitária nacional e deve ser colocada entre as questões de Estado para o nosso país
Há um ano, escrevi um artigo falando sobre a possível epidemia de dengue para o ano de 2024 que se iniciava. Diga-se de passagem, que há 44 anos, a dengue voltou a aparecer como epidemia quase anualmente no Brasil, se agravando cada vez mais. Nos últimos três anos, passou a ser um dos principais problemas de saúde pública do país. As políticas de combate a essa arbovirose têm sido, com pequenas diferenças, as mesmas.
Terminamos o ano passado com mais de 6 milhões de casos notificados e mais de 6 mil pessoas mortas por dengue. A Covid-19 matou menos, com 5.959 óbitos. Se computarmos os dramas das famílias que perderam seus entes queridos, os prejuízos ao país devido ao afastamento do trabalho, os custos do tratamento de saúde e o sofrimento das pessoas que contraíram a doença, podemos caracterizar, sem exagero, a dengue como uma tragédia nacional. Infelizmente, os órgãos competentes, a começar pelo Ministério da Saúde, vêm tratando a dengue de forma, se não displicente, como mais uma questão a ser resolvida. Resume-se ao fumacê — aquele carro que, desde 1980, dispersa inseticida no ar para matar o Aedes aegypti, e que já se sabe ter um baixo resultado; milhares de agentes de saúde visitando algumas residências à procura de larvas do mosquito e orientando a população a não acumular água em caqueiros de plantas e a lavar suas caixas d'água; e a propaganda para mobilizar o povo a combater o mosquito. Para nos ajudar, temos agora, para combater o mosquito, o Aedes aegypti transgênico, no qual o macho é mais forte e, ao copular com as fêmeas, gera ovos inviáveis, e a bactéria Wolbachia, que infecta o Aedes.
Quanto às vacinas, temos duas tetravalentes: a Dengvaxia, que só pode ser usada em pessoas que já tiveram dengue, e a Qdenga, do laboratório Takeda, desenvolvida nos anos 90. Moderna, ela combina o vírus atenuado com o método do DNA recombinante, utilizando engenharia genética para torná-la tetravalente, e foi aprovada pela ANVISA, com atraso, somente em 2023. É verdade que o Brasil foi o primeiro país a introduzir a vacina Qdenga no sistema público, mas também é verdade que, infelizmente, nosso país foi responsável por 80% de todos os casos de dengue do mundo em 2024 e comprou vacina apenas para uma pequena quantidade de pessoas, atendendo apenas às crianças de 10 a 14 anos, público-alvo definido pelo Ministério da Saúde.
Tomando como base a experiência brasileira e o sucesso e agilidade que São Paulo teve, merece citação o acerto do ex-governador João Dória com o acordo entre o Butantan e a Sinovac Biotech, para, em tempo recorde, produzir a CoronaVac no Brasil. Essa vacina, somada às demais compradas pelo Ministério da Saúde, foi um dos principais instrumentos para combater o coronavírus e acabar com a pandemia, mesmo diante de um movimento retrógrado contra as vacinas — mas isso é assunto para outro artigo. Outra experiência de sucesso nacional é o controle da febre amarela, que tem na vacina contra o flavivírus a segurança sanitária para impedir que essa arbovirose evolua para uma epidemia. O esperado para 2024, após a epidemia de dengue de 2023, seria que o Ministério da Saúde constituísse um comitê nacional para tomar medidas efetivas para evitar uma epidemia em 2025 ou um número expressivo de mortes.
O combate a uma arbovirose requer medidas de saúde pública em três frentes: vacinas (quando existir para o determinado vírus), combate ao vetor e informação e mobilização da população. No caso da dengue, as medidas mais urgentes e necessárias seriam: acelerar os testes, aprovação e produção em larga escala da nova vacina contra a dengue em estudo no Butantan; construir um acordo com a empresa Takeda para aumentar significativamente a produção das doses da vacina Qdenga, de preferência produzi-la na Fiocruz com transferência de tecnologia; comprar doses da Dengvaxia, apesar das dificuldades dessa vacina, suficientes para imunizar todas as pessoas que já contraíram a dengue; e, para combater o Aedes aegypti, uma combinação de algumas ações: identificar, através de armadilhas, onde estão os machos do mosquito e usar, nessas áreas, o Aedes transgênico ou a bactéria Wolbachia, com o objetivo de reduzir drasticamente a população desse vetor; a ação com a população, em primeiro lugar, e a conscientização para vacinação, mesmo que o programa atual para Qdenga esteja abaixo da meta definida pelo Ministério da Saúde; e, ao lado dos esclarecimentos sobre a dengue e da importância de a população cuidar para não acumular água que possa virar criadouro do mosquito — este último item vem sendo feito com relativo sucesso.
É sabido que a Ministra da Saúde reuniu-se com o Butantan e a Fiocruz, porém, trata-se aqui dos resultados, e não das reuniões. O Brasil precisa ampliar o número de pessoas imunizadas, sob pena de termos resultados graves neste ano. Boa parte das pessoas que contraíram dengue em 2024 foram infectadas pelo vírus sorotipo DENV-1 ou DENV-2, os mais comuns, que circulavam em todo o país à época. Hoje (dados de 20/01/24), já tivemos mais de 93 mil novos casos de dengue e 11 mortes confirmadas, além de 104 mortes em investigação, segundo o Ministério da Saúde. O problema, além da perda irreparável das vítimas da dengue, é que agora temos circulando no Sudeste o DENV-3, e ainda não confirmado, podemos ter o DENV-4.
Como sabemos, o vírus da dengue é originário de um tipo de vírus que infectava macacos, que passou para os humanos e, com o tempo, se diferenciou em 4 sorotipos de dengue: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. Já existem estudos sobre outros sorotipos, que não são cepas ou pequenas diferenças. Ao indivíduo ser contaminado por um sorotipo, ele não adquire imunidade para os outros sorotipos. O vírus tem predileção por células de defesa e, ao penetrar na corrente sanguínea, se liga a um anticorpo anti-DENV. Se esse vírus for de um sorotipo diferente da infecção anterior, não será eliminado e terá sua entrada facilitada na célula de defesa. Simplifiquei a situação para melhor entendimento das pessoas que não são da área. Esse vírus de outro sorotipo, então, se reproduz com maior velocidade e maior virulência, o que faz com que a segunda infecção, em geral, seja mais grave do que a primeira.
Conclusão: mesmo que a previsão para 2025 não seja de uma epidemia na dimensão do que foi em 2024, o número de mortes pode ser maior. O quadro é grave e requer medidas mais consistentes do que as anunciadas. Veja a publicação do Ministério da Saúde de 13/01/25, apenas duas semanas depois do início do ano: "Desde 2023, o Ministério da Saúde está em constante monitoramento e alerta quanto ao cenário epidemiológico no país, coordenando uma série de ações para o controle das arboviroses em todo o território nacional. Foi reservado o montante de R$ 1,5 bilhão para fortalecer as ações."
Cenário epidemiológico nas regiões visitadas:
São Paulo registrou 2.181.372 casos prováveis de dengue em 2024. Em 2025, foram notificados 7.3 mil casos até o momento. Em São José do Rio Preto, foram 35.678 notificações em 2024 e 1.834 casos prováveis de dengue até o momento em 2025;
O Paraná registrou 655.488 casos prováveis de dengue em 2024. Em 2025, foram notificados 1.327 casos até o momento. Em Foz do Iguaçu, foram 15.611 notificações em 2024 e 91 casos prováveis de dengue até o momento em 2025;
O Acre registrou 7.409 casos prováveis de dengue em 2024. Em 2025, foram notificados 412 casos até o momento. Em Rio Branco, foram 1.579 notificações em 2024 e 212 casos prováveis de dengue até o momento em 2025;
O Espírito Santo registrou 163 mil casos prováveis de dengue em 2024. Em 2025, foram notificados 3.778 casos até o momento. Em Vitória, foram 18.598 notificações em 2024 e 247 casos prováveis de dengue até o momento em 2025.
A situação é grave, mas acredito que ainda temos tempo para acelerar as medidas vacinais contra o vírus e o combate ao vetor. O Ministério da Saúde baseia suas ações na visão de que os focos da dengue estão dentro das casas. Acho que essas pesquisas precisam ser melhor avaliadas. Os machos do Aedes voam em média 25 metros, as fêmeas voam de 100 a 300 metros, mas existem pesquisas que mostram voos de fêmeas de até 11 km e que elas não precisam de água limpa parada para pôr seus 100 a 200 ovos por postura. Até voando, elas soltam os ovos. Imagine as cidades brasileiras nos períodos de verão e de muita chuva, quantas aguadas em quintais e sarjetas o Aedes aegypti, o "odioso do Egito", tem à disposição para desovar? Mobilizar o velho fumacê da década de 80 do século passado e dezenas de milhares de agentes de saúde para visitar casas, além de ser caro, é, como se diz na linguagem popular, "enxugar gelo"... e tem sido. As pessoas que já tiveram uma exposição à dengue estão expostas, pois as vacinas disponíveis na rede privada são caras e a distribuição na rede pública é limitada, sendo destinada apenas para algumas crianças. Os repelentes são caros, e não adianta mandar o povo usar manga longa neste calor, pois o Aedes consegue picar até por sobre a calça jeans. A cada ano, a situação piora.
O Aedes aegypti é o vetor de várias arboviroses, além da dengue, como a chikungunya e a zika, para as quais não existe vacina. Portanto, esse mosquito, que veio da África no período colonial, precisa ser erradicado no Brasil. Ele foi quase erradicado na segunda metade dos anos 50 do século passado, através de fogo e métodos químicos e bioquímicos, que não são mais possíveis de ser utilizados devido aos danos ambientais. No entanto, precisamos definir um caminho para o Brasil se livrar desse mosquito. Essa não é uma tarefa deste ou daquele governo; é uma questão de segurança sanitária nacional e deve ser colocada entre as questões de Estado para o nosso país.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.