Agência FAPESP – Nas regiões norte e sul da zona metropolitana de São Paulo, onde há fragmentos de Mata Atlântica, é possível encontrar uma espécie de carrapato, denominada Amblyomma aureolatum – conhecida como carrapato amarelo do cão –, que é um dos transmissores da febre maculosa (ou “febre do carrapato”).
Entretanto, enquanto a região sul – compreendida pelos municípios de Diadema, São Bernardo e Santo André – registra desde os anos 1920 um grande número de casos da doença, na região norte – composta pela Serra da Cantareira e os municípios de Mairiporã, Arujá e Nazaré Paulista – não há notificação da zoonose.
Um estudo realizado por pesquisadores da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Superintendência de Controle de Endemias (Sucen) da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, identificou uma hipótese para explicar a diferença no número de casos da doença entre as duas regiões da cidade.
Os pesquisadores observaram que a ocorrência da febre maculosa está relacionada ao estado de conservação dos fragmentos florestais nas quais está o carrapato transmissor.
As áreas nas quais os fragmentos florestais estão mais conservados e apresentam maior diversidade de espécies de animais, como as da região norte de São Paulo, não apresentam casos da doença. Já em áreas onde a vegetação foi destruída e poucas espécies de animais permaneceram, como na região sul da cidade, há maior incidência de febre maculosa.
Os resultados do estudo, realizado com apoio da FAPESP, foram publicados no início de maio no periódicoParasitology e irão nortear o controle da febre maculosa na região metropolitana de São Paulo.
“Comparamos a diversidade de animais entre as duas regiões da zona metropolitana de São Paulo e observamos que na região norte, onde não há casos da doença, as áreas de vegetação são mais bem preservadas e apresentam maior diversidade de animais, enquanto nos municípios da região sul há áreas muito pobres em espécies de animais. Isso pode ser um fator de prevalência da doença”, disse Maria Halina Ogrzewalska, autora da pesquisa, à Agência FAPESP.
De acordo com a pesquisadora polonesa, que realizou o projeto com Bolsa de Pós-Doutorado da FAPESP , em fragmentos florestais bem preservados e com grande diversidade de espécies, o carrapato Amblyomma aureolatum parasita diferentes tipos de animais silvestres, como esquilos, aves e ratos, cuja habilidade de transmitir a bactéria Rickettsia rickettsi varia.
Já nos fragmentos florestais mais degradados, onde boa parte dos animais desapareceu por consequência da destruição ambiental, os pesquisadores suspeitam que há uma chance maior de o carrapato parasitar espécies generalistas, que podem ser justamente os animais com maior capacidade de infectá-los com a bactéria causadora da febre maculosa.
“A maior diversidade de espécies de animais silvestres de uma região diminui a possibilidade de o carrapato se infectar com um patógeno, porque ele tem maior chance de se alimentar de um animal com baixa capacidade de amplificar a bactéria, o que resulta em menores taxas de infecção entre os carrapatos na região. Isso pode ser um dos fatores pelos quais em regiões de mata bem preservada não há registros de casos de febre maculosa”, apontou Ogrzewalska.
A doença é transmitida para os humanos por meio de carrapatos de cães domésticos, que ficam soltos nas comunidades situadas em bordas de mata, como as na periferia da região metropolitana de São Paulo.
Ao entrarem na mata, os animais podem ser parasitados pelo carrapato e levá-los para dentro das casas, onde podem picar e infectar pessoas com a bactéria causadora da febre maculosa.
Porém, os cães domésticos possuem anticorpos específicos contra a bactéria Rickettsia rickettsi e, em função disso, geralmente não adoecem e apresentam cura espontânea. Por isso, são considerados ótimos “sentinelas”.
Já em humanos infectados, se não forem tratados a tempo, a febre maculosa pode ser letal. “Estimamos que, nessas áreas da região metropolitana de São Paulo que registram casos da doença, se os pacientes não forem tratados a tempo a letalidade pode chegar a quase 100%”, disse Adriano Pinter, pesquisador da Sucen.
Exceção à regra
Para avaliar se havia diferenças no número de casos da doença e na diversidade de animais hospedeiros do carrapato nos fragmentos florestais das regiões norte e sul da região metropolitana de São Paulo, os pesquisadores realizaram ao longo de um ano coletas de animais silvestres e cães domésticos.
As coletas foram feitas nos municípios de Diadema, São Bernardo, Santo André, Mairiporã, Arujá, Nazaré Paulista e na região do Horto Florestal, na zona norte da capital, de modo a estudar os carrapatos presentes e verificar se estavam infectados pela bactéria.
As análises em laboratório revelaram que os carrapatos coletados em São Bernardo e Diadema estavam infectados pela Rickettsia rickettsi e que os cachorros capturados nos dois municípios também apresentavam a doença, detectada pela presença de anticorpos na corrente sanguínea.
Já os carrapatos e cães capturados em Mairiporã, Arujá, Nazaré Paulista e na região do Horto Florestal e em Santo André não apresentaram a bactéria. O que, no caso de Santo André, foi uma surpresa para os pesquisadores.
“Nós também esperávamos encontrar a doença em Santo André, que está em uma área consagrada de transmissão da febre maculosa e localizada a apenas 4 quilômetros de distância de outro fragmento florestal onde foi detectada a presença da bactéria”, afirmou Ogrzewalska.
Ao comparar o estado de preservação do fragmento de floresta de Santo André com o dos outros seis municípios avaliados no estudo, os pesquisadores observaram que ele era muito mais parecido com o da região norte, em termos de diversidade de espécies de animais silvestres.
Além disso, o fragmento de floresta de Santo André era menos isolado do que os outros da região sul – que são menores e espaçados uns dos outros –, possuindo corredores ecológicos que possibilitam o fluxo dos animais entre os fragmentos de mata.
“As áreas de pico de febre maculosa na região metropolitana de São Paulo coincindem com essas áreas de vegetação muito fragmentadas, isoladas e sem conexão entre elas, que impede que os animais possam transitar”, afirmou Pinter.
De acordo com o pesquisador, baseado nos resultados do projeto, a Sucen está analisando imagens dos fragmentos florestais de toda a região metropolitana de São Paulo para encontrar áreas com o mesmo perfil de fragmentação das áreas estudadas com a presença da doença para que possa ser direcionando o controle da febre maculosa.
O artigo Epidemiology of Brazilian spotted fever in the Atlantic Forest, state of São Paulo, Brazil (doi:10.1017/S0031182012000546), de Ogrzewalska e outros, pode ser lido por assinantes de Parasitology em http://journals.cambridge.org/action/displayAbstract?fromPage=online&aid=8560121&fulltextType=RA&fileId=S0031182012000546.