Desvios de verba na Unicamp e morte no Parque Taquaral estão entre os casos afetados. SSP diz que há concursos em andamento para repor efetivo.
As delegacias da Polícia Civil na região de Campinas registraram queda de 4,3% no número de servidores e uma disparada de 74% na quantidade de inquéritos em tramitação em 12 meses. A soma desses fatores tem afetado investigações até de casos de repercussão. Veja os números ainda nesta reportagem.
Documentos, aos quais o g1 teve acesso, mostram policiais civis relatando ao Judiciário a necessidade de mais prazo para conclusão de inquéritos por conta da falta de profissionais e do excesso de trabalho em distritos policiais da metrópole.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) afirmou que a reposição do efetivo policial é prioridade da atual gestão. Citou o reajuste de 20% nos salários das carreiras policiais e disse que busca reduzir o déficit de servidores.
“Para isso, há 3,4 mil policiais civis em formação, além de três concursos em andamento para o preenchimento de 3.135 vagas para delegados, escrivães e investigadores. Somado a isso, em maio houve a maior nomeação da história da Polícia Civil, com a convocação de mais de 4 mil candidatos, incluindo todos os remanescentes”, disse a SSP.
Desvios na Unicamp
Um dos casos afetados pelo déficit foi a investigação do 7º Distrito Policial sobre os desvios de verba da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) no Instituto de Biologia da Unicamp. O caso foi denunciado à Polícia Civil no dia 1º de fevereiro deste ano, mas a primeira testemunha foi ouvida no dia 21 de maio.
Segundo apurou o g1 com a Polícia Federal, no dia 19 de fevereiro a principal suspeita do crime, a ex-funcionária da Unicamp Ligiane Marinho de Ávila, deixou o país. No mês passado, o advogado dela informou ao delegado que ela não tem prazo para voltar ao Brasil e solicitou depoimento por videoconferência.
Em abril, ao pedir mais tempo para investigar Ligiane, o escrivão responsável pelo inquérito desabafou sobre a falta de servidores no 7º DP. Ele descreve que os trabalhos na delegacia estão “prejudicados em razão do invencível acúmulo de serviço” e diz que sobrecarga é “agravada” com férias e afastamentos de saúde de colegas. Veja relato abaixo:
Morte no Taquaral
No caso da morte de uma menina após queda de uma árvore no Parque Taquaral em janeiro de 2023, caso sob responsabilidade do 4º Distrito Policial, a investigação segue em andamento após pedidos de prorrogação de inquérito à Justiça. Em um deles, o escrivão descreveu o excesso de acervo como um dos entraves para a conclusão.
“Ainda, considerando o excessivo acervo presente nesta unidade policial, o elevado acúmulo de serviços, dos quais não demos causa, além, das constantes instabilidades do Sistema IPe, os quais geram transtornos ao andamento do feito, faço a remessa do presente feito ao fórum local”.
Os dados
Segundo dados obtidos pelo g1 por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), o número inquéritos tramitando no Departamento de Polícia Judiciária do Interior 2 (Deinter-2), responsável por 42 cidades na região de Campinas – incluindo Indaiatuba, Mogi Guaçu, Valinhos e Paulínia disparou 74% em 12 meses. Veja números:
Maio de 2023: 15.678 inquéritos em tramitação
Maio de 2024: 27.411 inquéritos em tramitação (+74%)
Por outro lado, o número de policiais civis, somando escrivães, investigadores, agentes e delegados, atuando nas delegacias (tirando os de licença médica ou licença prêmio) teve uma queda de 4,3%.
Maio de 2023: 1.171 policiais na ativa no Deinter-2
Maio de 2024: 1.120 policiais na ativa no Deinter-2 (-4,3%)
Problema se arrasta há duas décadas, diz sindicato
Segundo o presidente do sindicato dos policiais civis (Sinpol) de Campinas e região, Aparecido Lima de Carvalho, o déficit de servidores na delegacia é um problema antigo, no entanto, tem visto no atual governo um esforço para fazer a reposição do quadro de servidores.
“Esse déficit causa a morosidade [das investigações]. Nessa situação, o escrivão de polícia vai até o seu limite para cumprir suas obrigações, mas quando ele não consegue, retarda-se o término do inquérito e se pede mais prazo. Isso é uma realidade que acontece no dia a dia da instituição e não é culpa do escrivão e nem do delegado. É culpa dos governos que não repuseram o efetivo durante mais de duas décadas”.
O sindicato ainda lembrou do reflexo do excesso de trabalho na saúde dos servidores policiais. “A gente vê muito o impacto no profissional. Problema psicológico, o estresse que leva à depressão, leva a afastamentos médicos, a readaptações. Tudo isso tem implicações no efetivo”, afirmou.
Segundo o sindicato, atualmente a academia de polícia está com 211 escrivães em treinamento para “tentar repor” o quadro de pessoal. Para Aparecido, o excesso de trabalho sobrecarrega principalmente esses profissionais nos distritos policias.
“Esse déficit vem de mais de duas décadas e, felizmente, esse governo enxergou isso. Nós tivemos um contato com ele (atual governo) e explicamos que essa deveria ser uma das prioridades da Polícia Civil, que a instituição precisa do material humano para dar andamento à demanda que chega nas delegacias”, disse o presidente.
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