Notícia

Inovação Unicamp

Dedini Indústria de Base

Publicado em 16 outubro 2006

A discrição cerca a operação da pequena planta piloto instalada pela Dedini Indústria de Base ao lado da usina São Luis, em Pirassununga, em uma fazenda a 207 quilômetros de São Paulo. Lá, a empresa trabalha para a melhoria de sua tecnologia proprietária denominada DHR — Dedini Hidrólise Rápida. Baseada na hidrólise ácida do bagaço de cana para obtenção de etanol, a DHR é uma das rotas tecnológicas mais promissoras para o aumento da produção sem expansão da área plantada de cana-de-açúcar. A hidrólise ácida é uma das rotas possíveis para a obtenção de etanol a partir da celulose, abundante nos resíduos da cultura da cana-de-açúcar ou do milho, hoje as duas principais fontes do produto. Na tecnologia patenteada pela empresa — maior fornecedora de bens de capital para o setor sucroalcooleiro —, um solvente dilui a lignina, estrutura da fibra do bagaço de cana que protege a celulose, para permitir a quebra das cadeias de carbono que a formam e a conseqüente geração de hexoses — açúcares formados por cadeias de seis carbonos, que serão finalmente utilizados para produção de álcool.

Paulo Augusto Soares, engenheiro químico formado pela Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e atual gerente da planta DHR, recebeu Inovação em Pirassununga para uma visita à planta. Ele não revela qual o prazo de conclusão da fase de operação experimental. "Essa é uma unidade semi-industrial, cuja principal finalidade é testar soluções de engenharia em uma escala de produção significativa, superior a do protótipo que operamos no antigo Centro de Tecnologia Copersucar, [hoje Centro de Tecnologia Canavieira (CTC)]", explica ele, sem detalhar as soluções. "O mercado de açúcar e álcool é bastante conservador. Por isso, a Dedini toma muito cuidado ao lançar um novo produto e só o faz depois de eliminar todos os problemas", completa. Soares acompanha o projeto desde 2005.

A DHR pode produzir, teoricamente, até cinco mil litros de álcool por dia, a partir do processamento de duas toneladas de bagaço por hora. A empresa não revela qual é a eficiência da operação no estágio atual da produção. Os dados do estudo de viabilidade econômica que indicam quanto custa a produção de álcool utilizando a tecnologia DHR em comparação com o processo normal são mantidos em sigilo pela empresa. A empresa só revela que, entre os indicadores de viabilidade econômica para a adoção da tecnologia, estão o preço do álcool a granel cobrado pelas usinas no Brasil, no exterior e também o preço internacional do galão de petróleo.

A visita à planta DHR

A planta experimental não funciona todos os dias. No dia da visita de Inovação, 9 de outubro, esperava-se que a unidade entrasse em funcionamento. Mas não entrou: quando chove muito, a cana recolhida no campo vem muito suja de terra, o que pode inviabilizar até o funcionamento de uma usina convencional; e a chuva havia sido intensa no fim de semana anterior. A usina São Luís, a convencional, estava operando; mas o bagaço produzido continha muita terra misturada. A terra dificulta a alimentação do reator da planta experimental — onde o bagaço é colocado para sofrer a hidrólise. No dia seguinte, de acordo com Soares, as condições do bagaço melhoraram e a planta experimental funcionou das sete horas da manhã até o final da tarde.

A unidade DHR está instalada ao lado do ponto de onde sai o bagaço da cana processada na usina convencional e dos tanques gigantes de resfriamento da água nela utilizada. À sua frente está o escritório dos engenheiros que trabalham na unidade. A planta DHR é pequena, se comparada às demais estruturas da usina. Uma placa instalada na planta diz que o projeto é resultado da parceria entre Dedini, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e CTC. Por conta da proximidade com a parte de fermentação e destilação da usina, o calor é forte, mas amenizado por uma espécie de garoa que pode cair dos tanques de água, situados ao lado, dependendo da direção do vento. Cerca de 80% dos equipamentos utilizados na unidade são nacionais. Ela é operada por oito funcionários. Outros três engenheiros da Dedini trabalham na solução de problemas e no desenvolvimento dos parâmetros e soluções de engenharia para a planta poder operar em escala industrial.

José Luiz Olivério, vice-presidente de operações da Dedini, contou em uma palestra dada no Seminário Internacional de Biocombustíveis, em Brasília, no dia 25 de abril deste ano, que a empresa está definindo os parâmetros de engenharia que serão utilizados para o dimensionamento de uma planta em escala industrial. Na ocasião, como exemplo do potencial da tecnologia, Olivério explicou que hoje, com um hectare de cana, são colhidas 80 toneladas de cana limpa, termo usado quando se desconta a palha. Essas 80 toneladas produzem, pelo processo convencional, 6.400 litros do bioetanol hidratado. Se a empresa passar a colher a cana integral, que inclui a palha hoje deixada no campo, a produção por hectare passa a ser de 96 toneladas. Além dos 6.400 litros de bioetanol hidratado produzido a partir do caldo resultante do processo convencional, a empresa poderá produzir mais 5.650 litros de bioetanol com o uso da tecnologia DHR para extração de mais açúcar do bagaço e a queima da palha para gerar energia que antes era produzida a partir do bagaço. Somam-se, assim, 12.050 litros produzidos por hectare, ou seja, dobra-se a produção se a tecnologia DHR for empregada e se a palha for usada para geração de energia para a usina.

Produto da hidrólise ácida não é álcool, mas água com açúcar

Paulo Soares acompanhou Inovação para explicar como funciona a unidade DHR. O bagaço é agrupado em montes tão grandes que, de longe, parecem dunas. A semelhança com a areia acaba quando se chega próximo deles. O bagaço é, na verdade, fibra, pequenos pedaços de cana que sobram depois de ela ser moída. Esse bagaço é transportado para cima em uma esteira, chegando à boca do reator, instalado em uma torre da planta experimental. Ao lado do reator, no fundo da torre, está instalado um sistema que prepara e dilui o ácido, que fica circulando dentro do equipamento. O líquido passa por um tanque onde é resfriado por redução brusca de pressão, processo necessário para interromper a reação química do ácido. Depois de passar por esse tanque, o líquido vai para a coluna de destilação. Nela é recuperado o solvente, que sai pela parte de cima da coluna e volta para o reator. Já a água, os açúcares e os produtos pesados saem pelo fundo. "Ao final do processo de hidrólise não temos álcool, mas açúcar e água, que serão levados para o processo normal de fermentação e destilação, ou seja, passam a ser integrados ao sistema convencional da usina", aponta.

"Nosso processo tem uma característica especial: tudo é feito em um estágio. É rápido porque as reações ocorrem em menos de uma hora", afirma Soares. Na hidrólise enzimática, a outra rota tecnológica em investigação no Brasil e no exterior para viabilizar a produção de etanol celulósico, as reações — segundo o engenheiro — demoram mais de 72 horas. "A hidrólise enzimática é um processo para longo prazo, por isso a Dedini preferiu seguir a rota da hidrólise ácida", acrescenta. A hidrólise com processo organosolv começou a ser estudada pela Dedini em meados dos anos 1980. A iniciativa de trazer essa tecnologia para a empresa foi de Dovílio Ometto, presidente da Dedini Indústrias de Base.

O processo foi patenteado pela empresa em 1996. Desse ano até 2002 a companhia se preocupou em desenvolver e operar a tecnologia em uma pequena planta piloto, instalada na Copersucar. A partir de 2002, passou a trabalhar na unidade semi-industrial de Pirassununga. Além do Brasil, a tecnologia foi patenteada nos Estados Unidos, União Européia, Canadá, México, Rússia e Japão. O engenheiro não soube dizer quanto a empresa investiu no desenvolvimento da tecnologia, mas só da Fapesp a Dedini obteve R$ 1,7 milhão, no âmbito do programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE), e deu como contrapartida R$ 1,8 milhão, no período de 1º de fevereiro de 2002 a 30 de junho de 2003.

Trabalhou como parceiro no projeto o professor Carlos Eduardo Vaz Rossell, na época pesquisador do CTC, onde foi instalada a primeira unidade piloto. Pesquisador associado do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe) da Unicamp, hoje Rossell atua como consultor da empresa. Em entrevista concedida a Inovação em julho deste ano, Rossell disse que essa tecnologia tem potencial para chegar ao mercado em cerca de dois anos.

Objetivo do negócio

A empresa entrou no projeto porque tem como intenção vender a tecnologia DHR para outras usinas, já que o foco de negócios da companhia é a venda de equipamentos para o setor de açúcar e álcool. Outra parte do grupo, a Dedini Agro, é responsável pela produção de açúcar e álcool, e sua sede é na Usina São Luís, onde está a planta semi-industrial em teste. A São Luís tem capacidade instalada de esmagamento de 13 mil toneladas por dia de cana-de-açúcar, pode produzir 28 mil sacas de 50 quilos de açúcar cristal e 400 mil litros de álcool anidro e hidratado, diariamente. Tudo isso gera uma produção de três a quatro mil toneladas de bagaço por dia, hoje queimado para gerar energia para a própria usina ou adicionado à vinhaça e usado como fertilizante.

"A planta DHR não foi concebida para operar sozinha, mas para ser integrada ao sistema convencional das usinas", destaca o engenheiro. Essa tecnologia será utilizada de forma complementar, como estratégia para aumentar a produção de álcool utilizando-se um resíduo industrial, que é o bagaço, algo interessante para quem não tem condições de aumentar a área de cultivo de cana, por exemplo. Atende, assim, à estratégia do setor de aproveitar todos os seus rejeitos. A vinhaça, por exemplo, é usada como fertilizante, e o bagaço como fonte de energia para a usina. Há pesquisas para aproveitamento da palha, que fica no campo na colheita e hoje é queimada, na geração de energia, liberando assim mais bagaço para produção de álcool.

Além disso, a tecnologia DHR segue a tendência das usinas de açúcar e álcool de se transformar em empresas produtoras de energia e alimento. "A Dedini pretende, em dois anos, gerar energia para seu próprio consumo e ainda vender para as concessionárias", conta. Soares afirma ainda que não conhece nenhuma experiência semelhante em hidrólise ácida como a da Dedini. "Há em outros países iniciativas parecidas, mas não na escala em que estamos", conclui. (J.S.)