A fabricante de máquinas e equipamentos Dedini Indústrias de Base assinou no dia 17 de julho um acordo de cooperação com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para o financiamento de atividades de pesquisa e desenvolvimento a ser feitas em parceria com instituições de pesquisa públicas e privadas paulistas. São R$ 100 milhões para cinco anos, a ser aplicados em projetos voltados para inovação na produção de etanol. A chamada pública para os pesquisadores apresentarem seus projetos deve ser divulgada no final de agosto. Trata-se do maior convênio já celebrado pela Fapesp em parceria com uma empresa. Dos R$ 100 milhões, metade virá da empresa e o restante da fundação. A Dedini, sediada em Piracicaba, interior de São Paulo, é uma das líderes mundiais na oferta de tecnologia industrial para a cadeia produtiva de açúcar e álcool. Investe entre 3% e 4% do seu faturamento (cujo valor não divulga) em P&D. O governador de São Paulo, José Serra, e o vice-governador e secretário do Desenvolvimento, Alberto Goldman, estiveram na cerimônia de assinatura do convênio, ocorrida na abertura de um seminário e feira sobre tecnologia para etanol realizado em Piracicaba.
O convênio, chamada de projetos e patentes
O convênio prevê a construção de uma planta-piloto de hidrólise ácida, processo estudado pela Dedini desde 1980 e do qual a empresa detém patentes. A nova planta será menor do que a unidade de demonstração já instalada na Usina São Luiz, em Pirassununga (SP), que utiliza o processo Dedini Hidrólise Rápida (DHR) e é capaz de produzir até 5 mil litros de etanol por dia. Com a escala menor, a empresa pretende ganhar maior agilidade na incorporação de novos conhecimentos ao processo, de acordo com o vice-presidente da Dedini, José Luiz Olivério.
Além da nova unidade, Fapesp e Dedini também vão financiar projetos de pesquisa e desenvolvimento que busquem o aperfeiçoamento das tecnologias já em uso na planta de demonstração de hidrólise ácida da Dedini; a descoberta e o desenvolvimento de novas tecnologias para esse processo; a produção de energia a partir de subprodutos gerados na fabricação do etanol; formas de reduzir o consumo de energia durante o processo industrial; o aumento da eficiência dos processos de destilação e fermentação.
Outro objetivo da empresa de bens de capital é familiarizar-se com as tecnologias de terceira geração para a produção de etanol. Pesquisadores e empresários classificam as tecnologias de produção de álcool em três categorias: o etanol produzido de caldo de cana é de primeira geração; o etanol de celulose é de segunda geração; e o etanol produzido a partir de biomassa gaseificada e de reações de síntese para produção de combustíveis líquidos é de terceira geração. "Temos desde projetos de melhoria da tecnologia atual até os temas voltados para novos saltos tecnológicos. É um projeto bastante abrangente", comenta Olivério.
Ele diz que a empresa espera financiar de 30 a 35 projetos dentro dos temas de interesse selecionados pela Fapesp e pela Dedini. Segundo ele, a escolha dos temas foi resultado de reuniões da empresa com a fundação, nas quais foram apontadas áreas de pesquisa que são de interesse para a estratégia de competitividade da Dedini e para o avanço do conhecimento acadêmico que move universidades e institutos de pesquisa, foco da Fapesp. O Comitê Gestor de Cooperação Fapesp-Dedini, formado por dois representantes de cada um dos participantes do convênio, acompanhará todo o processo de avaliação e seleção, que acontecerá em duas fases: a de enquadramento, quando o Comitê Gestor verificará o cumprimento das especificações da chamada, seguida da análise e seleção. Esta última etapa seguirá o método tradicional da Fapesp de análise, com a participação de assessores ad hoc, pesquisadores sem vínculos formais com a fundação.
É obrigatório que os projetos tenham, pelo menos, um pesquisador vinculado a uma instituição de pesquisa ou universidade. Podem participar pesquisadores reunidos em rede ou pesquisador de uma única instituição. Olivério conta que a base dos trabalhos deve se desenvolver nas universidades e nos institutos, com participação dos pesquisadores da Dedini. "Mas se houver desenvolvimento que possibilite construção de protótipo, provavelmente isso será feito junto às usinas ou na empresa. Dependerá de cada projeto", completa.
A propriedade intelectual será discutida projeto a projeto, segundo Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fapesp. "Por haver a participação da universidade, pelo menos uma parte do resultado econômico desse desenvolvimento irá para a instituição, se tivermos sucesso", comenta Olivério. Ainda não está definido se a chamada será única ou se haverá várias chamadas, uma para cada tema. "Precisamos acertar isso com a Dedini", conta Brito Cruz.
A participação do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), parceiro tradicional da Dedini, que é uma das associadas dessa instituição privada de pesquisa, também será discutida com a empresa. "O caso do CTC depende de discussão pelo fato de eles serem privados e de haver a questão sobre propriedade intelectual, que pertence aos acionistas deles", explica Brito Cruz. Segundo ele, a Fapesp quer fazer um convênio com o CTC nos moldes do convênio com a Dedini.
O convênio contempla temas que envolverão riscos e que poderão trazer benefício para a empresa apenas no longo prazo. "Quando se fala em pesquisa, é difícil determinar prazo [para as tecnologias chegarem ao mercado]. Em algumas áreas, vamos caminhar por campos de conhecimento inéditos", destaca. A Dedini, por exemplo, trabalha no assunto hidrólise há 20 anos e continua pesquisando-o até hoje.
Governador diz que convênio não é privatização da pesquisa pública
"Em 2006, os produtos derivados da cana-de-açúcar corresponderam a 14,4% da oferta de energia do País, proporção idêntica à gerada pelo caminho hidrelétrico. É a mudança da matriz energética brasileira provocada pela cana-de-açúcar", destacou o governador Serra em seu discurso na cerimônia de assinatura do convênio. Ele lembrou que São Paulo é o segundo maior produtor de açúcar e álcool do mundo. "Na frente de São Paulo, só o Brasil", brincou. Ele ressaltou a importância estratégica do setor para o Estado ao falar de algumas estatísticas: são 4,2 milhões de hectares de cana plantados no Estado, responsáveis por 75% das exportações de açúcar e 75% das exportações de álcool nacionais, gerando 3,6 milhões de empregos diretos e indiretos.
"Não pretendemos, com esse apoio, privatizar a pesquisa feita em instituições públicas. E sim tornar essas pesquisas cada vez mais públicas, pelo acesso que a elas terão o setor produtivo e a sociedade", acrescentou. O governador ainda fez um pedido para a Fapesp e a Dedini: que possam investir recursos em projetos voltados para viabilizar máquinas e equipamentos que permitam a colheita mecanizada em terrenos com declividades superiores a 12%. Hoje, os equipamentos permitem a colheita em áreas com até esse limite de inclinação. A colheita manual é extremamente penosa para os trabalhadores e danosa ao meio ambiente, já que a cana é queimada justamente para facilitar o corte.
A Lei 11.241 (09/2002) e o Decreto 47.700 (03/2003) determinam que a queimada deverá ser um processo extinto até 2031 em todo o Estado e que a colheita passará a ser totalmente mecanizada a partir dessa data, mas o governador quer adiantar o prazo. Ele assinou no dia 4 de junho, durante o Ethanol Summit, um protocolo agroambiental em que antecipa para 2014 o fim da queima da palha. O protocolo tem caráter voluntário. Em artigo publicado no dia 9 de março deste ano no jornal Folha de S. Paulo, Serra disse ser preciso garantir as condições ambientais na produção de cana-de-açúcar. "Neste ano, São Paulo terá plantado 4,2 milhões de hectares de cana. Em pelo menos 2,5 milhões de hectares (10% do território paulista) as colheitas serão realizadas mediante queimadas! É uma aberração ecológica e um atentado à saúde das pessoas", escreveu.
"Este é o papel do Estado: incentivar, dar recursos, motivar as empresas e todos os setores envolvidos no desenvolvimento tecnológico", disse Alberto Goldman, titular da Secretaria de Desenvolvimento, à qual a Fapesp está vinculada, ao discursar na cerimônia de assinatura do convênio.
Empresário destaca novas tecnologias
Também na cerimônia, José Olivério, da Dedini, destacou que o desenvolvimento tecnológico nos setores agrícola e industrial levou o Brasil a dominar a produção de etanol. Essa evolução tecnológica se reflete em números: a capacidade de moagem passou de 5,1 mil toneladas para 14 mil toneladas de cana por dia, usando basicamente os mesmos equipamentos, do Proálcool para os dias atuais. Com uma tonelada de cana, hoje é possível produzir 86 litros de etanol, contra 66 litros em 1975. Passou-se de 4,6 mil para 8,2 mil litros de etanol por hectare, aumento superior a 70%. "Como reflexo de toda essa evolução ocorrida em 30 anos, o custo do álcool reduziu de US$ 90 para US$ 45 por barril", completou.
"Somos líderes, mas para continuarmos assim, precisamos investir em ciência e tecnologia. Esse é nosso propósito com a parceria com a Fapesp", afirmou. Ele destacou que o convênio abre oportunidades para trabalhos de pesquisa incremental voltados para tecnologias atuais e de ruptura, onde estão as possibilidades de ganho de competitividade que a empresa deseja.
Ele também ressaltou que o Brasil desenvolveu de forma quase exclusiva as tecnologias de primeira geração — com as quais se produz etanol a partir da fermentação do açúcar da cana. "Mas já falamos de etanol de celulose, e nos ambientes de ciência os pesquisadores já trabalham na terceira geração de combustíveis líquidos, usando tecnologias BTL (biomass to liquid, biomassa para líquido), com a biomassa produzindo combustíveis líquidos por gaseificação e reações de síntese. Em paralelo surgiu a biorrefinaria e este é o cenário futuro do bioetanol", resumiu.
Marco para a Fapesp
Em seu discurso, o presidente da Fapesp, Carlos Vogt, disse que a parceria com a Dedini é um momento importante para a fundação, pois servirá de referência e dará parâmetro para sua atividade de apoio à pesquisa e ao desenvolvimento no Estado de São Paulo. Trata-se da união entre os agentes fundamentais do processo de desenvolvimento científico e tecnológico — governo, instituições de pesquisa e empresa —, ressaltou. "No começo dos anos 1990, os primeiros programas que implementamos na Fapesp para etanol, e que representavam na época um enorme volume de recursos, foram da ordem de R$ 6 milhões. E hoje estamos assinando um convênio de R$ 100 milhões, sendo R$ 50 milhões da Fapesp e R$ 50 milhões da Dedini", lembrou, para exemplificar o aumento da importância do assunto etanol.
Brito Cruz explicou que o convênio com a Dedini atende um dos pilares estratégicos da Fapesp, que é o de apoiar as pesquisas exploratórias, aquelas com possibilidades de aplicação. "Nesses casos, a Fapesp sempre busca associar-se a empresas, porque quem é capaz de entender e identificar as oportunidades de mercado e de aplicações são as empresas, muito mais do que universidades e instituições de pesquisa", justificou. A Dedini, explicou, era parceira natural para um trabalho em etanol porque é uma das líderes em tecnologia industrial para o setor, tem esforço interno em P&D significativo e já foi parceira da Fapesp em outras ocasiões. Para o desenvolvimento das tecnologias em uso na planta-piloto de hidrólise ácida que a empresa opera em Pirassunga, a Fapesp investiu aproximadamente R$ 3,75 milhões.
"O aumento do interesse mundial sobre o assunto álcool fará com que nós, no Brasil, precisemos reorganizar a forma pela qual avança a tecnologia de produção de etanol", frisou Brito. "Até dois anos atrás, produzir etanol em grande quantidade era um assunto eminentemente brasileiro. Agora, é um assunto dos Estados Unidos, da França, da Inglaterra, da Alemanha, países que têm intensa capacidade industrial e intensa capacidade de usar a ciência para obter avanço tecnológico", ressaltou. Para ele, com a entrada desses novos competidores, é essencial que, na estratégia de desenvolvimento tecnológico em etanol, o Brasil seja capaz de incorporar muito mais ciência, e ciência avançada, para garantir a manutenção de uma competitividade "conquistada a duras penas ao longo dos últimos 30 anos". "O convênio é um passo nessa direção e a Fapesp fará outros desse tipo para estimular o avanço da tecnologia e da ciência em etanol no Estado de São Paulo", finalizou.