Como venho falando em outras ocasiões, a tecnologia facilita, acelera, alavanca, melhora processos, mas raramente os determina. Um exemplo claro disto acontece no funcionamento de uma experiência pioneira na esfera da Justiça, que promete revolucionar seu funcionamento. Em 2001, decidiu-se pela criação de tribunais especiais previdenciários nas cinco regiões da Justiça, com o intuito de agilizar algumas das demandas mais freqüentes, como as previdenciárias. Como era o processo tradicional no caso previdenciário? O cidadão apresentava a demanda em papel, ela era organizada numa pasta que deveria ser numerada manualmente, página por página. E há processos com seis mil páginas!
Sem contar a complexa burocracia, ainda mais complicada antes da implementação do projeto. Um processo vai e volta várias vezes do tribunal para a vara de origem. Isso começou a mudar há dois anos, quando foram criados os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, que cuidarão de causas de até 60 salários mínimos. O juiz José Eduardo Santos Neves, com a colaboração da desembargadora Mansa Santos e da juíza Leila Paiva, teve uma atitude corajosa: de férias nos EUA, tinha conhecido alguns fóruns americanos que eram informatizados. Impressionado, decidiu assumir a empreitada no Brasil. Com uma dificuldade adicional: os novos tribunais não têm orçamento nem recursos humanos próprios, trabalham nele juizes que têm responsabilidade sobre outras Varas. E com recursos "caseiros" - como funcionários que baixam aplicações de software livre e fazem as adaptações pertinentes.
Resultado: na 3ª Região da Justiça Federal, o cidadão não tem mais a necessidade de comparecer com advogado. Chega ao tribunal com seus documentos, iodos eles são digitalizados e arquivados no computador, e ele assina com uma caneta especial que grava sua assinatura de forma eletrônica. Na mesma hora sai com a data para comparecer e com o valor a ser liquidado. Se o INSS não recorrer em dez dias, o demandante tem seu processo aprovado e o dinheiro depositado diretamente na sua conta. Um processo leva em média oito meses, se não houver recursos do INSS, sendo que antes demorava oito anos.
Um ano e meio depois de inaugurado o tribunal, tem 55.364 processos iniciados, nenhum deles no papel, tudo está digitalizado. É uma experiência ainda mais radical que a americana, lá eles têm digitalizado e impresso. Todos acusam a Justiça de lentidão, mas uma enorme mudança como essa criou um sistema inteiramente digital. E quanto investimento em TI recebeu? Praticamente nada. A decisão do juiz e um grupo de funcionários provocaram uma verdadeira revolução na Justiça. A solução tecnológica foi resposta a uma necessidade social e política amplamente instalada no corpo social: melhorar os processos judiciais, acelerar seus tempos e levar justiça aos mais vulneráveis. Foi a atitude desbravadora e a coragem para enfrentar resistências que permitiram a digitalização do processo. A tecnologia disponível só ajudou a realizar essa vontade política.
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B2B Magazine