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‘Debate público sobre mudança climática tem se qualificado' (1 notícias)

Publicado em 27 de agosto de 2023

Por Mariana Vick

Apesar do agravamento da mudança climática, o debate público sobre o tema tem se qualificado no Brasil, segundo Gilberto Jannuzzi, professor titular de sistemas energéticos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Para ele, há razão para ser otimista. “Não podemos perder de vista a expectativa de melhorar as possibilidades de as próximas gerações terem uma sobrevida confortável”, afirmou ao Nexo

As ações dos governos ainda estão aquém da urgência do problema do clima. Também há pessoas e setores econômicos que resistem às evidências dos impactos ambientais da atividade humana. Ainda assim, o pesquisador considera que a sociedade civil tem conduzido um debate fundamentado, apoiado nos cientistas, que ganharam espaço nos últimos anos.

Membro do comitê do Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, que completa 15 anos nesta segunda-feira (28), Jannuzzi acredita que os estudos sobre o tema evoluíram. Antes focados em investigações clássicas da ciência do clima, eles agora também abarcam áreas como economia, ciências sociais e ecologia. “Estamos vendo que não é só a tecnologia que vai resolver nosso problema”, afirmou.

Nesta entrevista, ele explicou como a pesquisa climática mudou nos últimos anos, quais as contribuições do Brasil para a área e como o programa da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) se encaixa nesse contexto. Falou também de suas impressões após mais de 30 anos pesquisando o tema e de que forma os pesquisadores devem se aprimorar para atender às necessidades do presente.

Como a pesquisa sobre mudança climática mudou em 15 anos? Qual era o foco antes e qual é agora?

Houve uma mudança bastante significativa. No início, a pesquisa estava muito relacionada com o que chamamos de ciência do clima, tentando documentar como o aquecimento [global] ou os extremos [climáticos] aconteciam. Houve também um esforço grande na área de modelagem climática [que simula a física, a química e a biologia da atmosfera, da terra e dos oceanos para gerar projeções do clima], com resultados bastante positivos.

Com o passar do tempo, vejo que avançamos mais no entendimento das estratégias de adaptação às mudanças do clima — não só de seres humanos, mas da flora e da fauna, para entender como elas estão se modificando de acordo com as mudanças que estão ocorrendo. Também [há mais pesquisa sobre] como a gente pode resolver o problema do clima. Essa é a área em que mais atuo, no tema da energia. Estamos vendo que não é só tecnologia que vai resolver nosso problema, e passamos a avançar em áreas como economia, ciências sociais, ciências humanas e psicologia. Esses avanços são gerais, mas também os vejo em nosso programa da Fapesp.

Quais foram as contribuições dos cientistas brasileiros para a evolução desse conhecimento? Como o programa da Fapesp se encaixa nesse cenário?

As contribuições são bastante importantes. Recentemente, um grupo que está assessorando a Fapesp criou indicadores de impacto do programa [sobre mudanças climáticas] e fiquei impressionado com a inserção de nossos artigos e produção científica na literatura relevante — não só a literatura científica, mas publicações do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, autoridade científica da ONU], do Banco Mundial e de outros órgãos que organizam as informações nessa área. Mesmo com um esforço financeiro relativamente pequeno, vimos que temos tido impacto. Uma das principais contribuições dos cientistas brasileiros está na questão das mudanças climáticas e biodiversidade, por exemplo. Na parte de agricultura também o Brasil se destaca.

O sr. já disse que o programa da Fapesp é importante porque supre lacunas que não são financiadas por outros fundos. Que lacunas são essas?

Há quase 20 anos o Brasil tem o que a gente chama de investimentos regulados. Uma parcela do que é arrecadado pelas empresas de eletricidade, por exemplo, é dedicada a financiar projetos de pesquisa e desenvolvimento na área. O mesmo acontece com o petróleo: uma parcela dos royalties da exploração é dedicada a financiar pesquisa. São recursos muito maiores do que os do programa da Fapesp. Uma ordem de cinco a dez vezes mais, dependendo da área. Esses investimentos das empresas são regulados por agências do setor de energia, e parte dos recursos está alocada no governo federal, nos fundos setoriais de ciência e tecnologia.

Quando falei isso [que o programa da Fapesp supre lacunas], é porque ainda existem áreas de pesquisa, ligadas ao que eu chamo de maior interesse público, que têm lacunas. Por exemplo, não temos nesses fundos que mencionei pesquisas tentando entender os impactos da transição energética em populações vulneráveis do Brasil, nem como os custos dessa transição podem afetar o acesso à energia em áreas remotas. Temos uma população ainda não atendida por serviços de eletricidade, com dificuldades de acesso à energia para cocção, por exemplo. Essas áreas de pesquisa não são atendidas. Vejo que o fundo da Fapesp tem a oportunidade de incentivar o estudo de temas não cobertos por outros fundos que, embora regulados, privilegiam interesses normais do setor de energia e da indústria.

Como o sr. avalia o debate público sobre mudança climática nestes últimos anos? Governos, sociedade e empresas têm ouvido a ciência? O que melhorou e o que falta melhorar?

O debate tem melhorado. É flutuante, eu diria. Nos governos, ele tem variado extremamente. Já na sociedade civil, tem se qualificado com bastante progresso. Temos várias ONGs no Brasil com atuação muito bem fundamentada, que apoiam o trabalho científico e têm sido importantes na melhoria do debate. Na política — e esta não é uma característica particular do Brasil — há modismos. Em alguns momentos há mais interesse em tratar dos extremos climáticos; em outros, de determinada tecnologia. Isso flutua. Mas eu diria que, como média, o debate tem se qualificado.

Os efeitos da mudança climática apenas se agravaram nos últimos anos. Como é para os cientistas que estudam esse tema há tanto tempo? Há impactos para a saúde mental?

Essa é uma pergunta interessante, porque esse tem sido realmente o motivador de grande parte do estresse de quem trabalha com o assunto. Pesquiso há quase 30 anos o tema e já tive a oportunidade de conversar com colegas sobre isso. Há uma ansiedade [entre os cientistas], uma irritação toda vez que se veem as ações [contra a mudança climática] sendo postergadas. Demandas de curto prazo atropelam qualquer outra iniciativa. Na própria literatura há estudos que fizeram esse tipo de análise [sobre a saúde mental dos cientistas].

Mas também há otimismo. Temos aumentado nossa inserção no debate público, e nossa influência tem melhorado. Sou de uma época em que isso [a mudança climática] era uma coisa até ridicularizada. Hoje é muito menos. Nosso horizonte é de gerações. Não podemos perder de vista a expectativa de melhorar as possibilidades de as próximas terem uma sobrevivência, uma sobrevida confortável.

É claro que vai ser diferente. Cada vez mais a gente estamos convencidos de que nosso futuro vai ser muito diferente do presente. Mas precisamos nos preparar.

Trinta anos atrás, quando o sr. começou, o sr. imaginava que esta seria a situação atual do clima?

Não. Naquela época, nos primeiros modelos climáticos globais, ainda havia muita incerteza. Especialmente aqui, no Hemisfério Sul, tínhamos pouco conhecimento. Os modelos eram imprecisos, porque havia poucos dados. Mas fomos nos convencendo crescentemente de que as hipóteses [de que o clima ficaria desta forma] faziam sentido e que o prognóstico iria na direção que se imaginava.

Quais são os próximos passos do programa da Fapesp?

O conhecimento é infinito. Estamos sempre buscando inovações. Para mim, o programa precisa avançar em áreas sobre as quais não tivemos tanta oportunidade de gerar conhecimento. A questão econômica, por exemplo. Precisamos entender melhor como podemos ter uma economia de baixo carbono. Temos visto no Brasil o esforço de criar um mercado regulado de crédito de carbono. Há um campo para investigação bastante amplo.

Claro que bancos e instituições financeiras vão olhar para esse tema, mas também seria interessante que um programa científico resgatasse o interesse público nesse tipo de análise. Somos uma sociedade que precisa inserir nesse mercado de baixo carbono uma população que sequer tem os benefícios dos serviços de energia, por exemplo. É uma população que não consegue pagar suas contas de gás e luz.

Também acho que a comunidade de cientistas tem que entender a transversalidade do problema climático. O biólogo, o engenheiro e o arquiteto têm que dominar melhor aspectos que transcendem sua disciplina. Estamos trabalhando com questões que não pertencem a apenas uma disciplina. Precisamos nos educar, como cientistas, para sermos mais abrangentes, sem deixar de lado o rigor. Precisamos construir diversas pontes para acelerar a busca de soluções.