Leitores e leitoras,
O Boletim Contexto tem a enorme satisfação de trazer a vocês um post por muito tempo idealizado. Desde que assumimos a Comissão de Publicações, no início de 2017, publicar discussões sobre temas fundamentalmente analítico-comportamentais era um objetivo, algo que consideramos uma grande contribuição para a nossa comunidade. Discussões sobre questões em aberto, conceitos e teorias que estão em construção nos tempos atuais eram nosso plano. Entretanto, as preocupações sobre o formato e a a maneira de abordar os convidados foram postergando este tão almejado projeto, mas finalmente conseguimos. O que vocês lerão é um post bem mais extenso do que o esperado para um blog, mas certamente com a profundidade que o assunto requer.
Convidamos o Dr. André A. B. Varella e o Dr. João Henrique de Almeida, ambos professores e pesquisadores no campo do comportamento simbólico para comentar o polêmico artigo de Alonso-Álvarez e Pérez-González (2017) intitulado Contextual control over equivalence and nonequivalence explains apparent arbitrary applicable relational responding in accordance with sameness and opposition. Neste artigo, Alonso-Álvarez e Pérez-González colocam em cheque a necessidade de se explicar o responder relacional com as molduras de IGUALDADE e OPOSIÇÃO da RFT em uma tarefa de discriminação condicional com controle contextual. A seguir, apresentaremos brevemente cada convidado. A escolha da ordem de apresentação dos convidados e de seus comentários visou unicamente facilitar a compreensão para os leitores.
O Dr. André Varella é psicólogo (UFSJ), mestre em Educação Especial (UFSCar), doutor em Psicologia (UFSCar), com período sanduíche na Universidade de Nevada, em Reno (USA) e pós-doutorado no Laboratório de Estudos do Comportamento Humano (UFSCar). É docente permanente e vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Atua como editor associado da Acta Comportamentalia, Revista Brasileira de Análise do Comportamento (REBAC) e Revista Psicologia e Saúde, além de ser revisor de periódicos da área de Psicologia. É pesquisador associado do INCT-ECCE (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento Cognição e Ensino) e coordenador do Laboratório de Pesquisa em Autismo e Comportamento (LAPAC), desenvolvendo pesquisas sobre linguagem e cognição humana, com ênfase no desenvolvimento de intervenções comportamentais para pessoas com autismo, além de pesquisas para ampliar e aprimorar a atenção às pessoas com autismo na rede pública de saúde (SUS). É diretor clínico do iABA – Instituto de Análise do Comportamento Aplicada (em Campo Grande-MS), atuando no tratamento ABA de pessoas com autismo e outros distúrbios do desenvolvimento.
O Dr. João Henrique de Almeira possui graduação em Psicologia (UFSJ), é mestre em Análise do Comportamento (UEL) e doutor em Psicologia (UFSCar). Realizou estágio de doutorado no exterior na National University of Ireland – Maynooth (NUIM) na Irlanda. Trabalhou como Pesquisador Visitante na Ghent University (UGent), em Ghent na Bélgica. Atualmente é Professor Voluntário e bolsista Fapesp de pós-doutorado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar – Processo Fapesp 2014/01874-7), membro do Laboratório de Estudos do Comportamento Humano (LECH) e do Grupo de Pesquisa de Cultura, Linguagem e Comportamento Simbólico (CLiCS) e membro do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino (INCT-ECCE). É membro do corpo editorial da Psychological Record, Comportamento em foco e Editor convidado para o número atual da ACTA Comportamentalia e é revisor de periódicos nacionais e internacionais. Desenvolve pesquisas sobre processos comportamentais relacionados à linguagem e cognição humana especialmente pela perspectiva da Teoria das Molduras Relacionais (Relational Frame Theory-RFT), com foco em flexibilidade das redes relacionais, transformação e transferência de funções, investigação de vieses sociais e análogos experimentais de psicopatologias.
Iniciaremos pelos comentários do Dr. André Varella e em seguida passaremos aos comentários do Dr. João Henrique de Almeida. Leitores e leitoras estão convidados(as) a deixar também os seus comentários.
Nosso mais profundo agradecimento aos convidados por terem aceitado participar e por dedicarem seu precioso tempo na análise cuidadosa do artigo e de suas implicações.
Comentários do Dr. André A. B. Varella
O artigo de Alonso-Álvarez e Pérez-González, publicado em 2017 na revista Learning and Behavior, é importante por diversas razões. Além de apresentar dados consistentes e muito interessantes sobre a aprendizagem relacional humana, seus resultados trouxeram algumas reflexões importantes do ponto de vista teórico. Uma questão muito controvertida na análise comportamental dos processos simbólicos, e que persiste até os dias de hoje, diz respeito às origens das relações simbólicas e qual modelo mais parcimonioso para estudá-las. De modo mais genérico, a questão se refere a como a Análise do Comportamento explicaria a ocorrência de comportamentos novos de forma consistente, sem que haja uma história de aprendizagem direta pelas contingências de reforço.
O Paradigma de Equivalência de Estímulos (EE), proposto por Sidman e Tailby em 1982, consistiu em uma das primeiras propostas analítico-comportamentais para se investigar comportamentos ditos “simbólicos”. Ele oferece um sistema descritivo que operacionaliza as relações comportamentais, diferenciando as que seriam simbólicas daquelas não simbólicas. De acordo com esse modelo, para se classificar relações comportamentais como simbólicas, testes especiais deveriam verificar a emergência (ou seja, a ocorrência de comportamentos novos sem exposição direta às contingências) de três tipos de relações novas, denominadas propriedades: a reflexividade, a simetria e a transitividade. Essas propriedades definidoras das relações de equivalência foram propostas em uma analogia à Teoria dos Conjuntos da Matemática. Assim, estímulos de uma classe de equivalência (isto é, seus “elementos”) deveriam ser reflexivos (isto é, se aprendido que A1 equivale a B1, A1 deveria ser equivalente a A1, B1 deveria ser equivalente a B1 sem ensino direto), simétricos (se A1 equivale a B1, B1 deveria ser equivalente a A1) e transitivos (se A1 equivale a B1 e B1 equivale a C1, A1 deveria ser equivalente a C1). Portanto, as relações de equivalência deveriam apresentar essas propriedades emergentes, o que atestaria que os estímulos da classe seriam substituíveis entre si no controle do comportamento, exercendo função discriminativa e condicional de forma muito semelhante (mesmo sem uma exposição direta às contingências de reforço).
Ao longo da década de 80, diversos estudos empíricos investigaram diversas variáveis que interferiam na formação das classes (por ex., como o treino das relações era planejado, o repertório verbal dos participantes, quais procedimentos de treino e teste eram implementados). Um achado empírico muito importante consistiu na demonstração de que as relações de equivalência eram “válidas” em certos contextos, o que foi denominado de controle contextual (Bush, Sidman, & de Rose, 1989). Por exemplo, ao falarmos sobre grandes esportistas, poderíamos citar Pelé, Maradona e Serena Williams (que estariam, portanto, relacionados). Se a conversa mudar para o assunto de grandes escritores, poderíamos falar de Cecília Meireles, Jorge Luis Borges e Hemingway. No entanto, se falarmos sobre brasileiros famosos, poderíamos mencionar Pelé juntamente com Cecília Meireles, que não estariam relacionados em um contexto de esportistas ou escritores, mas que no contexto de brasileiros famosos poderiam estar relacionados. Igualmente, ao falarmos de argentinos e norteamericanos famosos, poderíamos citar Maradona juntamente com Jorge Luis Borges, e Serena Williams junto de Hemingway, respectivamente. Ou seja, as relações entre estímulos dependem de um contexto (que, inclusive, permite uma “reorganização” dessas relações).
Um grande debate se formou em torno da questão sobre as origens das relações de equivalência a partir da década de 90. Para Sidman (2000), as relações de equivalência seriam um produto direto das contingências de reforço, não sendo portanto necessário propor nenhum mecanismo adicional para explicar o fenômeno. No entanto, outros pesquisadores ofereceram explicações alternativas para a equivalência por meio da proposição de conceitos ou mecanismos novos, como por exemplo, a Teoria da Nomeação (Horne & Lowe, 1996) e a RFT, ou Teoria das Molduras Relacionais (Hayes, Barnes-Holmes, & Roche, 2001). Ambas teorias ganharam bastante notoriedade e estimularam diversas pesquisas. No entanto, a RFT se destacou nesse debate por afirmar ser a única a abordar outros tipos de relações simbólicas para além da equivalência, constituindo-se assim em uma teoria mais abrangente. A RFT propõe que a equivalência seria um tipo de comportamento simbólico, mas não o único, e que seu modelo explicativo daria conta de outras relações simbólicas, como as relações comparativas (maior que/ menor que), as relações de oposição, hierarquia, entre outras. Esta é uma crítica bastante difundida: o paradigma de Equivalência de Estímulos de Sidman não explicaria os outros tipos de relações simbólicas.
Por exemplo, se A equivale a B, e B equivale a C, pode-se derivar que A equivale a C. Porém, se A é oposto a B, e B é oposto a C, A não seria oposto a C, a relação derivada seria A equivale a C. A RFT coloca que, a depender da moldura relacional, as funções se transformariam (em vez de dizer que elas se transfeririam). No caso analisado, a relação de oposição não seria transitiva e as propriedades das relações de equivalência descritas por Sidman não descreveriam as relações que potencialmente emergiriam. Para a RFT, a emergência da relação A equivale a C após se aprender que A é oposto a B e B é oposto a C é possível pelo fato de este comportamento consistir em um padrão aprendido a partir de uma história de reforçamento, envolvendo uma aprendizagem de múltiplos exemplares de relações semelhantes, que estaria sob controle de dicas contextuais que selecionariam o padrão em questão (no caso desse exemplo, responder por oposição). Portanto, a RFT introduz novos conceitos e um novo mecanismo para explicar a emergência de novos comportamentos.
O estudo de Alonso-Álvarez e Pérez-González (2017) questiona empiricamente se haveria a necessidade de se admitir conceitos novos para explicar a questão da derivação de relações de equivalência e de oposição. Os autores levantam a hipótese de que conceitos já estabelecidos poderiam dar conta do fenômeno: a equivalência e o responder por exclusão. Nesse estudo, que contou com a participação de três estudantes universitários, um arranjo experimental bem interessante e complexo basicamente demonstrou que a emergência da relação A equivale a C após se aprender que A é oposto a B e B é oposto a C pode ocorrer pelo estabelecimento de relações de equivalência e de relações de não-equivalência. O ponto interessante é que o responder por equivalência e o responder por não-equivalência (exclusão da relação de equivalência) estariam sob controle de estímulos contextuais.
Inicialmente, os pesquisadores estabeleceram funções contextuais aos estímulos visuais abstratos X1 e X2. Primeiro, as discriminações condicionais AB e CD foram ensinadas (A1B1, A2B2, C1D1 e C2D2). Em seguida, os participantes aprenderam que diante de X1, as relações A1B1 e A2B2 seriam reforçadas; mas diante de X2, as relações reforçadas seriam A1B2 e A2B1. Um teste envolvendo as relações CD confirmaram que X1 e X2 estabeleceram contexto para relacionar C1D1 e C2D2 (se X1 estivesse presente) ou relacionar C1D2 e C2D1 (se X2 estivesse presente). Em uma etapa subsequente, as discriminações condicionais EF (E1F1, E2F2) e EG (E1G1, E2G2) foram ensinadas sem os estímulos contextuais. Na etapa de testes, os estímulos contextuais X1 e X2 foram introduzidos nos testes de relações emergentes FG e os resultados indicaram que, diante de X1, os participantes relacionaram sem treino direto F1G1 e F2G2, mas diante de X2, os participantes derivaram as relações F1G2 e F2G1. Em outras palavras, os resultados mostraram que X1 estabelecia o contexto para relações de equivalência e X2 estabelecia um contexto para excluir a relação de equivalência: diante de X1, se F1 então G1; diante de X2, se F1 exclui-se o equivalente G1 (escolhendo, portanto, o não equivalente G2).
O estudo ainda envolveu duas fases muito interessantes: uma que avaliou a transferência/transformação de função e outra que verificou se os estímulos X1 e X2 seriam funcionalmente equivalentes às dicas contextuais IGUAL e OPOSTO frequentemente utilizadas nos estudos baseados na RFT. Na fase que avaliou se as funções poderiam se transferir/transformar, os participantes (que haviam aprendido as relações IJ) foram submetidos a um treino de discriminação simples sucessiva com respostas diferenciais: diante do estímulo I1, a resposta correta seria pressionar a barra duas vezes; diante de I2, a resposta seria pressionar a barra cinco vezes. Testes introduziram os estímulos contextuais X1 ou X2 e verificaram quais respostas (se duas ou cinco) ocorreriam diante de J1 e J2. Os resultados indicaram que, diante de X1, J1 era pressionado duas vezes e J2 cinco vezes; diante de X2, J1 era pressionado cinco vezes e J2 duas vezes). Na última fase do estudo, os pesquisadores submeteram os participantes a tarefas em que deveriam escolher estímulos fisicamente mais parecidos ou mais dissimilares a outros diante dos estímulos contextuais IGUAL ou OPOSTO. Testes verificaram se IGUAL e OPOSTO eram intercambiáveis aos estímulos X1 e X2: os participantes selecionavam estímulos semelhantes diante de X1 e estímulos diferentes diante de X2 e relacionavam I1J1 e I2J2 diante de IGUAL, e I1J2 e I2J1 diante de OPOSTO.
Os resultados do estudo de Alonso-Álvarez e Pérez-González (2017) mostram a possibilidade de o controle contextual de dois padrões de respostas (responder por equivalência ou exclusão das relações de equivalência aprendidas – responder por não-equivalência) explicar o que a RFT denominaria de molduras relacionais de oposição. Ao final, os autores levantam um questionamento um tanto quanto curioso: seria possível analisar outras molduras relacionais por princípios comportamentais previamente estabelecidos, da forma como foi feito nesse estudo?
Os resultados do estudo são relevantes e provocativos por sugerirem uma explicação baseada em conceitos já estabelecidos, sem a necessidade de se postular novos conceitos, mecanismos ou processos novos. Ainda, a explicação oferecida, que é bastante razoável, se refere a um fenômeno até então considerado abordado apenas pela RFT (no caso desse estudo, as relações de oposição). Dessa forma, eles nos instigam a refletir sobre os nossos modelos de compreensão do comportamento simbólico. Independente do inquestionável valor que a EE e a RFT representam, pesquisas desse gênero testam os limites de nossas explicações teóricas e a capacidade de nossos modelos de investigação de lidar com fenômenos comportamentais complexos que ocorrem no mundo natural. Talvez as perguntas levantadas a partir dos resultados do estudo de Alonso-Álvarez e Pérez-González sejam mais importantes que as próprias respostas por eles apresentadas.
Referências
Alonso-Álvarez , B., & Pérez-González, L. A. (2017). Contextual control over equivalence and nonequivalence explains apparent arbitrary applicable relational responding in accordance with sameness and opposition. Learning and Behavior, 45, 228-242.
Bush, K. M., Sidman, M., & de Rose, T. (1989). Contextual control over emergent equivalence relations. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 51, 29-45.
Hayes, S. C., Barnes-Holmes, D., & Roche, B. (2001). Relational frame theory: A post-Skinnerian account of human language and cognition. New York, NY: Plenum Press.
Horne, P., & Lowe, F. (1996). On the origins of naming and other symbolic behavior. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 65, 185-241.
Sidman, M., & Tailby, W. (1982). Conditional discrimination vs. matching to sample: An expansion of the testing paradigm. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 37, 5-22.
Sidman, M. (2000). Equivalence relations and the reinforcement contingency. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 74, 127-146.
Comentários do Dr. João Henrique de Almeida
A Teoria das Molduras Relacionais, (Relational Frame Theory ou RFT), é uma proposta analítico comportamental para linguagem e cognição humana. Esta proposta tem como ponto central uma perspectiva funcional para o “comportamento verbal” em que a unidade de análise é um operante conhecido como responder relacional arbitrariamente aplicável. As raízes analítico-comportamentais dessa proposta, são com frequência explicitamente apresentadas como em Zettle, Hayes, Barnes-Holmes & Biglan (2016). O merecido crédito é também frequentemente destacado ao legado de Sidman, especialmente no que diz respeito a relações derivadas desde a apresentação inicial da RFT (Hayes, Barnes-Holmes, & Roche, 2001) e mesmo recentemente (Critchfield, Barnes-Holmes, & Dougher, 2018). Este paradigma foi sempre considerado como um tópico essencial para a evolução desta teoria.
Apesar de grandemente baseada em dados empíricos em quantidade abundante e crescente (e.g., O’Connor, Farrel, Munnelly, & McHugh, 2017, Hayes et al, 2001, Zettel et al 2016) as críticas a RFT ocorreram desde os primeiros anos do lançamento do livro até recentemente como o exemplo do texto aqui comentado (Alonso-Álvarez & Pérez-González, 2017). Neste trabalho, os autores realizam um procedimento de matching to sample, com a finalidade verificar se o controle contextual sobre relações de equivalência e não equivalência, permitiria o entendimento do responder relacional arbitrariamente aplicável (RRAA) em que com o estabelecimento de dicas contextuais, e o posterior ensino de discriminações contextuais, foi testada a transformação de funções operantes entre elementos relacionados a estas dicas de similaridade e oposição. Segundo os autores do trabalho, ao observar-se um efeito consistente para todos os três participantes, é seguro sugerir que o RRAA seja um efeito apenas aparente e não suficientemente documentado, podendo ser explicado de maneira mais parcimoniosa e com menos princípios comportamentais empregando equivalência e não equivalência. Os mesmos autores afirmam, em artigo mais recentemente publicado, ao mostrar que as dicas contextuais de oposição foram dicas para não-equivalência, que “é possível que outras dicas contextuais usadas nos estudos de RFT, como maior que, menor que, diferente e assim por diante não sirvam como dicas para o RRAA (…) e assim, outros processos possam explicar o RRAA aparente nesses estudos” (Alonzo-Alvares & Pérez-Gonzales, 2018). Finalmente, o argumento dos autores é de que, é uma explicação mais parcimoniosa empregar controle contextual de equivalência e não equivalência uma vez que envolverá apenas uma relação, a de equivalência, do que considerar o uso de dicas contextuais de similaridade e oposição. Assim, afirmam ainda que, com os dados observados, a proposta da RFT poderia ser negada se o RRAA fosse observado com outros procedimentos.
A proposta da RFT, como já amplamente discutida na literatura, teve uma forte base no Paradigma de Equivalência de Estímulos (Sidman & Tailby, 1982), porém, sua explicação de como ocorre a aprendizagem das relações derivadas é distinta. Procedimentos como os utilizados pelos autores não negariam esta proposição, pelo contrário eles foram essenciais nos momentos em que os primeiros experimentos desta natureza foram propostos. Um exemplo disso é que os mesmos argumentos dispostos pelos autores aqui, em relação as possibilidades de estabelecimento das relações de similaridade e oposição, por meio da discriminação condicional de segunda ordem, já foram apresentados em Steele e Hayes (1991).
Esse tipo de arranjo experimental foi importante, e de fato, é possível observar efeitos de similaridade e diferença, e eventualmente, também oposição, nestes procedimentos, empregando controle contextual de segunda ordem. O ponto crucial é que o fenômeno é observado sempre, mas a forma de explicar o processo, e a clareza e consistência com que diferentes procedimentos produzem replicações do mesmo, pode variar. Similaridade e diferença são duas das molduras de menor complexidade relacional e é também de conhecimento da RFT que quando se ensina similaridade, respostas controladas por dicas de diferença, principalmente, podem ocorrer (Barnes-Holmes, Barnes-Holmes, Luciano & McEntaggert, 2017). No estudo observado, em que foi utilizado um treino de discriminação condicional de segunda ordem, procedimentos empregando tipos diferentes de relação de controle (e.g., seleção, rejeição) potencialmente poderiam produzir efeitos similares aos de coordenação, diferença ou oposição (de Almeida, 2013). O ponto é que ao abrir mão do treino utilizando dicas contextuais que controlam com precisão o responder relacional nas mais diversas molduras relacionais possíveis, especialmente o efeito funcional pode apresentar muita variabilidade, como o observado nos dados em que dos três participantes do estudo de Alonzo-Alvares e Pérez-Gonzales, apenas um deles mostrou resultados consistentes nos testes de transferência de função.
A explicação do Responder Relacional Derivado a partir de discriminações condicionais de segunda ordem, embora possível, ao observarmos atentamente a proposta do RRAA, temos elementos para dizer que não é mais parcimoniosa. O RRAA, é um comportamento operante de ordem superior que tem o potencial para explicação da linguagem e cognição humana, sem adicionar nenhum principio comportamental novo aos já presentes na tradição analítico comportamental, (Hayes et al, 2001). Essa unidade de análise permite a integração de diferentes comportamentos humanos complexos. O estabelecimento de dicas contextuais e a observação da resposta de emoldurar elementos, respondendo relacionalmente de forma arbitrariamente aplicável é muito mais parcimoniosa. Principalmente por demonstrar inúmeras possibilidades relacionais e no estabelecimento das redes de estímulos não propor a aprendizagem de apenas relações entre estímulos específicos como A1 é similar a B1 e oposto a B2, mas sim, de um responder mais amplo e diversificado, em que aprendem-se classes de respostas complexas, como “responder por similaridade” e “responder por oposição” em que o único limite para o estabelecimento de redes relacionais é o próprio controle contextual pelas dicas contextuais.
O fenômeno observado, ou seja, como seres humanos relacionam estímulos, potencialmente ocorrerá independentemente de qual perspectiva teórica seja empregada na elaboração dos procedimentos, desde que elementos essenciais estejam presentes. Afirmar que o RRAA, grandemente documentado na literatura, é um efeito “aparente” na ausência da observação de evidências mais claras, não parece ser um argumento científico válido. Assim, é uma perspectiva extremamente otimista a dos autores, defender que a partir da produção de efeitos baseados em equivalência e não-equivalência, aproximando-se parcialmente do responder de similaridade e oposição, seria possível explicar relações mais complexas como relações dêiticas e relações hierárquicas. A proposta apresentada nestes últimos 30 anos pela RFT sugere uma revisão crítica da forma de tratamento das contingências na explicação do comportamento dos seres humanos, verbalmente capazes. A proposta da RFT é desafiadora por promover uma revisão de tudo que já conhecemos dentro da Análise do Comportamento, no que diz respeito a seres humanos verbalmente competentes. Essa revisão crítica é saudável e desejável, por mais tradicionais que determinadas explicações sejam, sempre devemos privilegiar as propostas mais econômicas e com maior potencial explicativo, e com evidências experimentais.
Referências
Alonzo-Álvarez, B., Pérez-González, L. A. (2017) Contextual control over equivalence and nonequivalence explains apparent arbitrary applicable relational responding in accordance with sameness and opposition. Learning and Behavior. DOI 10.3758/s13420-017-0258-1
De Almeida, J. H. (2013) Estudos experimentais sobre relações derivadas e transferência do significado. Tese de Doutorado. Universidade Federal de São Carlos.
Barnes-Holmes, D., Barnes-Holmes, Y., Luciano, C., & McEnteggart, C. (2017). From the IRAP and REC model to a multi-dimensional multi-level framework for analyzing the dynamics of arbitrarily applicable relational responding. Journal of Contextual Behavioral Science (JCBS). doi: https://doi.org/10.1016/j.jcbs.2017.08.001
Critchfield, T.S., Barnes-Holmes, D. & Dougher, M.J. Perspect Behav Sci (2018) 41: 9. https://doi.org/10.1007/s40614-018-0154-9
O’Connor, M., Farrell, L., Munnelly, A., & McHugh, L. (2017). Citation analysis of relational frame theory: 2009–2016. Journal of Contextual Behavioral Science, 6, 152–158.
Hayes. S. C., Barnes-Holmes, D., Roche, B. (2001). Relational frame theory: A post-Skinnerian account of human language and cognition. New York: Plenum Kluwer Academic
Sidman, M., & Tailby, W. (1982). Conditional discrimination vs. matching to sample: an expansion of the testing paradigm. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 37, 5-22.
Steele, D., Hayes, S. C. (1991).Stimulus equivalence and arbitrarily applicable relational responding. Journal of the Experimental Analysis of Behavior.56, 3,519-55.
Zettle, R. D., Hayes, S. C., Barnes-Holmes, D. & Biglan, A. (2016) The Wiley Handbook of Contextual Behavioral Science. John Wiley & Sons