Para muitas pessoas, dormir é um luxo, algo longe do alcance. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), até 40% da população pode sofrer de insônia em algum momento da vida. Esse valor pode variar de acordo com hábitos culturais, regionais, alimentares, religiosos, climáticos, condição socioeconômica, idade, entre outros. A fim de minimizar o problema, profissionais de saúde se mobilizam em diferentes frentes.
Recentemente, a 21ª Jornada do Departamento de Medicina realizado pela Santa Casa de São Paulo teve a insônia como tema. A neurologista Cristina Morotomi Funatsu Coelho, que coordenou o evento, lembra que a insônia é a sensação de não dormir ou a referência de sono insatisfatório, tanto em qualidade como na quantidade declarada pelo indivíduo.
“A frequência pode ser ocasional, aguda (uma semana) ou crônica (três noites por semana em período superior a um mês). Os sintomas principais da insônia estão ligados a fatores psíquicos e comportamentais, assim como doenças agudas e crônicas”, diz. Uma pesquisa recente realizada em empresas apontou que, de 15 mil executivos avaliados, 95,5% deles não mantêm uma alimentação equilibrada no dia a dia, 44% são sedentários e 31,7% têm índice elevado de estresse, o que contribui para a presença da insônia.
Mas Caio Soares, coordenador do estudo, começa a enxergar uma mudança positiva, apesar dos números parecerem jogar contra. “Esses indicadores têm permanecido estáticos nos últimos três anos, embora boa parte deles revelem intenção de mudança de hábitos alimentares e inclusão de atividades físicas na rotina.”
De fato, uma mudança de hábitos pode trazer mais qualidade para o sono. “Desde que passei a me exercitar e a praticar caminhadas diariamente, além de me alimentar de forma mais saudável, sinto que minhas noites de insônia reduziram muito”, diz o porteiro Ricardo de Jesus, 48 anos.
Privação e rebote de sono
De acordo com um estudo recente, a privação do sono é uma das principais causas da insônia. E isso pode afetar a imunidade das pessoas. É o que ficou comprovado no estudo de Francieli Ruiz da Silva, que faz doutorado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Nas últimas décadas, houve diminuição progressiva e importante na média da duração do sono, principalmente na segunda metade da noite, quando prevalece o sono REM”, diz.
Sob a orientação do psicobiólogo Sergio Tufik, diretor do Instituto do Sono (professor da Unifesp) e apoiado pela Fundação de Apoio a Pesquisa de São Paulo (Fapesp), o trabalho teve seus resultados publicados em artigo na revista Innate Immunity e foi premiado pela European Federation of Immunological Societies durante o 2º European Congress of Immunology, realizado na Alemanha.
Em entrevista à revista da Fapesp, a doutoranda explica que foram analisados 30 voluntários saudáveis, entre 18 e 30 anos, que dormiam no Instituto do Sono, divididos em três grupos. Aqueles que estavam no grupo controle tinham seu sono normal avaliado por meio do exame de polissonografia. Já os do grupo 2 eram monitorados e acordados por uma campainha cada vez que chegavam próximo da fase REM. Enquanto um outro grupo era privado do sono por 48 horas, com a ajuda de videogames, jogos de cartas, internet e eventuais chacoalhadas.
Nas três noites seguintes, dormiram normalmente e foram monitorados pela polissonografia para registrar o efeito rebote de sono. “A primeira noite foi tranquila, mas à medida que a demanda do organismo por sono REM foi se acumulando, foi ficando difícil. Esse estágio aparecia cada vez mais cedo, efeito conhecido como rebote de sono REM. Na quarta noite, eles mal cochilavam e já entravam na fase REM”, disse Francieli.
Portanto, à medida em que a privação do sono se acumula, além do prejuízo aparecer em forma de insônia, as pessoas ficam mais suscetíveis a doenças que afetam o sistema imunológico. “Essa imunoglobulina, presente na secreção de mucosas, está diretamente relacionada à proteção contra a invasão por patógenos. Isso poderia explicar porque a privação de sono REM poderia estar relacionada a uma maior suscetibilidade a doenças como gripes e resfriados, já descrita na literatura”, explica a doutoranda.
Medicamentos podem causar vício
O psiquiatra Altino Bessa Marques, de Rio Preto, observa que hoje cerca de 70% das prescrições de ansiolíticos (calmantes lorazepam, bromazepam, alprazolam, diazepan e clonazepam) são feitas por médicos não-psiquiatras e, com isso, existe o risco do excesso de medicação do portador de insônia. Assim, existe um sério risco da pessoa desenvolver tolerância (necessidade de aumentar a dose para ter o mesmo efeito inicial) e abstinência quando diminuem ou suspendem o remédio.
“A administração por mais de seis meses diariamente coloca a pessoa em risco de dependência (tolerância e abstinência)”, explica. Contudo, o médico entende que o uso eventual, pulando-se vários dias ou semanas para voltar a ingerir um determinado “calmante” (ansiolítico) pode ser benéfico em caso de insônia em alguma noite isolada, ou ainda em viagens noturnas desconfortáveis, com menor risco de dependência.
Evidente que, diante de situações em que há outras doenças associadas, como a síndrome do pânico, entre outras, é preciso que se amplie a utilização do medicamento (até duas semanas costuma ser seguro). Ansiedade Há aqueles que se queixam de um sono muito leve, que, em geral, está associado à presença de excesso de ansiedade. Nestes casos, também se observa um certo exagero no uso de medicamentos. Porém, o psiquiatra reconhece que os ansiolíticos são mais “gostosos” de tomar, pois podem levar a uma melhora da ansiedade em pouco tempo.
Mas alerta que isso não impede que a ansiedade volte e desencadear, por exemplo, episódios de ordem depressiva. “O bem-estar é rápido e o portador de transtornos ansiosos vai querer tomar outro assim que passa a boa sensação. E é aí que se instala a dependência. O mal-estar é criado pela falta do ansiolítico (iatrogenia)”, diz. Bessa observa que os antidepressivos são mais indicados para quadros ansiosos, daí porque são mais empregados em episódios de depressão (seja único ou recorrente) e associados aos estabilizadores de humor (carbonato de lítio, ácido valproico ou divalproato de sódio).
Adolescente dorme mais
A hebiatra Maria Cecília Nigro Batistela, de Rio Preto, observa que o sono é um importante fator de regulação da saúde física e mental. E, segundo a especialista, o adolescente necessita em média de nove horas de sono para compensar algumas horas perdidas durante a semana. Essa fase dura em média entre o final da adolescência e o início da idade adulta, por volta dos 20 anos.
Sono-vigília
Sono-vigília é determinado pela alternância de dois hormônios, que é a melatonina (neuro-hormônio produzido pela glândula pineal, indutor do sono), e sua produção é estimulada pelo escurecer, e o cortisol (hormônio produzido pela glândula adrenal) – responsável pelo despertar: “Ele nos prepara para atividade diurna e é estimulado pelo amanhecer”, explica a hebiatra.