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USP - Universidade de São Paulo

Datação em sítio arqueológico contraria teoria de povoamento da América

Publicado em 22 junho 2015

Por Marília Fuller

Escavações realizadas pela equipe de Fabio Grossi, doutorando do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP, dataram sedimentos associados a ocupações de grupos caçadores-coletores, que revelaram a idade de 14.500 anos, no sítio arqueológico Boa Esperança 2, na cidade de Boa Esperança do Sul, no interior de São Paulo. A pesquisa de Grossi é orientada pelo professor Astolfo Araújo, ligado ao estudo de povos paleoíndios e com a pesquisa de Walter Neves sobre Luzia, fóssil encontrado em Lagoa Santa, Minas Gerais, datado com 11.500 anos.

A datação de 14.500 anos foi feita em 2010 pela Faculdade Tecnológica (Fatec) de São Paulo por meio de uma técnica chamada Luminescência Oticamente Estimulada (LOE), na qual mede-se a quantidade de radiação solar recebida pelo solo enquanto ele estava exposto. Polêmica, a data encontrada por Grossi e sua equipe entra em conflito — assim como outras que têm surgido pela América — com as teorias de povoamento do continente americano, que, segundo os livros de História, teria acontecido há 12 mil anos, no final da Era Glacial.

A história de povoamento paleoíndio de São Paulo é, segundo Grossi, um pouco nebulosa: a maior parte dos estudiosos pesquisa os indígenas, que são povos mais recentes. São Paulo é tida como uma “terra de fronteiras”, onde diferentes povos e culturas indígenas teriam se encontrado, mas não é muito claro como e quando eles chegaram aqui devido a dificuldade em se datar sítios mais antigos nos quais, muitas vezes, os únicos vestígios são as pedras.

O sítio arqueológico Boa Esperança 2 foi identificado em 2003, por conta de uma vistoria arqueológica para um licenciamento ambiental, e está localizado às margens do rio Jacaré-Guacú. O rio, o qual já foi muito mais extenso do que é hoje, possui uma grande cascalheira, condição favorável à instalação desses povos paleoíndios devido a grande quantidade de pedras, sua matéria prima para a sua sobrevivência. O sítio alcançou 1,9 metros de profundidade em suas escavações e pode indicar uma transição do modo de vida nômade desses povos para o sedentarismo, devido a presença intensa de material arqueológico desde a superfície.

Novas pesquisas e datações

Devido a pouco financiamento, apenas uma datação foi feita à época — o que, nas palavras de Grossi, “não é suficiente na Ciência para comprovar algo e derrubar grandes teorias”. Agora em seu doutorado, com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a orientação do professor Araújo e trabalhando em conjunto com uma equipe de Geografia e Geologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e outra do Museu de Arqueologia e Paleontologia (MAPA) de Araraquara, voltou ao sítio Boa Esperança 2 para coletar mais amostras para novas datações.

As novas amostras serão mandadas para o laboratório Beta Analytic, na cidade de Miami, nos EUA. Segundo Grossi, a ideia dessa nova ida a campo é ratificar ou não se, de fato, a datação encontrada em 2010 é real, juntamente do mapeamento realizado pela equipe da Unicamp. “O pessoal da Geografia e da Geologia está fazendo o mapeamento pedológico do solo, datando os sedimentos que serão confrontados com a datação arqueológica para ver se ‘batem’”, completou.

O material escavado estava sobre uma antiga cascalheira com seixos muito grandes, o que, segundo Grossi, está associado ao fim da Era Glacial, que se deu a cerca de 10 mil anos atrás. Grossi explica que pedras de tamanho tão grande indicam um fluxo de água muito abundante, correspondente, no estudo geológico, a um período no qual o clima estava transformando-se de frio e seco para quente e úmido.

Grossi explica que as novas amostras permitirão fazer uma reconstrução em 3 dimensões de como era esse solo, ajudando-os a visualizar como se deu a deposição das camadas. Para reforçar as datas encontradas, a equipe pretende trabalhar em outros locais no estado, como o Sítio Carcará em São José dos Campos, sítios em Ouroeste, em Bauru e em Pitangueiras, além do Sítio Alice Boer em Rio Claro, com datação também de mais de 14 mil anos.

Mesmo que as datas encontradas em 2010 no Boa Esperança 2 se mostrem equivocadas após este novo estudo, Grossi ressalta que o sítio não deixará de ter sua importância. “Ele é muito específico, diferente dos outro sítios caçadores-coletores e, ainda assim, é de um grupo ancestral daquela região. Ainda que ele acabe não se mostrando tão antigo, é um dos primeiros grupos ocupantes daquela região, gerando muitos questionamentos”, completa.

Agência USP de Notícias

Mais informações: email fabiogrossi@usp.br