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Jornal da Cidade (Bauru, SP) online

Dados mostram que ciência brasileira é resiliente, mas está no limite (19 notícias)

Publicado em 12 de junho de 2021

Relatório da Unesco indica que, mesmo com redução drástica dos investimentos em pesquisa no País, produção científica brasileira segue crescendo – por enquanto

Resiliência, essa tem sido a principal característica da ciência brasileira nos últimos anos

Resiliência. Essa tem sido a principal característica da ciência brasileira nos últimos anos, segundo Hernan Chaimovich, Professor Emérito do Instituto de Química da USP e coautor de um relatório especial da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) sobre investimentos em pesquisa e desenvolvimento no mundo, no período 2014-2018. Os números mostram que, mesmo com uma redução drástica dos orçamentos destinados a ciência e tecnologia no Brasil, a produção científica do País continuou crescendo — pelo menos até agora. Estas informações foram retiradas do Jornal da USP.

“A característica fundamental da ciência e do cientista brasileiro é uma única palavra: resiliência”, destacou Chaimovich, no evento que marcou o lançamento do relatório no Brasil, realizado nesta sexta-feira, 11 de junho. “Mas a resiliência tem um limite”, completou o professor, que assina o capítulo brasileiro do relatório em parceria com o matemático Renato Pedrosa, especialista em políticas de ciência, tecnologia e educação superior, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

O brasileiro em geral está acostumado, por força das circunstâncias, a fazer muito com pouco; mas não existe milagre, especialmente na ciência. A redução do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) no período 2014-2018 (contemplado pelo relatório da Unesco) foi da ordem de 50%, segundo dados também compilados por Chaimovich e publicados na edição mais recente da revista Pesquisa Fapesp. E de lá para cá, a situação só piorou. De 2012 para 2021, a redução é de dramáticos 84% — de R$ 11,5 bilhões para R$ 1,8 bilhão, em valores atualizados pela inflação.

“Insisto: essa resiliência tem limite”, reforçou Chaimovich, que já foi presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a principal agência de fomento à pesquisa do governo federal — cujo orçamento foi drasticamente cortado, também, nos últimos anos. Uma das tendências que mais preocupam é a redução da oferta de bolsas de pós-graduação (mestrado, doutorado e pós-doutorado), que sustentam a maior parte da mão de obra da produção científica nacional. “A pós-graduação é a base na qual se sustenta a produção intelectual brasileira, inclusive a produção científica”, afirmou Chaimovich.

Essa produção é medida, principalmente, pelo número de trabalhos científicos publicados em revistas internacionais, que vem aumentando linearmente há muitos anos no Brasil (e no mundo). Apesar de todas as dificuldades, o País se mantém como o 13º maior produtor de conhecimento científico no mundo, com participação em 372 mil trabalhos publicados internacionalmente no período 2015-2020, segundo um relatório recente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), organização social vinculada ao MCTI. Isso equivale a 3% da produção científica mundial acumulada no período. Os principais temas abordados pela ciência brasileira nesses últimos cinco anos, segundo o relatório, foram educação, biodiversidade, nanopartículas, pecuária e agricultura.

De um ponto de vista mais amplo, segundo os dados apresentados no relatório, o investimento total em atividades de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico (P&D) no País, proporcionalmente ao seu produto interno bruto (PIB), aumentou de 1,08% em 2007 para 1,34%, em 2015, depois caiu para 1,26%, em 2017. Hoje estima-se que esteja em torno de 1% (ou menos); bem abaixo do nível de países desenvolvidos, como os Estados Unidos e Alemanha (que se aproximam de 3%), e da China (2,2%), que se consagra no relatório da Unesco como a nova grande potência do setor.

Os números do gigante asiático são impressionantes. Entre 2008 e 2018, a China aumentou em 225% seu gasto bruto com pesquisa e desenvolvimento (GERD, na sigla em inglês), quase empatando com os Estados Unidos no top do ranking de países que mais investem nessa atividade — mesmo em momentos de crise ou recessão econômica.

INTENSIDADE DE INVESTIMENTO

Olhando para o cenário global, os dados da Unesco mostram que houve um aumento significativo, de 19%, nos investimentos globais em pesquisa e desenvolvimento no período 2014-2018, além de um aumento de quase 14% no número de cientistas no mundo. O que é positivo. Porém, o relatório destaca que esse crescimento se deu de forma bastante desigual pelo mundo — puxado em grande parte pela China, Estados Unidos e União Europeia. A desigualdade de gênero também permanece alta: apenas 33% dos pesquisadores no mundo em 2018 eram mulheres, comparado a 28% em 2013.

No Brasil, os dados mostram uma descentralização regional importante dos gastos com pesquisa e desenvolvimento nos últimos anos. O Estado de São Paulo permanece como o grande polo de produção científica e tecnológica brasileiro, concentrando cerca de 70% dos gastos com P&D no Brasil em 2017; um número ainda alto, porém menor do que os 83% de 2002. Com o colapso do orçamento do MCTI nos últimos anos, porém, é possível que essa concentração volte a crescer. “Tirando São Paulo, os outros Estados dependem do governo federal”, ressaltou Pedrosa, da Unicamp. Na questão de gênero, as mulheres são maioria (54%) no número de doutores formados no País já há alguns anos; mas ainda há desigualdades importantes a serem equacionadas no mercado de trabalho, em termos de contratação e salários.

Do ponto de vista temático, a Unesco chama a atenção para a necessidade de mais pesquisas voltadas para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), envolvendo assuntos como mudanças climáticas, segurança hídrica, segurança alimentar, energias limpas, justiça social e pobreza. Apesar do aumento global do número de publicações científicas nos últimos anos, muito desse crescimento foi mais direcionado para áreas como Inteligência Artificial e robótica, e muito menos para temas urgentes de sustentabilidade, como sequestro de carbono da atmosfera e substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis.

MOMENTO SIMBÓLICO

A cientista social Marlova Noleto, representante da Unesco no Brasil, disse que o relatório chega num “momento simbólico”, em que, “cada vez mais, todos nós reafirmamos a nossa aposta no poder da ciência”.

“Apesar dos bolsões de negacionismo, da disseminação da desinformação — as famosas fake news — e do ressurgimento de trágicos e tristes movimentos antivacina, a ciência segue se mostrando potente e vitoriosa, e cada vez mais importante para todos nós”, afirmou Marlova. “No último ano, todos nós sonhamos com uma vacina. E o que proporcionou essa vacina? A cooperação científica internacional”, ressaltou. Os dados do relatório mostram que a cooperação internacional entre cientistas aumentou globalmente de 18,6% em 2011 para 23,5%, em 2019. Nesse quesito o Brasil vai bem: 34% das pesquisas publicadas por cientistas brasileiros são feitas em colaboração com colegas de outros países.

Os desafios impostos pela pandemia desde o início de 2020 serviram para expor tanto pontos fortes quanto vulnerabilidades do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação. O Brasil é um dos países que mais produziram conhecimento científico sobre Covid-19 até agora, e a capacidade do Instituto Butantan e da Fiocruz de absorver rapidamente a produção de vacinas desenvolvidas com tecnologia estrangeira é, também, prova da resiliência e da qualidade científico-tecnológica instalada nas instituições de pesquisa do País, avalia Chaimovich. Por outro lado, a falta de investimentos tem atrasado o avanço de vários projetos de desenvolvimento de vacinas nacionais, que são essenciais para garantir a autonomia do País no enfrentamento da pandemia a médio e a longo prazo.

“Se o investimento tivesse sido adequado, pelo menos três vacinas brasileiras já estariam no mercado”, aposta Chaimovich — referindo-se a projetos liderados por cientistas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP; do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da USP; e do Centro de Tecnologia de Vacinas da Universidade Federal de Minas Gerais (todos apoiados pela Rede Vírus, do MCTI). “Uma lição que deve ficar é a necessidade de agilidade”, completa Pedrosa.

Vários outros projetos de desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19 também são liderados por pesquisadores da USP, como mostra esta reportagem do Jornal da USP.