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Da porta de banheiro para a pesquisa acadêmica (1 notícias)

Publicado em 19 de abril de 2009

Quando crianças, os filhos do professor da USP Américo Pellegrini Filho conheceram vários países do mundo. Nessas viagens, ajudaram o pai numa inusitada tarefa: registrar, com fotos, todo tipo de mensagem escrita, desde adesivos de "bebê a bordo" em carros até inscrições em monumentos históricos, como a Torre Eiffel, passando por frases de porta de banheiro.

"Eu pedia para eles prestarem atenção em qualquer coisa curiosa na rua. Criei esse hábito neles", diz Pellegrini. A peregrinação começou em 1987 e só terminou 20 anos depois, provavelmente com a mais extensa pesquisa acadêmica sobre o que Pellegrini chama de "folclore urbano".

O resultado disso é o livro Comunicação Popular e Escrita (Editora Unesp), que reúne mais de 14 mil desses registros, coletados em 107 países. "Comecei sem saber como ia terminar. Foi uma gostosa loucura", diz Pellegrini, de 73 anos, sobre a experiência.

O interesse sobre o tema começou em sua tese de doutorado, cujo tema era o folclore escrito. "Percebi que só se falava de manifestações folclóricas orais. Mas havia as escritas, tipicamente urbanas", diz o pesquisador. Foi aí que ele decidiu ampliar sua pesquisa e rodar o mundo atrás de tudo que lhe parecesse interessante.

Pellegrini fotografou mensagens em portas de banheiros, cartazes de fiado, inscrições em lápides. Durante quase todo o tempo, bancou seu trabalho do próprio bolso – só entre 2000 e 2001 ganhou uma bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e foi para Grenoble, na França, que lhe serviu de base para visitar quase toda a Europa.

Além dos filhos e da mulher como ajudantes informais, Pellegrini contou com contribuições de alguns pesquisadores e amigos, mas quase tudo foi tocado por ele mesmo. O material presente no livro, que inclui um CD com as imagens, traz registros engraçados (confira ao final do texto uma galeria com algumas dessas mensagens).

Num túmulo de um cemitério de Hamburgo, na Alemanha, está escrito: "Não chore na frente da minha sepultura. Eu não estou aqui. Eu não morri." Uma criança de Dublin, na Irlanda, escreve a Papai Noel pedindo presentes e, como agradecimento, diz que vai lhe deixar um copo de Coca na cozinha.

Isso sem contar as "latrinálias", nome dado à sabedoria popular de banheiro. Numa delas, o autor credita à humorista Dercy Gonçalves a seguinte máxima: "Aqui neste lugar humilde/onda toda vaidade acaba/é que o fraco faz força/e todo valente se caga." Pellegrini diz que seu trabalho mostra como o folclore urbano é universal.

"As mensagens de fiado começaram a aparecer nos séculos XVII e XVIII, na França, e hoje são vistas em qualquer lugar do mundo." Outra conclusão do estudo é o caráter democrático dessas manifestações. "Tanto o pobre quanto o milionário colocam adesivos nos carros. E não há diferença de classe social para quem escreve em porta de banheiro. Ali é um momento de catarse. Sem ninguém olhando, a pessoa escreve o que bem entender."

Para Pellegrini, a importância do livro está no fato de ser a primeira vez que um objeto tão popular é tratado em nível acadêmico na área de comunicação. O pesquisador fez uma classificação da comunicação popular escrita com 22 categorias, para uso universal. "Sem modéstia, acho que dei uma contribuição inédita para o assunto." Lançamento do livro terá "folclore in loco"

Embora avesso a fotografias de si próprio (é por isso que não há imagens do autor nesta reportagem), Pellegrini quer chamar a atenção do público no lançamento da obra, no dia 6 de maio, em São Paulo. Durante o evento, um homem do realejo vai distribuir mensagens sobre o destino.

Outra manifestação de "folclore in loco" será a pintura de "lameiros" (peças de caminhão) com frases escolhidas pelos visitantes. "Quero reproduzir o espírito do meu livro."