Este menino não é muito certo da cabeça, só pensa em insetos, dizia a mãe. O menino - José Roberto Postali Parra - continuou a pensar em insetos durante 30 anos, e só lhes deu uma trégua ao assumir, em janeiro deste ano, a direção da Esalq - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP em Piracicaba. Trégua, não, porque antes virou a cabeça de muitos alunos, que continuam, como ele, a pensar, a pesquisar e a promover a guerra entre insetos. Dois tornaram-se empresários e criam pragas agrícolas e seus predadores, e os vendem aqui e no exterior.
Até a década de 40, ninguém pensava em controle biológico; era tudo na base de inseticidas e daqueles bravos, que traziam aos agricultores e aos consumidores mais problemas que soluções. Antes de ser proibido, o DDT chegou a render o Prêmio Nobel de Medicina/1939 ao químico suíço Paul Hermann Müller pela descoberta da eficácia desse organoclorado no extermínio de pragas em vegetais e animais, aparentemente sem prejuízo ao homem e à natureza. Hoje é diferente; valorizam-se métodos menos agressivos, não-químicos, ecologicamente corretos. Ou ainda químicos, mas aplicados racionalmente, no lugar certo e na hora certa. Assim se combate, por exemplo, o bicho-furão dos citros, uma praga que era responsável por prejuízos de US$ 50 milhões/ano no Estado de São Paulo. Depois de quatro anos de pesquisa patrocinada pela Fundecitrus, a equipe do professor Parra sintetizou o feromônio, um atrativo sexual que, na forma de pastilha, colocado espaçadamente no pomar, captura os machos. Nesse momento, entra em ação o pulverizador, exterminando a praga.
A questão das técnicas biológicas é cultural e só a minoria dos produtores está informada sobre as vantagens de seu uso sobre os produtos químicos. Assim que as pragas surgem na lavoura, eles costumam correr aos revendedores de inseticidas e aplicam o veneno, muitas vezes sem os cuidados necessários e na dose errada. O que sobra, estocam para uso posterior. O imediatismo dos resultados é norma e nisso está uma das diferenças em relação ao controle biológico, que é lento e de preferência preventivo, que demanda tecnologia, muitas vezes é lento e não provoca desequilíbrios.
Mais limpo, mais barato - Mas cadê a fábrica de insetos? Está lá, quase no Centro de Piracicaba. Há dois anos, aproveitando o Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe), da Fapesp, e os ensinamentos do professor Parra, Danilo Pedrazolli e Diogo Rodrigues Carvalho, estudantes de pós-graduação, associaram-se na BUG Agentes Biológicos, onde produzem dois parasitóides de nomes latinos, como costuma ser na ciência: Cotesia flavipes e Trichogramma galloi. Ambos atacam a broca-da-cana, o primeiro alimentando-se do bicho vivo; o outro, destruindo os ovos.
Na primeira das duas unidades da fábrica só trabalham mulheres. São mais delicadas e têm mais jeito do que os homens para lidar com bichinhos quase microscópicos. No momento, são 33 e antes de serem admitidas passaram por testes de três dias para, entre outras coisas, comprovar que não têm alergia às escamas das mariposas ou aos produtos de laboratório. Na sala maior, climatizada e rigorosamente esterilizada, trabalha a maior parte delas. Na mesa, caixinhas com lagartas da cana e frascos com parasitóides. Seu trabalho: pegar lagarta por lagarta e oferecê-las ao parasitóide fêmea - identificado pela presença de antenas - para que a pique e nela deposite os ovos. As lagartas parasitadas, como barrigas de aluguel, desenvolvem os seus próprios inimigos, de 50 a 100 por unidade; as larvas dos parasitóides formam casulos que são liberados no campo em copos e, alguns dias depois, viram vespinhas à procura de comida, a broca-da-cana. O ciclo todo - mariposa pondo ovos, tratamento e colocação dos ovos em placas, depois em frascos com dieta rica em proteína, vitamina, sais minerais, carboidratos, esteróis e lipídios para que a lagarta fique gordinha e forte, oferecimento ao parasitóide, transferência para frascos de massa e, finalmente, nascimento de outros parasitóides - dura de 30 a 40 dias. Cada estágio tem sua sala e suas funcionárias. Se os insetos não forem liberados em no máximo quatro dias, morrem. Para prolongar a vida, são guardados em geladeira, onde hibernam como os ursos polares, completamente imóveis.
Desde o ano passado, a empresa dos ainda alunos produz insetos de diferentes espécies, capazes de controlar também lagartas que atacam culturas como tomate, soja, algodão e milho. O número de insetos necessários para o bom êxito do controle biológico depende de cada cultura. No caso da cana-de-açúcar, liberam-se 6 mil parasitóides por hectare, e o melhor momento para soltura é a partir da formação de três colmos (nós) da cana.
Fazer a avaliação prévia, verificar os resultados e ensinar a técnica aos trabalhadores da fazenda cabe à empresa. A assistência faz parte dos contratos e do compromisso com a Fapesp, que financiou os materiais e equipamentos. Considerando a mão-de-obra, os deslocamentos dos técnicos, os materiais, além da criação do parasitóide, cada hectare tratado sai por até R$ 17,00. Bem abaixo do custo do veneno químico, que, na mesma área, não fica por menos de R$ 45,00. O inimigo natural das lagartas parasita as brocas, matando-as mesmo em locais de difícil acesso aos inseticidas.
Para a cana-de-açúcar, a Cotesia flavipes já é conhecida há muito tempo - desde os anos 60 na Europa - e no Brasil existem cerca de 40 produtores do inseto. Os alunos da Esalq foram pioneiros na broca Trichogramma galloi, que, atacando os ovos, tem a vantagem de evitar a eclosão de lagartas, prevenindo danos. Associando os dois insetos, com três liberações de T. galloi e uma de Cotesia, a redução das pragas chega a 60%. Nas culturas de tomate, muito sujeito a pragas, um cliente de município baiano conseguiu reduzir em 70% o uso de inseticida químico.
Já se vê que os pedidos chegam de vários Estados e também do exterior. Agora mesmo a fábrica está trabalhando a todo vapor para atender um cliente da Suíça que comprou 10 quilos de ovos de insetos, para entrega em dezembro. É ovo que não acaba mais. Cada grama tem 36 mil; façam as contas para dez quilos. Serão necessários 70 dias para produzi-los. Depois é despachar via correio; em 30 horas chegam ao destinatário europeu. Preço? Oito mil dólares. É claro que na Europa não há cana-de-açúcar; o controle biológico se faz em outras culturas. Os ovos servem também para a criação de outros insetos benéficos.
Uma das objeções dos leigos no assunto ao controle biológico vem do receio de que os insetos criados em laboratório transformem-se também em pragas. O professor Parra afasta a possibilidade: "O leão jamais se tornará herbívoro. O inseto contra a praga só ataca a praga".
O problema de quem se dispõe a criá-los em larga escala é outro. Danilo Pedrazolli diz que, ao iniciar a produção na sua empresa, a técnica que aprendeu na universidade não funcionou cem por cento e teve de ser alterada quase na totalidade. É que a pesquisa não levava em conta problemas como contaminação do ambiente em laboratório ou o surgimento de fungos que punham em risco toda a produção. Daí porque a higiene é fundamental. Ninguém toca em coisa alguma a partir da primeira porta sem esterilizar as mãos, e até a presença de visitas não é recomendada.
Vencer fungos é mais fácil do que resistir às pressões dos fabricantes de inseticidas químicos, que no Brasil movimentam cerca de 2,5 bilhões de dólares por ano. Os ecologicamente incorretos não deveriam sentir-se tão molestados: o controle biológico não atinge mais que 0,5% da área plantada de cana-de-açúcar.
Notícia
Jornal da USP