Com aula inaugural na Sala do Conselho Universitário, a USP dá início ao Curso de Especialização em Museologia - uma iniciativa inédita que visa à melhoria dos acervos e à capacitação de profissionais da área.
A partir deste semestre, o Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP passa a oferecer o Curso de Especialização em Museologia, com apoio da Fundação Vitae. A aula inaugural - proferida pela pesquisadora e consultora Solange Godoy - foi no dia 5 de agosto na Sala do Conselho Universitário da USP. Estiveram presentes o reitor da USP, Jacques Marcovitch, o pró-reitor de Cultura e Extensão Universitária, Adilson Avansi de Abreu, diretores de centros e institutos especializados, professores, pesquisadores e estudantes. "O curso representa um caminho aberto para a melhoria e a criação de novos centros de difusão científica, cultural e de pesquisa, os museus", analisa Cristina Oliveira Bruno, coordenadora do curso. "É um programa inédito no Brasil, que permite reunir competências dispersas, sistematizando a formação e a experiência desses especialistas", afirma Paula Montero, diretora do MAE.
Para o pró-reitor Adilson Avansi, a Universidade está vivendo um momento de grande renovação em seu contexto museológico. "Os acervos são instrumentos extremamente importantes para a pesquisa e, de um modo geral, para a educação", enfatiza. "A implantação desse curso vem em um momento otimista porque, hoje, estamos observando que, além dos museus universitários, as unidades de ensino e pesquisa têm dado cada vez mais atenção aos acervos que formaram durante suas existências."
Durante seu discurso, Marcovitch ressaltou que, ao contrário da "fragmentadora" cultura universitária - em que grupos de pesquisa vão se especializando cada vez mais em determinados temas -, a cultura dos museus é essencialmente integradora. "Nos museus observamos que todas as áreas do conhecimento vão interagindo para oferecer ao visitante a informação e o saber em uma escala de tempo mais longa", disse o reitor. "Esses locais oferecem a sabedoria integrada e impregnada de valores humanos e é essa a dimensão de que mais carece a juventude atual."
Segundo o reitor, o mundo vive uma era marcada pela informação cada vez mais acessível que, ao invés de libertar, oprime. "Hoje vemos a tirania da comunicação, que passou a ser arquiteta das mentalidades, tornando-as homogêneas e deixando a dimensão criadora do ser humano cada vez mais limitada." Marcovitch acrescentou: "Assim, temos nos museus uma esperança na qual o jovem possa encontrar o sentido de sua historicidade. A Universidade vê na atividade mu-seológica a fonte da sabedoria e por isso daremos prioridade a esse setor".
De acordo com Marcovitch, a Reitoria já destinou uma área, com acesso pela avenida Corifeu de Azevedo Marques, para a construção de um grande complexo de museus. A área destinada aos acervos tem 120 mil metros quadrados, dos quais 40 mil de terreno plano. "Este grande complexo já tem projeto pronto e a Reitoria está em fase, agora, de captação de recursos externos."
Visitas e estágios
O curso terá duração de três semestres letivos - o que corresponde a uma carga de 825 horas - e sua estrutura está apoiada em cinco tipos de atividade. Inicia-se pelo núcleo de disciplinas básicas, às quais cabe apresentar e discutir os fundamentos conceituais da museologia, seguidas por uma série de seminários, responsáveis pela informação mais específica ou interdisciplinar. "Esses seminários desdobrarão aspectos metodológicos e técnicos, com o objetivo de explicitar as múltiplas possibilidades de aplicação da museologia e suas interfaces com outras áreas do conhecimento", ressalta Cristina.
Os seminários dividem-se em temáticos e intensivos. "Os primeiros apresentarão as perspectivas interdisciplinares e acompanharão o desenvolvimento conceituai das disciplinas básicas", continua. "Os intensivos, por sua vez, aprofundarão as questões técnicas ligadas à conservação e comunicação."
Com custo total de R$ 900,00 por aluno, o curso prevê visitas técnicas e estágios de 120 horas, cabendo à produção de uma monografia o papel de conclusão do curso. Ao longo do curso serão organizadas visitas às diversas instituições do País, de acordo com o desenvolvimento da grade curricular e dos seminários. Nesse sentido, a cada início de novas turmas será elaborada a programação dos museus a serem visitados. "Esta atividade estruturadora procurará propiciar aos estudantes não só o conhecimento dos projetos que estão em desenvolvimento em diferentes instituições, mas também prepará-los para a análise crítica sobre os processos museológicos", pondera Cristina.
Por meio de estágios supervisionados pela coordenação, os alunos deverão atuar, no âmbito da aplicação da disciplina, em projetos institucionais devidamente comprometidos com a orientação do curso. A proposta para a elaboração de monografia será parte integrante do processo seletivo e ao longo do primeiro semestre de aulas os alunos deverão escolher seus orientadores, como também desenvolver seus respectivos projetos. O último semestre deverá ser dedicado, especialmente, ao processo de orientação e término da elaboração das monografias. O projeto gráfico de folders e cartazes do curso é criação do professor Francisco Homem de Melo, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP.
São 36 alunos das mais variadas áreas do saber, como artes plásticas e engenharia. A historiadora Ana Carla Alonso, formada no final do ano passado pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, é estagiária do MAE e encontrou no curso uma oportunidade voltada para sua capacitação profissional.
"O que mais me chamou a atenção é o fato do curso ter características profissionalizantes, ou seja, aliar teoria e técnica, essenciais para a atuação nessa área." O peruano Júlio Vera Del Carpio, engenheiro formado pela Escola Federal de Engenharia de Itajubá (Efei), Minas Gerais, considera a iniciativa muito importante porque mostra que sua formação está extremamente ligada ao contexto no qual estão inseridos os museus. "Preciso ter o domínio de conceitos para poder aplicá-los em questões que envolvam o espaço de acervos como reservas técnicas, sistemas de climatização e iluminação, laboratórios e mecanismos de adaptação das obras. Como esse universo é vasto, espero ter condições de, em breve, projetar um museu coerente com os avanços tecnológicos."
Reserva de humanidade
Segundo a coordenadora Cristina, a programação será organizada a cada dois anos, coincidindo com o início do curso. O elenco de professores convidados para os seminários previstos é formado por profissionais atuantes nas mais diversas áreas da museologia e dos museus, compondo um quadro heterogêneo, tanto de assuntos tratados quanto de abordagens. Por isso, a aula inaugural contou com a experiência da especialista Solange Godoy, que atuou como pesquisadora do Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro e há mais de 30 anos se dedica ao assunto. Solange proferiu a palestra intitulada "Museu: uma organização em face das expectativas do mundo atual", na qual traçou um panorama a partir dos anos 60, época em que sua profissão começava a se firmar no Brasil.
"Num mundo em rápida mutação e crescente globalização, informação e comunicação serão vetores de força incontestáveis", ressalta Solange. "O museu é uma organização que deverá acompanhar o seu tempo, com agilidade bastante para não perder o trem da história."
Para a professora, em um país como o Brasil, onde 30% da população está inteiramente marginalizada e onde há a maior desigualdade social, segundo relatório recente da Organização das Nações Unidas (ONU), a instituição museu deverá ter consciência de sua função social indispensável. "Apesar da globalização, da realidade social adversa, do fascínio do efêmero, da preferência pelo espetáculo ao invés da reflexão, acredito que o museu possa desempenhar papel importante na evolução social do País", afirma. "Convivemos hoje com vários tipos de museus, com modelos desfocados ou atuais, com museus engajados ou integrados à realidade brasileira e outros nem tanto, com museus neoliberais e museus com forte compromisso social. Mas se meus votos são um sonho, uma utopia, não faz mal, pois teremos sempre que buscar uma utopia para modificar o mundo."
Notícia
Jornal da USP