Considerada uma das mais promissoras terapias de combate aos tumores hematológicos dos últimos tempos, as células CAR T foram usadas, pela primeira vez, na América Latina para tratar um paciente terminal de linfoma não Hodkings avançado, com prognóstico de menos de um ano de vida. O procedimento experimental foi realizado por médicos e pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP/USP) em setembro e resultou na remissão da doença.
Embora não necessariamente signifique a cura — entre 20% e 30% das pessoas com linfomas e leucemias tratadas com esse tipo de célula, do próprio paciente, têm recidiva em alguns anos —, o homem de 63 anos não apresenta mais os sintomas que tinha ao dar entrada no Hospital das Clínicas da FMRP. Antes de se submeter ao procedimento, ele sofria de perda acentuada de peso, suores noturnos e muitas dores, o que obrigava os médicos a tratá-lo com dose máxima de morfina. Agora, voltou a engordar, não tem mais sudorese nem precisa do forte opioide. Os médicos responsáveis ressaltam que, apenas daqui a três meses, será possível avaliar se a remissão foi completa ou parcial, mas estão otimistas com o tratamento. Hoje, o paciente terá alta.
Células CAR T são retiradas do paciente e modificadas geneticamente para que, quando reintroduzidas no organismo, formem um exército robusto de soldados que mirem um alvo específico do tumor, o destruam e mantenham intactas as estruturas saudáveis do organismo. Mesmo depois de matar as células doentes, elas ficam em alerta na corrente sanguínea para que, ao identificarem uma tentativa do câncer de reaparecer, o ataquem novamente. No Brasil, esse tratamento não está disponível. Nos Estados Unidos e em países que exportaram a tecnologia, o preço pode ultrapassar US$ 1 milhão.
O tratamento bem-sucedido foi realizado no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir de uma pesquisa que está sendo realizada na universidade, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). De acordo com os médicos que desenvolveram a metodologia nacional, o custo foi de apenas R$ 150 mil. Essa terapia, porém, ainda é experimental e não está disponível.
O paciente, diagnosticado em 2017 e sem sucesso nas diversas quimioterapias desde então, foi beneficiado pelo chamado uso compassivo, quando já não há nenhuma opção e, portanto, é possível tratá-lo com métodos experimentais. A equipe da USP, composta por 20 pesquisadores, desenvolve o método nacional de células CAR T há quatro anos.
“Trata-se de uma tecnologia muito recente e de uma conquista que coloca o Brasil em igualdade com países desenvolvidos. É um trabalho de grande importância social e econômica para o país”, afirmou à Agência Fapesp Dimas Tadeu Covas, coordenador do Centro de Terapia Celular (CTC) da USP. De acordo com Renato Cunha, médico e pesquisador do CTC, a intenção, agora, é ampliar o protocolo do estudo e atender mais voluntários. Ele contou ao Jornal da USP que outros dois pacientes com linfomas graves estão perto de receber a infusão das células reprogramadas.
Entusiasmo
O hematologista Alexandre Caio, do Instituto OncoVida/Oncoclínicas, está entusiasmado com o anúncio do tratamento feito pelos colegas de São Paulo. Ele conta que um de seus pacientes participou de uma pesquisa em Israel com células CAR T, e apenas a infusão saiu por US$ 70 mil, mesmo sendo experimental. “É um procedimento inviável no cenário brasileiro. Quando você tem um tratamento exitoso e célere como o da USP no cenário do Sistema Único de Saúde, isso é fantástico. Dá ao paciente do SUS a esperança de ter essa possibilidade de tratamento. É algo que poderá beneficiar todos os brasileiros. Esse tipo de pesquisa nos dá orgulho do SUS, orgulho da medicina pública e mostra que é preciso investimento nas universidades, nos hospitais universitários”, defende.
Caio ressalta que, mesmo nos Estados Unidos, onde está aprovado desde 2018, o tratamento com células CAR T para linfomas e leucemias não é indicado como primeira linha, ou seja, a primeira opção. Para chegar a ele, a resposta do paciente às linhas à base de quimioterapia têm de ter falhado. O hematologista lembra que, com os quimioterápicos, as chances de cura de tumores hematológicos chegam a 90%, dependendo do estágio da doença. Outra possibilidade das células CAR T, diz Alexandre Caio, é fazer a ponte entre o tratamento padrão e o transplante de medula óssea.