A profusão de programas de baixo conteúdo informativo na televisão, justificados em sua mediocridade pelo desejo de não "encher a cabeça" do telespectador, que desejaria "apenas se divertir", tem vários efeitos perversos. O principal deles é levar à generalização de que tudo o que a TV produz é pobre ou, pelo inverso, de que qualquer outro meio de informação presta melhores serviços à cultura e à educação. Outro efeito, não menos predatório, é o de fomentar a idéia de que os programas com melhor conteúdo são "chatos", podendo ser, portanto, substituídos pela primeira banalidade de auditório que o controle remoto captar.
Um firme golpe contra essas noções distorcidas será dado a partir desta noite, na TV Cultura. Estréia às 21 horas a série em cinco episódios "Genoma: Em Busca dos Sonhos da Ciência", dirigida pela jornalista Mônica Teixeira. A ambição do programa é, em si mesma, uma evidência de que o veículo privilegiado do escapismo e da burrice pode ser, quando usado com sabedoria, uma ferramenta poderosa de difusão de conhecimentos e de entretenimento em alto nível. Porque a série documental pretende mostrar nada menos que um dos mais complexos problemas científicos da atualidade - a decifração dos genes do DNA, o ácido que contém a chave, ou o código, de todas as formas de vida - de uma maneira que possa interessar e divertir o telespectador comum.
Para lograr esse objetivo, Mônica Teixeira parte de um recurso inteligente: "romancear" a própria reportagem, fazendo-se personagem de uma aventura rumo ao conhecimento ou uma incursão nos mistérios da ciência. Atribuindo uma certa dimensão épica às pesquisas internacionais da genética, e sobretudo aos trabalhos do Projeto Genoma, o maior e mais caro plano de investigação da ciência brasileira, ela substitui a imagem de frieza, racionalidade extrema e monotonia associada à faina dos cientistas pelas emoções das descobertas, dos desafios vencidos, do generosos sonhos de superação humana pela via do conhecimento. Assim, revela que aqueles sisudos senhores de avental são tão dotados de sensibilidade quanto os artistas que choram nos programas de auditório. E leva o telespectador a surpreender-se e emocionar-se junto com ela, a cada passo que dá na compreensão do tema escolhido.
Dirão os céticos que um produto como "Genoma: Em Busca dos Sonhos da Ciência" só poderia mesmo ser realizado numa emissora pública como a Cultura, sem compromissos com os índices de audiência. O grosso calibre do conteúdo, a própria idéia de falar de ciência em pleno horário nobre, seriam impensáveis em nossas emissoras comerciais, dadas as suas necessidades de atrair o grande público e mantê-lo conectado. Não haveria como a ciência competir com as bundas cantantes dos grupos de axé, por exemplo. Mas isso faz pensar em como poderia evoluir a televisão brasileira, se houvesse um pacto sério entre as emissoras pela qualidade. Se contivessem seu entusiasmo pelas atrações rasteiras e investissem mais em programas de nível, tratando assuntos sérios com a dose de espetáculo capaz de torná-los palatáveis.
Nos anos 80, a série "Cosmos" sobre astronomia, foi líder de audiência no Japão, no horário nobre Questão de educação do público tarefa que não é de responsabilidade exclusiva da TV - mas na qual, queira ou não, ela também tem o seu quinhão.
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Gazeta Mercantil