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Crise climática: estudo aponta que seca no Cerrado é a pior em pelo menos 7 séculos (60 notícias)

Publicado em 29 de junho de 2024

Estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e publicado na revista Nature Communications indica que a seca no Cerrado brasileiro é sem precedentes, pelo menos nos últimos 700 anos.

Segundo os autores, o aquecimento global na região central do país tem sido mais intenso, sendo o aumento das temperaturas cerca de 1 °C acima da média global, que é de 1,5 °C. A condição tem gerado um distúrbio hidrológico: a temperatura próxima ao solo está tão quente que uma parte significativa da água da chuva evapora antes de se infiltrar no terreno. A anomalia traz diversas consequências, como mudanças no padrão de chuva, que está mais concentrada em poucos eventos, e menor recarga nos aquíferos, o que pode afetar o nível dos rios tributários do rio São Francisco.

Para chegar a essa conclusão, o trabalho apoiado pela FAPESP e pela National Science Foundation, dos Estados Unidos, revisou os dados de temperatura, vazão, precipitação regional e balanço hidrológico da Estação Meteorológica de Januária – uma das mais antigas de Minas Gerais, com registros iniciados em 1915 – e os correlacionou com as variações da composição química de estalagmites de uma caverna no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, situada no mesmo município.

“Com o uso de dados geológicos foi possível expandir a percepção da seca causada pelo aquecimento global para um período bem anterior ao dos registros meteorológicos. Dessa forma, conseguimos fazer a reconstituição do clima até sete séculos atrás. Isso permitiu não somente provar que o Cerrado está mais seco, mas que a origem dessa seca tem relação com o distúrbio do ciclo hidrológico causado pelo aumento da temperatura induzida pela atividade humana na emissão de gases do efeito estufa ”, afirma Francisco William da Cruz Junior, professor do Instituto de Geociências (IGc-USP) e um dos autores do estudo, que foi liderado por Nicolás Strikis, do mesmo instituto.

“A mensagem é que não há paralelo com a seca que estamos vivenciando atualmente. É importante frisar que identificamos uma tendência de aumento da temperatura que começa nos anos 1970, mas o fato é que ainda não atingimos o pico de aquecimento. Portanto, a expectativa é que esse fenômeno piore ainda mais”, informa Cruz à Agência FAPESP.

A Caverna da Onça, onde foram coletados os dados químicos das estalagmites, é diferente das demais estudadas pelo grupo, porque é aberta e localizada no fundo de um cânion com 200 metros de profundidade e está sob influência da variação de temperatura externa. Fica localizada no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu e serve de hábitat para uma onça, daí o nome.

“Trata-se de um trabalho inédito, pois geralmente estudamos cavernas em um ambiente fechado, com a circulação de ar muito restrita e a temperatura estável ao longo do ano. A conexão da Caverna da Onça com o clima externo nos permitiu avaliar que a seca também altera a química das formações rochosas de cavernas [espeleotemas]. O aumento da evaporação causada pelo maior aquecimento diminui a recarga de água que alimenta os gotejamentos na caverna. Foram essas mudanças químicas na rocha, associadas à evaporação da água, que nos mostraram que estamos vivenciando uma seca sem precedentes”, explica.

Inovação

O trabalho integra um projeto de pesquisa que visa reconstituir a variabilidade do clima e das mudanças climáticas durante o último milênio por meio de registros de formações rochosas que ocorrem dentro de cavernas e anéis de crescimento de árvores.

“A nova metodologia e a validação dos dados do nosso trabalho abrem caminho para que mais estudos em outras cavernas, de outras regiões e biomas, sejam realizados. Com esse tipo de abordagem será possível ter uma reconstituição do clima do país de uma forma mais precisa”, afirma.

Geralmente, os estudos geológicos utilizados para fundamentar a teoria do aquecimento global são feitos a partir de amostras de testemunhos de gelo [retiradas de geleiras nos polos]. “A inovação do nosso estudo está em utilizar os dados químicos de espeleotemas para identificar variações dos ciclos hidrológicos e associá-los às mudanças geradas pelo aumento da temperatura nos trópicos”, explica Cruz.

O grupo também tem conduzido estudos de paleoclima com base em árvores fósseis encontradas no mesmo parque nacional, trabalho realizado em parceria com um grupo de biólogos que integra o Projeto Temático. “São fósseis de umburanas encontrados dentro das cavernas e que ficaram protegidos da luz por mais de 500 anos. Somando os resultados do nosso estudo com o que está sendo realizado nas árvores fósseis, obtivemos dados independentes sobre esse mesmo fenômeno”, conclui.