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Diário de S.Paulo

Criatividade organizada (1 notícias)

Publicado em 25 de maio de 2004

Por MAURO MALIN
Os brasileiros têm talento para improvisar — infelizmente, até aqui, a grande maioria o faz na adversidade. E são um dos povos mais empreendedores do mundo, constatam estudos. Há criatividade, portanto. Mas ela não vira produto e não aumenta a riqueza e o bem-estar sem canais adequados e um certo grau de organização. Impulsos desarticulados se perdem. Dois exemplos de criatividade cultivada merecem atenção. O primeiro ainda está em gestação e destina-se a aproveitar o potencial do universo digital. Trata-se da Incubadora Virtual de Conteúdos Digitais da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). O segundo, a Escola Tempo & Espaço, é antigo e, embora lide com o pensamento, tem tradução no mundo das coisas feitas com as mãos. No projeto da Incubadora Virtual, Luciano Ramalho ajuda a criar condições para o melhor aproveitamento da internet2, quando ela vier. O projeto da internef2 reúne universidades americanas, Governo e empresas no desenvolvimento de uma nova geração da rede mundial de computadores. Uma espécie de pista livre protegida da balbúrdia e do congestionamento — há quantidades absurdas de lixo digital — que hoje caracterizam a web. Ramalho é o pioneiro no Brasil da plataforma Zope, ferramenta de código aberto (software livre) usada para desenvolver sites. A Incubadora da Fapesp experimenta ferramentas de desenvolvimento de portais para serem usadas por leigos. É uma maneira de eliminar a barreira técnica que hoje embaraça muitos interessados em criar conteúdos na rede. Durante anos se deu importância insuficiente à transparência — no sentido original da palavra — dos programas que permitem publicar páginas na internet. É como se, para tocar piano, fosse indispensável saber ajustar os martelos que percutem as cordas. "Estamos montando protótipos para que as pessoas façam seu próprio site", diz Luciano Ramalho. Os protótipos serão usados, por hipótese, para que professores de geografia dispersos em diferentes escolas colaborem na montagem de um site sobre a Região Metropolitana de São Paulo. Produtores e diretores de peças de teatro ou filmes poderão compartilhar com atores e técnicos todas as informações necessárias, desde texto até desenhos ou fotos de cenários ou figurinos. Radiologistas disporão de galerias de imagens médicas. Esses grupos não precisarão estar na universidade para se candidatar a verbas de apoio da Fapesp. Impossível prever como as pessoas vão se apropriar dos módulos disponíveis. Tendo acesso à plataforma administrativa, não dependerão de alguém que domine os códigos. Estímulo para uma inventididade desembaraçada, e multiplicada pela colaboração que está no DNA da internet. A Tempo & Espaço foi criada em São Paulo em 1983 por José Carlos Moreira Teixeira, presidente do Instituto de Marketing Industrial. Sua finalidade é desenvolver o potencial criativo no campo da tecnologia. Os trabalhos envolvem "sucatas e idéias, brinquedos e cacarecos, máquinas e trecos, traquitanas tecnológicas, artefatos voadores, construção de papel e cozinha maluca". Os alunos — meninos e meninas de 5 a 14 nos, divididos em quatro faixas etárias — aprendem fazendo. Devem pensar no invento durante sua execução, planejar etapas, escolher materiais, selecionar ferramentas, testar e mudar de rumo, se for o caso. Trazem suas idéias e, com o professor, procuram concretizá-las. Na unidade da Granja Vianna (há outra na Vila Madalena), um prédio com raras paredes internas, o coordenador, Orlando Lobosco, aponta um aluno de 12 anos que cria um carrinho para carregar pasta de executivo em aeroporto, com controle remoto. O garoto finaliza um alarme que soaria caso alguém tirasse a pasta do carrinho. Nessa faixa etária, diz Lobosco, são abordados conceitos científicos, mas sempre com o sentido do concreto. "O conceito pedagógico se apóia na arte do fazer e no espírito empreendedor", explica. "Sonhar com o absurdo permite obter lucro quando se traduz em coisas exeqüíveis". Mauro Malin é jornalista