Notícia

Jornal do Brasil

CRIANDO O COMPUTADOR DE AMANHÃ

Publicado em 05 setembro 1995

- A nata da computação mundial está chegando ao Rio. Entre os dias 18 e 22 deste mês, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) estará organizando, no Hotel Glória, o Chep '95 (Computação na Física de Altas Energias). Para quem não lembra, esta disciplina da física foi, recentemente, responsável, num esforço mundial de cérebros, pela descoberta do Top Quark. É a primeira vez que o Brasil é incluído no circuito da Chep. Responsável pela vinda da conferência ao país, o professor titular do CBPF, Alberto Santoro, foi um dos cientistas nacionais que, além do Top Quark, participou de outro grande projeto da computação de alto desempenho: a construção, entre 84 e 87, do ACPI, da primeira geração de computadores paralelos. Até então, os computadores não passavam— com licença poética da ciência — de meras máquinas de calcular dotadas de pensamento linear. Dois anos depois, sairia do forno a segunda geração de computadores paralelos, o ACP2, que até hoje é usado no CBPF. Não que não existam computadores melhores, mas, como todo bom cientista nacional bem sabe, falta de verbas já virou clichê num país que pouco investe em pesquisa e educação. Animado com a chance de o Brasil poder sediar um evento deste porte, Santoro está fazendo os últimos ajustes para receber cerca de 300 participantes — 250 estrangeiros — para a conferência, cujas sessões plenárias serão transmitidas, através de videoconferência via internet, para o resto do mundo. Santoro lembra que quem quiser participar deve ligar para o fone (021) 542-3837. — Qual a importância da Chep' 95 (Computing in High Energy Phy-sics) para o Brasil? — A importância desta conferência é múltipla, no sentido de trazer para o país uma atividade que é exercida — principalmente no mundo desenvolvido — de pesquisa de fronteira em computação. Essa é a maior conferência de três comunidades: da computação científica, da indústria da computação e da de físicos que trabalham com computação. E um encontro para discutir problemas de fronteira. Isso devido à tradição que existe dentro da física de altas energias de contribuir com o desenvolvimento de hardware e software em computação. Um exemplo mais recente é a WWW (World Wide Web), um mecanismo que foi criado por uma necessidade interna da física de altas energias, de discussão permanente sobre o andamento das pesquisas na área. — Uma revolução... — E que hoje talvez seja o maior meio de comunicação existente na face da Terra e que está provocando um novo pensamento diferente de redes, de computação, de como aumentar as taxas de transmissão e recepção, de como fazer uso deste grande instrumento que atinge toda a sociedade. — Quais são as principais novidades da conferência? — São várias. (Olhando no Mosaic o site http://www.Iafex.cbpf.br/con-ferences/chep95/chep95.html). Ao todo, são seis seções. Nas quais vão ser discutidos problemas com análise de dados, com acesso e estocagem de dados, com aquisição de dados e gatilhos. Além disso, colaboração em nível mundial — como videoconferência, redes, informações on-line e publicações eletrônicas.Também estaremos discutindo ferramentas e linguagens, sistemas e infra-estrutura de sistemas tanto em hardware quanto em software. Na parte de análise, por exemplo, há uma seção sobre Realidade Virtual (RV). — O que será mostrado? — Estamos pensando em mostrar Realidade Virtual com telepresença, por exemplo. Você constrói um robô para andar nos esgotos da cidade e, com a RV, visita esse esgoto como se estivesse lá. O robô faz o que você estaria fazendo se estivesse lá. Outros exemplos são operações médicas a longa distância e, na construção civil, na pintura de apartamentos. — A área de armazenamento é um assunto muito quente. Vem gerando muitas discussões ao redor do mundo no que toca a velocidade de acesso e transição de mídias. O que vai ser mostrado na Chep'95? — Sim, é um assunto muito quente. Em física de altas energias, nós enfrentamos o seguinte problema: temos uma colaboração de muitos físicos trabalhando juntos e uma produção de eventos muito grande. Hoje, uma amostra de dados nada absurda para nós é da ordem de 40 terabytes (trilhões de bytes). Então imagine 800 pesquisadores acessando essa quantidade de informações ao mesmo tempo. Suponha que pelo menos metade deles acesse simultaneamente. Você cai num problema de acesso, transmissão e estocagem de dados de uma forma fantástica. A consulta a esta amostra não é uma coisa trivial, não existem discos dessa proporção. A solução é multiplicar os que existem. Aí, surge um robô que regula tudo isso. No Fermilab (Laboratório Nacional do Acelerador Fermi) nos Estados Unidos, existe um que tira e põe fitas de vídeo de 8 milímetros (que armazenam até 10 gigabytes, dependendo do tipo de compressão) em altíssima velocidade. Esse é um problema muito sério e interessa a todo o mundo resolvê-lo. — E quanto à transição das mídias, que acontece de forma cada vez mais rápida hoje em dia? Essas mídias mudam a toda hora e migrar de uma para outra, para preservar a memória da humanidade, se tornou um problema estratégico. — Eu não acredito que isso vá parar tão cedo. Toda vez que há uma transição dessas, para nós é um trabalho que Deus nos acuda. Já passei por diversas transições. A última foi durante dois experimentos dos quais participei no Fermilab. Mas isso tudo é um negócio seriíssimo porque a gente quer sempre que a transferência de um dado que está armazenado de uma forma, na migração para outra, preserve toda a qualidade do daquele dado. Outra novidade na manga? — Gostaria de anunciar em primeira mão um evento de extrema importância. No ano que vem, vai ser realizada, durante todo o ano, a Internet 1996 World Exposition, organizada pelo Carl Malamud, que é o presidente da Internet Mul-ticasting Services, com sede em Washington. A idéia do Malamud é realizar esta feira em nível mundial. O que é um evento extremamente interessante. A essa iniciativa, apoiada pelo governo americano, já aderiram o Japão e alguns países asiáticos e europeus. É uma iniciativa que vai transcender o desenho de feiras atuais. Vai ser uma feira global. — Dentro da Internet ou com o auxílio dela? — O que está-se pensando em fazer é uma grande via com altíssima velocidade para isso. Você vai poder visitar o resto do mundo a partir daqui. Vai poder expor seu produto em todo o mundo. Se o Brasil não se meter nesta — aliás, não tem nem como não se meter — será muito triste. — Mas até lá o Brasil tem um problema gravíssimo por solucionar que é o das linhas telefônicas. — Certamente isso não vai ser possível com esta infra-estrutura hoje instalada. Vai ter que ser montada uma especialmente para isso. Inclusive, o Malamud vai dar uma palestra no primeiro dia para expor o projeto. Quem quiser saber mais sobre a feira, pode conferir no endereço http://park.org/fair ou http://www.town.hall.org/fair/ (procurando no Mosaic). — Já existe no Brasil uma maior consciência, por parte do governo e da iniciativa privada, no que diz respeito a se investir em ciência? — Acho que sim. Existe a possibilidade de se melhorar muito a situação atual. O que acho que está acontecendo são algumas incompreensões, até mesmo por inexistência de contato, de esforço conjunto sobre uma série de situações. Há falta de verbas, o governo tem uma vontade muito grande de colocar as coisas para a frente, mas é preciso passar para a realidade. O Brasil tem um enorme parque humano disponível, capaz, como tem o resto do mundo, o que dá uma oportunidade fantástica para que a gente pegue esse trem. É um trabalho sem preconceito de área: tem que permear completamente toda a sociedade. — Em termos de computação do próximo milênio, quais são os desafios a serem vencidos? — A estocagem de dados ainda está longe de ser vencida. A velocidade de acesso aos dados, a comunicação entre a entrada e a saída de dados, estão longe da estabilidade. São tecnologias com desafio permanente. Acho que a CPU está mais avançada do que as outras partes e do que a forma de tratá-las. O software está bem aquém do que a gente gostaria. Temos tem que chegar num ponto em que se converse com o computador, sem se ter que escrever. As atuais linguagens de programação — os Fortrans, os C++, os Cobol — vão fazer parte da pré-história. — A Inteligência Artificial (IA) avançou pouco nos últimos tempos. . — A Realidade Virtual, aliada à telepresença, vai criar uma revolução. Você não consegue passar sem a IA dentro destes mecanismos. Quanto ao fato de não termos avançado muito em relação a ela, às vezes, descobre-se uma tecnologia avançada demais para sua época. Ela precisa esperar um pouco até que seu tempo amadureça. O sapo, por exemplo, aquele modelo da Citroen, foi avançado demais para a época. Se você inventar hoje um software genial em cima do que a gente está pensando, não vai ter máquina para ele. É preciso muito cuidado para analisar coisas que têm sua época certa. E essa época certa às vezes é imposta, criada. — Além dessa fusão da RV com a telepresença, quais são as outras tendências mais em voga hoje na computação de alto desempenho? — O paralelismo ainda é a grande tendência só que para os periféricos. E ainda vai evoluir muito, pois hoje ainda está engatinhando. A maioria das tecnologias leva muitos anos até deslanchar, como é o caso das redes neurais, da lógica nebulosa, dos algoritmos genéticos. A própria programação orientada a objetos, hoje em voga, existe desde 68 e ficou em estado semi embrionário até dois ou três anos. — A cultura de redes está cada vez mais forte no mundo graças à Internet? — A cultura de redes, hoje, é uma das condições para se sobreviver. Sem ela, o homem não sobrevive. Quem desaparece com isso é a TV. Telefone, TV e computador vão ser uma coisa só. Aquele conceito de Aldeia Global, do McLuhan, só virou realidade com a Internet. Ninguém segura mais a rede. Se existe democratização da informação, isso só é possível através dela. E isso que ela ainda está nascendo...