Mais da metade da população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau. Tal situação tem impactado a desnutrição e a obesidade entre as crianças e adolescentes. Enquanto uma em cada dez crianças de até 5 anos está acima do peso no Brasil, o número de crianças sob risco de morte por desnutrição severa cresce cada vez mais.
O 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, divulgado em 8 de junho, revela que, somente neste ano, mais de 33 milhões de pessoas não têm o que comer. O problema de insegurança alimentar está associado não somente aos altos níveis de desnutrição, mas também à obesidade.
A desnutrição e a obesidade são dois polos extremos e opostos do estado nutricional de uma pessoa, que pode variar de casos com desnutrição mais grave até a obesidade mórbida. Nesse intervalo, existe diferentes aspectos que podem modificar o estado nutricional da pessoa, entre eles está a carência específica de alguns nutrientes, o excesso de peso, deficiências de minerais e vitaminas.
Segundo a Revista Fapesp, o risco de obesidade é de 45% maior entre adolescentes cuja dieta é baseada em ultraprocessados. “Isso acontece quando há falta de acesso a uma alimentação de qualidade, pela renda insuficiente, e se utiliza como estratégia para matar a fome o consumo de alimentos de baixo custo e alto teor calórico, como os ultraprocessados, ricos em gorduras e açúcares. São produtos que saciam, mas não nutrem”, explica a gerente da Associação Prato Cheio, Nuria Chaim.
Segundo o pediatra, nutrólogo e coordenador do Centro de Excelência em Nutrição e Dificuldades Alimentares (CENDA) do Instituto Pensi, Dr. Mauro Fisberg, a forma de combate ideal para a desnutrição e para a obesidade é a prevenção.
No caso da desnutrição, a prevenção baseia-se em manter o estado clínico, condições de avaliação nutricional adequada e, especialmente, praticar atividades físicas adequadas. O acesso à alimentação saudável também é fundamental.
O nutrólogo explica que a falta de acesso à alimentação no dia a dia faz com que exista uma consequência a longo prazo de perda de peso e perda de velocidade de crescimento da estatura, fazendo com que a criança tenha alterações antropométricas, além de deficiência de nutrientes essenciais para o desenvolvimento e imunidade, como ferro, cálcio, zinco, as vitaminas A, C e D e vitaminas do complexo B.
Os casos de desnutrição mais graves acometem as crianças menores, podendo ter início até mesmo no período gestacional caso a mãe não esteja no estado clínico nutricional adequado. O nutrólogo conta que quanto maior a carência nessa faixa etária, maiores as chances das consequências graves.
“À medida que a criança cresce, existe menor gravidade do processo de desnutrição, porque ela passa a ter uma capacidade de defesa e condição de resposta maior às carências. Ela pode ter menor taxa de crescimento, mas tem menor risco de perder a vida”.
No entanto, a criança ainda pode ter consequências cognitivas no seu desenvolvimento. Além da perda de peso, estatura e velocidade de crescimento, ela pode sofrer deficiência imunológica, infecções, doenças cardíacas, respiratórias, dermatológicas e até mesmo a morte.
Já nos casos de obesidade, a prevenção é feita através da manutenção da qualidade de vida. “Atividade física adequada, manutenção de um equilíbrio alimentar correto, análise do peso e estatura rotineira. Tudo isso pode determinar os ganhos de peso inadequados”.
O pediatra explica que para a prevenção do excesso de peso é necessário haver uma integração de todos os setores da sociedade, “passando pela responsabilidade do sistema de saúde, dos governos, dos gerentes de saúde e do acompanhamento das famílias.”
Segundo dados da OMS, divulgados em 2021, 340 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 19 anos apresentam sobrepeso ou obesidade. A obesidade infantojuvenil pode ser difícil de identificar, visto que, por estar em fase de crescimento, as crianças naturalmente ganham peso e estatura. Portanto, é necessário cuidado com os excessos.
“O controle deve ser muito bem-feito pelo pediatra, para que a família saiba se o ganho de peso está associado à condição normal da idade, ou se está havendo uma descompensação do peso”.
O excesso de peso abre possibilidade de risco de vida no futuro e desenvolvimento de doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes, alterações do desenvolvimento, da mobilidade e modificações comportamentais. Além disso, a criança pode passar por situações de assédio, bullying e gordofobia.
Existem diversos meios de tratar a obesidade, que variam de acordo com a faixa etária da criança e adolescente e do grau do excesso de peso. “O tratamento pode passar desde uma modificação do estilo de vida em que você simplesmente vai mudar o padrão da alimentação, das atividades físicas e condições de doenças paralelas, até um tratamento mais complexo, com a necessidade de equipes multiprofissionais, com avaliações de psicólogo, nutricionista e terapeuta”.
Em alguns casos, medicamentos injetáveis e até mesmo a cirurgia, que é restrita ao adolescente e ao adulto, são recomendados.
Já o tratamento da desnutrição é realizado através de programas de avaliação nutricional, vigilância e avaliação de risco da ingestão de alimentos por parte da população. Nuria afirma que os programas que promovem segurança alimentar devem se preocupar não somente em oferecer alimentos, mas principalmente alimentos de qualidade.
“Oferecer alimentos naturais como frutas, legumes, verduras; oferecer refeições com arroz, feijão, farofa e tudo que nós conhecemos e faz parte do nosso hábito e cultura alimentar. Oferecer refeições feitas de ‘comida de verdade’, como ouvimos tanto hoje em dia, é fundamental em todas as idades”, explica.
O terceiro setor é grande aliado no combate à insegurança alimentar. Para Nuria, as ONGs formam um tecido social de proteção às pessoas em situação de vulnerabilidade. “Organizações que entregam refeições às pessoas em situação de rua, às famílias sem renda, que oferecem serviço de amparo a crianças, idosos, têm um papel fundamental. Se mostraram extremamente ágeis para chegar muitas vezes onde o poder público não chega, para atender pessoas que ficam ‘invisíveis’ à sociedade”.
Análises do que pode acontecer com a população que não está tendo acesso aos alimentos também são fundamentais, de acordo com o nutrólogo. “Toda pesquisa para a prevenção e condutas de tratamento são muito importantes para esses problemas que podem ser causados a longo prazo”, explica.
O Instituto Pensi desenvolve atividades de avaliação tanto na área de nutrição quanto na área de imunidade, que são congruentes para a prevenção dos processos de carências nutricionais. No CENDA, são desenvolvidos estudos epidemiológicos nacionais e internacionais para avaliação do estado nutricional e fatores associados a doenças da população latino-americana.