Cresce a ansiedade desde o início da pandemia de coronavírus
Mais de metade da população adulta do Estado de São Paulo afirma sentir começou, revela uma pesquisa feita pela internet com 11.863 indivíduos por cientistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Para 39% dos entrevistados, sentir-se triste ou deprimido passou a ser algo rotineiro durante a quarentena e quase 30%, que antes dormiam bem, começaram a enfrentar problemas de sono. Os dados foram coletados entre os dias 24 de abril e 24 de maio por meio de questionário on-line. Em seguida, foram calibrados com base nos indicadores da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD, 2019) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de modo a apresentar a mesma distribuição por sexo, faixa etária, raça e grau de escolaridade da população paulista.
“Um dos objetivos da iniciativa foi avaliar o estado de ânimo dos brasileiros durante o período de isolamento social e os resultados mostram que, nesse aspecto, os adultos jovens [entre 18 e 29 anos] foram os mais afetados: 54,9% com tristeza frequente e 69,7% com ansiedade frequente, enquanto entre os idosos esses percentuais foram, respectivamente, 25% e 31%”, conta Marilisa Barros, professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp e coordenadora do estudo ao lado de Célia Landmann Szwarcwald (Fiocruz) e Deborah Carvalho Malta (UFMG).
Na comparação entre os sexos, as mulheres apresentaram percentuais bem mais elevados do que os homens: 48,4% se sentiram tristes ou deprimidas com frequência e 60,1% ansiosas ou nervosas, enquanto entre os homens os índices foram 28,5% e 40,6%, respectivamente.
Para 26,5% dos participantes, a saúde como um todo piorou após o início da pandemia. Cerca de 40% começaram a sofrer de dores na coluna e 56,6% dos que já tinham um problema crônico nesse sentido (32,7% da mostra) relataram aumento na dor. O percentual de indivíduos considerados fisicamente ativos (mais de 150 minutos de exercícios por semana) caiu de 30,5% para 14,2%. Por outro lado, o hábito de assistir televisão por três horas ou mais aumentou de 21% para 52% e o uso de tablet ou computador por mais de quatro horas diárias passou de 46,2% para 64,3%.
“O aumento no sedentarismo e no tempo em frente a telas já era esperado, mas o percentual de pessoas com dores na coluna foi algo que nos surpreendeu. Acreditamos que isso tenha relação com as mudanças nas atividades habituais. Mais pessoas passaram a se dedicar às atividades domésticas, por exemplo”, avalia Barros.
A pesquisa revela ainda uma piora nos hábitos alimentares dos paulistas. O percentual dos que comem verduras e legumes ao menos cinco dias por semana caiu de 42% para 35,9%, enquanto o consumo de alimentos considerados não saudáveis (em dois ou mais dias por semana) cresceu: congelados passou de 8,6% para 13%; salgadinhos de 8,5% para 13,7%; e chocolate de 46,5% para 52,7%.
Também foi observado um maior consumo de bebida alcoólica e tabaco no período. “Embora felizmente o número de fumantes em nossa população seja pequeno [15,7% da mostra], 28% deles disseram estar fumando mais cigarros por dia. O aumento foi maior entre as mulheres [31,5%] do que entre os homens [24,3%]. Além disso, o percentual foi duas vezes mais elevado entre os que relataram tristeza frequente e três vezes superior nos indivíduos que se sentiam frequentemente ansiosos. Essa mesma relação com o estado de ânimo foi vista entre os 18,4% dos entrevistados que disseram ter aumentado o consumo de bebidas alcoólicas”, conta Barros.
Renda e emprego
Embora questões relacionadas à saúde sejam o foco da Convid Pesquisa de Comportamentos, o questionário on-line incluía questões que permitiram aos pesquisadores avaliar o impacto socioeconômico da pandemia e da quarentena sobre a população estudada.
Ao todo, 55,3% das pessoas relataram diminuição da renda familiar e 6,3% ficaram sem nenhum rendimento. A população mais pobre (renda per capita inferior a meio salário mínimo) foi a mais afetada. Nesse grupo, 9,4% ficaram sem rendimento e apenas 26,4% conseguiram manter o nível de renda anterior à pandemia, enquanto no segmento mais rico (quatro salários mínimos ou mais) esses percentuais foram, respectivamente, de 6,9% e 48,8%. Entre os trabalhadores autônomos, 91% relataram perda parcial ou total de renda.
Em relação à situação atual de trabalho, 3% dos adultos de São Paulo perderam o emprego e 19,1% ficaram temporariamente sem trabalhar. Continuaram trabalhando fora de casa 19,5% e 27,4% aderiram ao home office. Quanto à condição prévia de trabalho, 55,7% dos que trabalhavam por conta própria ficaram sem trabalhar, assim como 26% dos donos de empresas e de trabalhadores sem carteira assinada.
“Já sabíamos que a pandemia está afetando o emprego e a renda da população, mas não estava bem claro em que proporção. Esses percentuais foram mais elevados do que eu esperava”, diz Barros à Agência FAPESP.
A pesquisadora também afirma ter se surpreendido com a alta adesão da população ao isolamento social. Pouco mais de 60% afirmaram ter saído de casa no período estudado apenas para compras em supermercado e farmácia e 15,7% saíram apenas para ir a serviços de saúde.
“Se considerarmos somente os idosos, o percentual dos que saíram apenas para ir a um serviço de saúde chega a 32%. No entanto, 10% das pessoas com mais de 60 anos seguiram levando uma vida quase normal e continuaram a trabalhar fora de casa”, conta Barros.
Quase 27% dos entrevistados disseram ter sentido sintomas de gripe durante o período da pesquisa e apenas 3,6% conseguiram fazer o teste para diagnóstico da COVID-19. Desses, 41,5% tiveram um resultado positivo.
De olho nos adolescentes
Com o objetivo de avaliar o impacto da pandemia e da quarentena na população entre 12 e 17 anos, os pesquisadores acabam de lançar a ConVid Adolescentes – Pesquisa de Comportamentos. Assim como a versão anterior, feita com os adultos, o questionário pode ser respondido pela internet e as informações fornecidas serão confidenciais. Interessados em participar podem acessar o link https://convid.fiocruz.br/index.php?pag=conviteadolescentes.
“Os adolescentes precisarão obter a autorização de seus pais no termo de consentimento para poder participar da pesquisa”, explica Barros.
De acordo com a pesquisadora, o objetivo das duas pesquisas é gerar subsídios para o desenvolvimento de intervenções e políticas públicas que ajudem a minimizar os impactos negativos da pandemia e do isolamento social na saúde da população.
Fapesp