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Covid pode ficar no sêmen até 110 dias após a infecção (107 notícias)

Publicado em 04 de junho de 2024

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) realizaram um estudo que evidencia a presença do vírus SARS-CoV-2 nos espermatozoides de pacientes por até 90 dias após receberem alta hospitalar e até 110 dias após a infecção inicial. Essa presença do vírus nos espermatozoides pode reduzir a qualidade do sêmen. Os resultados da pesquisa foram publicados na revista Andrology e destacam a importância de considerar um período de "quarentena" para quem pretende ter filhos após se recuperar da doença.

Após mais de quatro anos desde o início da pandemia de COVID-19, já se sabe que o vírus pode invadir e destruir diversas células e tecidos humanos, incluindo os do sistema reprodutivo, com os testículos sendo uma "porta de entrada". Embora estudos anteriores tenham observado a agressividade do vírus no sistema genital masculino e tenham detectado o SARS-CoV-2 nos testículos durante autópsias, raramente o vírus é identificado nos exames de PCR do sêmen humano.

Para preencher essa lacuna de conhecimento científico, o estudo utilizou a tecnologia de PCR em tempo real para detectar o RNA do vírus e a microscopia eletrônica de transmissão (TEM) para analisar os espermatozoides de homens recuperados da COVID-19.

Foram estudadas amostras de sêmen de 13 pacientes, com idades entre 21 e 50 anos, que haviam desenvolvido COVID-19 nas formas leve, moderada e grave e foram atendidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. As amostras foram coletadas até 90 dias após a alta hospitalar e até 110 dias após o diagnóstico. Embora todos tenham testado negativo para a presença do vírus nos testes de PCR do sêmen, o vírus foi identificado nos espermatozoides de oito dos 11 pacientes com doença moderada a grave até 90 dias após a alta. Os pesquisadores ressaltam que isso não significa que o vírus não esteja presente por mais tempo.

Além disso, o SARS-CoV-2 foi identificado em um dos dois pacientes com COVID-19 leve. Portanto, dos 13 pacientes estudados, nove tiveram o vírus detectado nos espermatozoides. Dois pacientes apresentaram desarranjos ultraestruturais nos gametas semelhantes aos observados nos pacientes em que o vírus foi diagnosticado. Isso leva os pesquisadores a considerarem que um total de 11 participantes apresentaram presença viral nos espermatozoides.

Além da presença do vírus, o estudo revelou que os espermatozoides produzem "armadilhas extracelulares" baseadas em DNA nuclear para neutralizar o agente invasor. Nesse processo, o material genético contido no núcleo se descondensa, as membranas celulares se rompem e o DNA é expulso, formando redes semelhantes às descritas na resposta inflamatória sistêmica ao SARS-CoV-2. Esse mecanismo, conhecido como NET (armadilha extracelular neutrofílica), é uma estratégia imunológica usada para isolar e neutralizar os invasores, mas também pode causar danos aos tecidos do organismo quando hiperativado.

Essas descobertas são de grande importância, pois até então, os espermatozóides eram conhecidos apenas por suas funções reprodutivas, como fertilizar o óvulo e promover o desenvolvimento embrionário. Agora, a pesquisa mostra que eles também desempenham um papel no sistema de defesa do organismo.

Agora, com esta descoberta, uma nova função foi adicionada à lista, além da reprodutiva.

“As possíveis implicações de nossas descobertas para o uso de espermatozoides em técnicas de reprodução assistida devem ser urgentemente consideradas e abordadas pelos médicos e órgãos regulatórios, particularmente na técnica utilizada em mais de 90% dos casos de infertilidade conjugal no Brasil, em laboratórios de micromanipulação de gametas, que é a injeção de um único espermatozoide dentro do óvulo – método conhecido como ICSI [do inglês, intracytoplasmic sperm injection]”, alerta Hallak, que defende adiamento da concepção natural e, particularmente, das técnicas de reprodução assistida por pelo menos seis meses após a infecção por COVID-19, mesmo em casos leves.

Descobertas anteriores

Um dos primeiros membros das comunidades científica e médica a sugerir mais cautela nos protocolos de reprodução durante a pandemia, Hallak estuda o impacto da COVID-19 na saúde reprodutiva e sexual desde 2020, quando atuou como médico voluntário na linha de frente do pronto-socorro do HC-FM-USP.

Seu grupo de pesquisa, que envolve colaboradores do Departamento de Patologia da FM-USP, já fez importantes descobertas sobre o tema, como o fato de o sexo masculino per se ser um fator de risco para maior mortalidade e gravidade da infecção pelo SARS-CoV-2. Uma das hipóteses está ligada ao fato de os testículos apresentarem uma grande quantidade de receptores ACE2 (proteína usada pelo vírus para invadir a célula humana) e da proteína TMPRSS2 (responsável pela ligação do vírus aos receptores ACE2), enquanto, nas mulheres, os ovários têm somente os receptores ACE2.

Em outro estudo, realizado com membros da Divisão de Clínica Urológica do Hospital das Clínicas da FM-USP, o grupo constatou uma queda acentuada na libido e na satisfação sexual geral, além de aumento no consumo de pornografia e frequência masturbatória, em profissionais de saúde em decorrência da pandemia.

A equipe da USP descobriu ainda que os testículos são órgãos-alvo potenciais para a infecção pelo vírus, que causa epididimite subclínica (inflamação do epidídimo, túbulo de 5 a 6 metros de comprimento, externo e em localização posterior aos testículos, essencial para o amadurecimento, aquisição de capacidade de fertilização do óvulo e armazenamento dos espermatozóides). E demonstrou, de forma inédita, a gravidade das lesões testiculares associadas à COVID-19.

Autor: Agência FAPESP- Fonte:Julia Moióli | Agência FAPESP