Ansiedade, depressão, fadiga e sonolência são apontados como consequências da doença
Casos de covid-19 considerados mais leves também podem causar alterações estruturais e funcionais no cérebro, segundo estudos apresentados durante um congresso realizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Entre as manifestações neuropsiquiátricas identificadas pelos estudos estão ansiedade, depressão, fadiga e sonolência, além do comprometimento do bem-estar, saúde e até a capacidade de trabalhar.
As conclusões foram apresentadas em abril passado na nona edição do BRAINN Congress, organizado pelo Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia (BRAINN), que é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP e que fica sediado na Unicamp.
“Antes da pandemia, o Brasil já era considerado um dos países mais ansiosos do mundo, com 9% da população relatando sintomas”, afirma Clarissa Yasuda, professora da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e integrante do BRAINN. “Observamos agora que os níveis de ansiedade e depressão são maiores em pessoas que testaram positivo para a covid.”
Um dos trabalhos apresentados revelou, com base em exames de ressonância magnética realizados três meses após a infecção, que pacientes com covid longa apresentam atrofia da massa cinzenta e padrão generalizado de hiperconectividade cerebral.
Embora ainda se desconheçam a duração dessas alterações e seu significado do ponto de vista biológico, os resultados do trabalho, publicado em um suplemento especial da revista Neurology pela graduanda na FCM-Unicamp Beatriz Amorim da Costa e colaboradores, podem sugerir disfunção cognitiva, uma condição que, de acordo com a literatura científica, é consideravelmente afetada por sintomas de ansiedade e depressão.
A atrofia na massa cinzenta aparece em análises de ressonância magnética dos cérebros de pacientes infectados com quatro cepas diferentes de SARS-CoV-2 (alfa, delta, gama e zeta), cada uma com suas peculiaridades, mostrou o pesquisador Lucas Scárdua Silva em outro artigo divulgado em Neurology. O trabalho, também orientado por Yasuda, mostrou áreas de atrofia de substância cinzenta comuns às diferentes cepas examinadas, que incluem o lobo frontal e o sistema límbico.
Já o pesquisador Ítalo Karmann Aventurato constatou piora na memória verbal dos pacientes com todas as cepas estudadas pelo grupo (alfa, delta, gama e zeta). Os resultados da pesquisa, orientada por Yasuda, foram divulgados no mesmo periódico, que é editado pela Academia Americana de Neurologia.
Impactos econômicos
O impacto da covid-19 longa na capacidade de trabalho foi o tema do estudo apresentado por Gabriel Monteiro Salvador, bolsista de iniciação científica. O estudante relacionou a persistência de sintomas neuropsiquiátricos, como sonolência excessiva, fadiga e sintomas de depressão e ansiedade, à capacidade de trabalho dos sobreviventes da doença e concluiu que ambas estavam diretamente relacionadas.
Em uma primeira etapa, um grupo homogêneo de trabalhadores bancários, com características semelhantes de trabalho, rotina e nível educacional, respondeu a um questionário conhecido como Work Ability Index (WAI), que monitora a capacidade de trabalho, relatando, em sua maioria, problemas relacionados à memória e cognição. Depois de um acompanhamento por alguns meses, 62,5% dos participantes ainda apresentavam WAI reduzido.
“A perda econômica desses indivíduos é perceptível e aponta para a urgência de tratamentos específicos para reduzir tanto a sobrecarga individual quanto os prejuízos globais”, diz Salvador, que também foi orientado por Yasuda.
Fadiga
Um dos sintomas mais relatados por pacientes com covid longa é a fadiga. O termo, porém, é comumente usado de forma genérica e não possui uma definição científica clara. Para quantificar esse sintoma, a equipe do Centro de Engenharia Biomédica (CEB) da Unicamp, liderada pelo pesquisador Leonardo Elias, professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), criou um modelo de testes que mede contrações musculares e força e aplicou um conjunto de testes para avaliar a função neuromuscular e a fatigabilidade de um músculo da mão, além da destreza manual.
Os participantes do experimento, financiado pelo Ministério Público do Trabalho, foram submetidos a uma série de tarefas e, durante sua realização, as forças do movimento de abdução do dedo indicador e da contração do músculo primeiro interósseo dorsal foram medidas com sensores e a eletromiografia (exame que registra a atividade elétrica do músculo). Além disso, realizaram o teste conhecido como Nine Hole Peg Test, em que é analisado o tempo necessário para se encaixar nove pinos em nove buracos e depois retirá-los.
Embora o trabalho apresente limitações, como baixo número de participantes e possível influência de sintomas de ansiedade e depressão, mostrou que os pacientes com sintomas de fadiga decorrentes da COVID longa apresentam de fato habilidade motora reduzida, com diminuição na capacidade de sustentar a força e redução da frequência de ativação de unidades motoras em uma tarefa de reação. O tempo de reação, no entanto, foi preservado. No Nine Hole Peg Test os pacientes tiveram uma piora na execução com a mão dominante em comparação com participantes-controle.
“Entre as potenciais explicações para esses resultados estão o aumento da inibição intracortical [processo neurofisiológico em que a atividade de neurônios no córtex é reduzida], disfunção nas vias gabaérgicas [sistema que regula o processamento cognitivo e emocional], alterações nas funções executivas [habilidades cognitivas de controle de ações, emoções e pensamentos] e aumento da fadiga percebida”, acredita Elias.
Por Fernanda Borges