A incidência de infecção do novo coronavírus entre atletas da Federação Paulista de Futebol durante a temporada de 2020 foi de 11,7%, um índice equivalente ao de profissionais de saúde atuantes na linha de frente do combate à doença. Os dados são de um estudo conduzido pela Universidade de São Paulo (USP).
Segundo os pesquisadores, a taxa é muito superior à observada em outros países. Na Dinamarca, por exemplo, foram apenas quatro resultados positivos entre 748 atletas testados (0,5%) e na liga alemã de futebol - a Bundesliga - foram identificados oito casos entre 1.702 jogadores (0,6%).
Até mesmo no Catar, onde o risco de transmissão comunitária é moderado, o número foi menor do que o brasileiro, sendo 549 atletas testados e 24 positivos (4%). Dessa forma, de acordo com os autores, os jogadores do futebol paulista se infectaram entre três e 24 vezes mais.
Análise de testes
Para alcançar os resultados apresentados, foi feita uma análise retrospectiva de quase 30 mil testes de RT-PCR em 4.269 jogadores ao longo de oito torneios: dois femininos (Campeonato Paulista e Sub-17) e seis masculinos (Taça Paulista, Sub-23, Sub-20 e as três divisões do Campeonato Paulista). Ao todo, foram 501 testes positivos.
Além disso, integrantes das equipes de apoio - profissionais de saúde, comissão técnica, dirigentes, roupeiros - também foram submetidos à testagem e 161 deram positivo, ou seja, 7%.
Apesar de o artigo ainda estar em processo de revisão, os autores acreditam que os números podem estar subestimados. Isso porque, para a pesquisa, eles tiveram acesso aos dados do laboratório parceiro da Federação Paulista de Futebol, mas alguns atletas de times que disputaram torneios nacionais puderam realizar o exame em laboratórios comissionados pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Nesse caso, os resultados não entraram na análise.
Equipe de apoio em perigo
Os dados obtidos após a análise indicam que o vírus afetou igualmente tanto os homens, quanto as mulheres avaliadas.
Ao comparar os resultados dos atletas e dos membros da equipe de apoio, os jogadores apresentaram uma taxa de infecção maior. Entretanto, os casos graves foram mais frequentes no segundo grupo, visto que apresentam uma média de idade mais elevada e diversas condições de saúde.
Para os pesquisadores, essa é uma constatação preocupante. Mesmo que os dados revelando que os atletas tendem a desenvolver a forma mais leve da doença, ou, até mesmo, não apresentarem sintomas, eles podem atuar como vetores de transmissão para a comunidade, já que a maioria tem uma vida social ativa.
O Brasil não disponibiliza o rastreio de contactantes e, sendo assim, não é possível ter conhecimento do impacto dessas infecções secundárias provocadas pelos jogadores em suas casas ou círculos sociais.
O problema é a quebra de protocolo
Desde que os jogos de futebol foram retomados em junho de 2020, o Comitê Médico da Federação Paulista de Futebol criou um protocolo para minimizar o risco de transmissão da Covid-19. Entre essas regras estão a testagem frequente dos jogadores e toda a equipe de apoio, isolamento dos infectados, rastreio de contactantes dentro do ambiente esportivo, sem contar todas as medidas de higiene.
De acordo com os autores, o risco de transmissão do vírus durante as partidas é pequeno, mas o maior perigo e o causador dos surtos de casos da doença dentro das equipes é a quebra do protocolo.
Para eles, os jogadores brasileiros são orientados a ir do Centro de Treinamento direto para casa, manter o distanciamento social e as medidas de proteção, como máscaras e álcool em gel. Porém, boa parcela não segue as regras e não sofre nenhum tipo de punição.
Desigualdade como fator de risco
Outro fator que pode contribuir também são a grande quantidade de viagens. O transporte dos times menores, por exemplo, acontece geralmente via ônibus, eles acabam comendo em restaurantes e ficam mais expostos ao vírus quando comparado aos atletas de equipes maiores.
O estudo mostrou que alguns times foram bem mais afetados do que outros. Um deles, inclusive, registrou 36 testes positivos, sendo 31 em um único mês. Sete times tiveram mais de 20 casos confirmados e 19 apresentaram dez ou mais casos.
Fecha ou isola
Mesmo com o endurecimento das medidas de combate à pandemia no Estado de São Paulo, que proibiu jogos de futebol, as partidas foram realocadas para a cidade fluminense de Volta Redonda.
Esse é um fato que causa enorme preocupação para os autores. Enquanto a transmissão da Covid-19 continuar em alta, qualquer setor que reabra apresenta um risco elevado de contágio.
Segundo os pesquisadores, sem interromper as atividades, o ideal seria isolar completamente o futebol dentro de um “bolha” - como fez a NBA (Associação Nacional de Basquete, dos Estados Unidos). O problema é que isso foi feito a um custo de 170 milhões de dólares.
* Com informações de reportagem de Karina Toledo, da Agência FAPESP