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Blog Marcos Frahm

Covid-19 grave é uma doença trombótica, comprova estudo brasileiro publicado no Journal of Applied Physiology (35 notícias)

Publicado em 06 de outubro de 2023

Um estudo brasileiro publicado no Journal of Applied Physiology, apontou que a trombose em pequenos vasos (capilares) do pulmão é uma das primeiras consequências da COVID-19 grave, tendo um maior grau de danos até mais do que a dificuldade respiratória decorrente do chamado dano alveolar difuso.

A constatação foi realizada a partir da autópsia de nove pacientes que foram a óbito após desenvolver a forma grave da doença. Na análise foi observado um quadro muito característico, relacionado a alterações na vascularização pulmonar e trombose.

No estudo, os pesquisadores descreveram, pela primeira vez, questões relacionadas ao dano endotelial e à formação de trombos ocasionados pela infecção. Segundo a agência Fapesp, entre as descobertas foi comprovado que a COVID-19 tem como caráter central a formação de trombos na microcirculação pulmonar, que contribuem para o entendimento da fisiopatologia da enfermidade e o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas.

”Esse estudo foi a prova final do que vínhamos alertando desde o comecinho da pandemia: a COVID-19 grave é uma doença trombótica. O vírus SARS-CoV-2 tem um tropismo pelo endotélio [é atraído para esse tecido], a camada de células que reveste os vasos sanguíneos. Portanto, ao invadir as células endoteliais, ele afeta primeiro a microcirculação. O problema começa nos capilares do pulmão, para depois ir coagulando os vasos maiores, podendo atingir qualquer outro órgão”, explica a pneumologista e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), Elnara Negri.

No estudo, os autores analisaram por microscopia eletrônica o efeito do vírus nas células endoteliais do pulmão de pacientes que morreram com COVID-19 grave no Hospital das Clínicas (HC) da FM-USP.

As constatações foram realizadas a partir de autópsia minimamente invasiva, que possibilitou a observação em todas as amostras a alta prevalência de microangiopatia trombótica, uma oclusão generalizada na microcirculação por trombose.

As amostras analisadas são oriundas de pacientes que foram internados entre março e maio de 2020. Todos os pacientes foram intubados, precisaram passar por terapia intensiva e morreram de hipóxia refratária (insuficiência respiratória). Na época do estudo, não existiam vacinas contra a doença e nenhum paciente que participou da pesquisa foi tratado com anticoagulantes, já que a medida não era a diretriz para o tratamento de COVID-19 na ocasião.

ENDOTÉLIO DESCAMADO

Negri, que também é uma das autoras da pesquisa, diz que no endotélio, existe uma camada glicoproteica denominada glicocálix, que faz com que o sangue passe naturalmente pelas artérias, veias e capilares sem coagular.

”Alguns estudos anteriores realizados por Helena Nader na Unifesp [Universidade Federal de São Paulo] mostraram que, para invadir a célula, o vírus se liga principalmente ao receptor ACE-2 [proteína encontrada na superfície de diversas células do corpo, inclusive nas do epitélio e endotélio do sistema respiratório]. No entanto, antes disso, ele se liga ao heparan sulfato [um polissacarídeo] associado à membrana das células endoteliais, que forma justamente o glicocálix. Portanto, quando o SARS-CoV-2 invade o endotélio, ele o descama e destrói o glicocálix. Isso resulta em exposição tecidual e na coagulação intravascular, começando na microcirculação”, explica Negri.