Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, Belo Horizonte, Brasília, Salvador e Recife. Depois de São Paulo e do Rio de Janeiro, essas sete capitais brasileiras são as próximas cidades com risco de desenvolver surtos de infecção pelo novo coronavírus no país, caso medidas de restrição de mobilidade de pessoas, como o isolamento e o distanciamento social, não sejam de fato implementadas ou, se tomadas, não venham a funcionar.
O ranking das capitais e das microrregiões brasileiras com maior probabilidade de enfrentar surtos do coronavírus nas próximas semanas foi elaborado por um grupo de pesquisadores da Fiocruz (Fundação Instituto Oswaldo Cruz) e da FGV (Fundação Getulio Vargas), ambas no Rio de Janeiro.
Em um trabalho coordenado pelo físico Marcelo Ferreira da Costa Gomes, especialista em modelos de propagação doenças da Fiocruz, a equipe analisou o fluxo aéreo de pessoas que partem do Rio de Janeiro e de São Paulo, as duas primeiras cidades a apresentarem transmissão comunitária sustentada do vírus, para as outras capitais e municípios de grande porte do país.
Os pesquisadores também levaram em consideração um fenômeno importante nas regiões metropolitanas e cidades maiores do interior: a chamada mobilidade pendular, trânsito diário de pessoas entre o município em que estudam ou trabalham e aquele em que residem.
Tomando como base as características do tráfego aéreo nacional e os deslocamentos no interior dos estados, Gomes e seus colaboradores buscaram identificar como, a partir de dois focos iniciais (São Paulo e Rio de Janeiro), o coronavírus poderia se disseminar pelo país. Em um primeiro momento, que pode durar umas poucas semanas, a epidemia não se espalharia por todas as regiões nem com a mesma intensidade.
Além das sete capitais, ela deve se concentrar nas cidades altamente conectadas por via terrestre no Vale do Paraíba, entre São Paulo e Rio, como se pode ver no mapa. "Embora esse seja o pior cenário, ele pode auxiliar as autoridades a identificar áreas prioritárias para a alocação de recursos", conta o pesquisador, que já apresentou os resultados ao Ministério da Saúde e a outros gestores públicos.
"Ainda que as medidas que vêm sendo tomadas reduzam o fluxo de pessoas, a ordem das cidades e regiões a serem afetadas não deve mudar", afirma Gomes.
Esse mapeamento, em preparação para ser publicado em uma revista científica, confirmou ainda algo já esperado: a capital paulista tem potencial de contribuir mais para o espalhamento do vírus pelo país do que o Rio. Principal hub de conexões aéreas do Brasil, São Paulo gera um fluxo elevado de pessoas mesmo para as regiões geograficamente mais distantes. Caso o principal ponto de disseminação fosse a capital fluminense, os surtos demorariam mais tempo para atingir outros pontos do país, uma vez que o número de conexões aéreas entre essa cidade e outras é menor.
"Esse trabalho faz uma integração de dados difíceis de obter e usa uma metodologia que é o estado da arte para investigar doenças com potencial espalhamento global", comenta o físico Roberto Kraenkel, do Instituto de Física Teórica da Unesp (Universidade Estadual Paulista), que trabalha com modelos matemáticos ligados à ecologia e à epidemiologia. "O resultado é informativo de quais pontos no Brasil podem precisar de ações mais efetivas dos governos e das autoridades de saúde", diz o pesquisador da Unesp.
As capitais e regiões com maior probabilidade de desenvolver surtos do coronavírus mais cedo também concentram maior proporção de pessoas mais vulneráveis, com mais de 60 anos, constataram Gomes e seus colaboradores. "Existe uma coincidência entre a maior probabilidade de exposição e a concentração de população de risco", relata Gomes.
Essa maior vulnerabilidade, no entanto, não corresponde à maior capacidade de oferecer atendimento de saúde. De acordo com o estudo, os leitos hospitalares comuns e complementares (de cuidados intermediários e de terapia intensiva) estão distribuídos de modo muito heterogêneo.
A maior parte das capitais sob risco de surto tem uma capacidade intermediária de atendimento. Dados do DataSUS (Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde) indicam que a oferta média de leitos hospitalares no país é de 22 para cada 10 mil habitantes, bem inferior à dos 36 países mais ricos do mundo, que é de 47 por 10 mil, segundo relatório da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A proporção no Brasil de leitos complementares disponíveis, geralmente necessários para tratar a covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus, é ainda mais baixa: 4 por 10 mil. Segundo Gomes, apenas o Distrito Federal se encontra numa situação mais confortável. "A disponibilidade heterogênea de leitos de UTI preocupa porque as capitais com maior probabilidade de contágio a partir de São Paulo eventualmente podem não estar aparelhadas para lidar com a epidemia", diz Kraenkel.
Atualmente, Gomes e seus colaboradores começam a analisar os cenários para uma segunda onda de disseminação do vírus, que começaria mais adiante. "Pretendemos avaliar o impacto das medidas de redução de mobilidade sobre a progressão da epidemia", afirma o pesquisador. "Queremos ter uma ideia de quanto tempo conseguiríamos ganhar com essas ações para que autoridades de saúde possam organizar a estrutura necessária para atender a população da melhor forma possível."