Jaqueline Góes de Jesus, a cientista baiana que coordenou a equipe que sequenciou o genoma do novo coronavírus Covid-19 em apenas dois dias, concluiu o ensino médio no campus Salvador do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA) entre 2004 e 2006, período em que a instituição se chamava Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia (Cefet-BA).
A descoberta foi considerada tão importante para a ciência brasileira que na Itália, por exemplo, que é o foco de expansão da doença na Europa, esse sequenciamento ainda não havia sido obtido até o início do mês de março.
Com o reconhecimento, a cientista lembra do período em que estudou no IFBA e destaca que a passagem pela instituição mudou sua visão de mundo. “Ali aprendi a lidar com a diversidade e fui estimulada a pensar criticamente. Ensinamentos que levo comigo pra toda a vida”.
Sobre o período, ela afirma que suas melhores lembranças são da Praça Vermelha, "que era o ponto de encontro entre os estudantes nos intervalos das aulas e das tardes que passávamos na biblioteca estudando." Sobre os professores que a inspiraram no período e que admira até hoje estão Lúcia Helena Leão (biologia), Albertino Nascimento, Cleide Riccio e Sandra Cadidé (química); o professor Deraldo (português), Sinval Araújo (sociologia), Marlene Socorro e Mayumi Fukutani (física), Sinval Sacramento (desenho) e Marcus Drummond (inglês).
Ela afirma que, quando cursou biomedicina na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, sentiu que o ensino médio ofertado pelos Institutos Federais consegue preparar o estudante para os desafios na universidade e no mercado. "Tudo que aprendi me preparou não apenas para a universidade, mas principalmente para a vida!".
Do IFBA para a ciência brasileira
Atualmente Jaqueline desenvolve pesquisas como bolsista de pós-doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) no Instituto de Medicina Tropical de São Paulo da Universidade de São Paulo (USP). Ela concluiu o doutorado em Patologia Humana e Experimental pela Universidade Federal da Bahia em 2019 onde realizou estágio do doutorado sanduíche na Universidade de Birmingham, Reino Unido. Lá desenvolveu e aprimorou protocolos e sequenciamento de genomas completos dos vírus Zika.
Ela lembra que a biomedicina surgiu em sua vida a partir de um diálogo que teve com uma vendedora de livros de alimentação natural. “Ao pesquisar sobre a sugestão que ela havia me dado, entendi que a biomedicina era a área que eu queria seguir”, recorda.
Com esse caminho trilhado, a cientista egressa aproveita para refletir sobre o potencial de pioneirismo da ciência brasileira no mundo e a necessidade de incentivos. “Estamos passando por um momento muito difícil com os ataques do governo e cortes nos recursos que são fundamentais para financiar as pesquisas e manter os estudantes que são a força-motriz. O fato da profissão de cientista não estar regulamentada ainda, faz com que não tenhamos garantias por lei. Acho que o primeiro passo para desenvolvermos ainda mais a nossa ciência é a valorização do nosso trabalho, inicialmente com investimentos e depois com a regulamentação da nossa profissão“, analisa.
Pesquisadora Negra
Como mulher negra, Jaqueline lembra que a sociedade ainda é bastante preconceituosa. “As pessoas estão entrelaçadas numa trama de racismo estrutural que faz com que atitudes preconceituosas sejam tidas como normais. Partindo dessa constatação, posso afirmar que enfrentei muita coisa para chegar onde estou, mas não lembro de ter vivido nenhuma situação explicita. O racismo e a misoginia são veladas, principalmente dentro da academia, onde as pessoas, por serem mais instruídas, acabam por ser mais polidas. E só quem está muito atento, consegue enxergar as sutilezas.”
Independente de qualquer barreira a ser enfrentada, ela aconselha os estudantes a investirem tempo e dedicação nos estudos. “É possível mudar o mundo através da educação. Nós só precisamos comprar essa ideia e exigir das autoridades no assunto investimento, qualidade e equidade de oportunidades”, conclui.