SÃO PAULO — Um estudo feito pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) mostrou que pessoas que tiveram covid-19 moderada ou grave apresentam alta prevalência de déficits cognitivos e transtornos psiquiátricos. Uma das hipóteses para explicar a associação é que alterações tardias relacionadas à infecção pelo SARS-CoV-2 (como processos inflamatórios associados a alterações imunológicas, danos vasculares associados a coagulopatias ou a própria presença do vírus no cérebro) teriam papel na origem dos transtornos, de acordo com informações da Agência Fapesp
Na pesquisa, publicada na revista científica General Hospital Psychiatry, 425 pacientes foram submetidos a entrevista psiquiátrica estruturada, testes psicométricos e bateria cognitiva.adultos, depois de seis a nove meses da alta hospitalar. Todos os participantes ficaram internados no Hospital das Clínicas da USP por pelo menos 24 horas, entre março e setembro de 2020. Os casos considerados graves foram aqueles que precisaram de terapia intensiva. Os demais, foram classificados como moderados.
Os resultados mostraram que a prevalência de transtorno mental comum, caracteriziada por sintomas depressivos, estados de ansiedade, irritabilidade, fadiga, insônia, dificuldade de memória e concentração, no grupo estudado foi de 32,2%. Na população brasileira em geral, essa taxa é de 26,8%.
Nesses pacientes, a prevalência de transtorno de ansiedade generalizada foi de 14,1%. Também consideravelmente maior do que a média dos brasileiros, que é de 9,9%. A depressão foi identificada em 8% doa pacientes recuperados. O número também é superior ao estimado para a população geral do país, que fica entre 4% e 5%.
De acordo com os pesquisadores, o agravamento de sintomas psiquiátricos é esperado após infecções agudas. Mas com nenhuma outra doença viral se observou tanta diferença e perdas cognitivas tão significativas como com a Covid-19
As alterações cognitivas e psiquiátricas observadas no grupo não se correlaciona com a gravidade do quadro, com o tratamento adotado no período de hospitalização ou com fatores socioeconômicos, como perda de familiares ou prejuízos financeiros durante a pandemia de Covid-1. Por isso, os pesquisadores acreditam que esses compromentimentos estejam associados a alterações tardias relacionadas causada pela infecção pelo SARS-CoV-2.
Rodolfo Damiano, médico residente do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina (FM-USP) e primeiro autor do artigo, indica que pacientes recuperados que apresentam problemas psiquiátricos se vacinem e façam acompanhamento médico.
— Há evidências de que exercícios físicos ajudam a reverter alterações cognitivas associadas a doenças graves e também há treinos de reabilitação cognitiva que podem ser feitos com acompanhamento de um neuropsicólogo habilitado. Além disso, acredito que a prática de meditação pode ser benéfica — diz o pesquisador em entrevista à Agência Fapesp.
Os próximos passos da pesquisa consistem em avaliar amostras de sangue coletadas enquanto os voluntários estavam internados para descobrir se há correlação entre o grau de inflamação durante a fase aguda da doença e o desenvolvimento de sintomas neuropsiquiátricos.
— Caso exista alguma correlação, o passo seguinte será investigar se drogas inibidoras de interleucinas [um dos tipos de citocina] podem ser usadas para prevenir o aparecimento ou o agravamento de sintomas psiquiátricos — conta Damiano. (Foto: )