Notícia

Jornal do Brasil

Corte nas bolsas de estudo: dupla falta

Publicado em 09 dezembro 1997

Por REINALDO GUIMARÃES
Nos últimos meses, bem antes do pacote, portanto, o presidente da República e o ministro da Ciência 6 Tecnologia vêm comentando o programa de bolsas de mestrado e doutorado da Capes e do CNPq em termos bastante críticos. O argumento central é que, nos últimos anos, o número dessas bolsas tem crescido acima do que o país pode suportar em termos financeiros e, mais importante, acima do que seria necessário para um crescimento harmônico do sistema de educação superior, ciência e tecnologia. Para a sustentação da tese foi criado um número que expressaria esse crescimento excessivo - 12,5% ao ano nos últimos anos. Finalmente, com o intuito de demonstrar ao público que 12,5% é uma cifra exagerada, na última declaração (JB de 30/11, p.5), o ministro José Israel Vargas avançou na argumentação: "Nenhum país do mundo pode continuar com um crescimento de bolsas a 12,5% ao ano enquanto o PIB fica em torno de 3%". Com algumas coisas, creio que todos concordam. Por exemplo, que o programa de bolsas, existente desde 1951, foi fundamental para o sucesso da pós-graduação brasileira, a partir de meados da década seguinte. Além disso, que a bolsa de estudo, à medida que propicia ao estudante condições de dedicar-se integralmente ao seu programa, faz com que seu detentor conclua melhor e mais rapidamente o curso. Ainda que cerca de metade dos 66.000 estudantes matriculados em mestrados e doutorados não possua bolsa. Finalmente, que há espaço, pára melhorias importantes nos programas das duas agências que, aliás, já vêm sendo realizadas há algum tempo. Governar é fazer escolhas. Para lá de gasto, este truísmo é inescapável na análise da frase do ministro. O PIB é um agregado, uma resultante de velocidades de crescimento. Por exemplo, se o governo vier a concretizar seu programa de colocar todas, as crianças na escola, o aumento do número de vagas nos próximos anos será muito maior do; que o crescimento do PIB e nem por isso o programa restará errado. A comparação do crescimento do número de bolsas com a velocidade do crescimento do PIB só seria sensata se a política governamental para Ciência e Tecnologia (ou mais especificamente para o aumento de bolsas) fosse de crescimento vegetativo. Decididamente não é o caso. Em outras circunstâncias, o presidente e o ministro têm afirmado a prioridade desse setor num mundo globalizado, competitivo, etc.. No que se refere especificamente ao aumento das bolsas, todas as evidencias mostram que: elas continuam a se justificar como ferramenta decisiva na arquitetura da pós-graduação. O nível de crescimento vem sendo, menor do que 12,5% ao ano (entre 90 e 96 cresceram em média 8,1% ao ano) e este crescimento está aquém das necessidades do país, conforme demonstradas pelo pequeno número de pesquisadores com título de doutor (cerca de 20 mil), pela reduzida proporção de doutores entre os docentes das universidades (cerca de 20%) e pelas crescentes necessidades do mercado de trabalho não acadêmico. Embora muito antigo, o programa de bolsas sofreu uma importante transformação em 1985-86. Desde o início dos anos 80 crescia a convicção de que a velocidade de formação de pesquisadores e docentes titulados no Brasil era incompatível com o tamanho de nossa economia e que a distância que nos separava da maioria dos demais países industrializados era grande, e crescente. Dados demonstrativos dessa realidade foram desenvolvidos a época pejo professor Antônio Paes de Carvalho, da UFRJ. A partir dessa convicção e tendo à frente o ministro Renato Archer, Luciano Coutinho (secretário executivo do MCT) Crodowaldo Pavan (presidente do CNPq) e Edson Machado de Souza (diretor Geral da Capes), projetaram e implementaram a reforma do programa de bolsas. Uma das idéias básicas do projeto era, reconhecida aquela distância, fazê-la parar de crescer e, para isso, foram estabelecidos metas anuais e valores de bolsas. É verdade que, ao longo da última década, como tudo o mais, o programa reformado sofreu as vicissitudes da vida política e econômica do país. Mas, apesar disso, pode-se dizer que manteve suas características básicas, tendo um crescimento sustentado durante o período como um todo. Se canso o leitor com esses detalhes históricos, é porque considero importante esclarecer o porquê do crescimento e de sua velocidade. As declarações do presidente e do ministro fazem parecer que a evolução das bolsas deu-se de forma aleatória, dependente exclusivamente de inércia o de pressão corporativa da comunidade científica. Nada mais equivocado. Uma das maneiras habituais de se desqualificar o setor público é a de denunciar sua suposta irracionalidade, sua incapacidade de se auto-avaliar e orientar suas metas em função de critérios racionais. De um certo modo, a crítica ao "crescimento indiscriminado" das bolsas também quer sugerir isto. E, pelo contrário, a evolução do crescimento das bolsas nos últimos anos mostra um quadro completamente diverso, como se pode ver na tabela. O que se observa é que entre 1990 é 1996, o númenxle bolsas do sistema cresceu 59% (34.757 para 21.790), cora uma forte ênfase, absolutamente justificada, nos doutorados, que cresceram 198%. Superada, por inconveniente, a comparação com o PIB, a que critérios deveria responder aquele crescimento? Habitualmente, os críticos da universidade pública, quando propõem cortes sobre cortes de recursos para elas, assim os justificam: "para que mais recursos se o número de alunos e de egressos não aumentou?". Pois aceito o argumento para a pós-graduação e proponho que o aumento de 59% no número de bolsas nos últimos sete anos responda a esses dois critérios. No mesmo período como se comportou a pós-graduação em termos de matriculados e egressos? Muitíssimo bem, pode-se dizer, pois aqueles cresceram 49% e estes 84% (a rigor, um pouco mais, pois a comparação para o de mestrado foi realizada com o ano de 1991). Quanto aos egressos de doutorado, respondendo ao estímulo diferenciado, o crescimento foi de 136%. Se o governo federal quer ou precisa cortar recursos destinados a áreas de sua competência específica, que o faça, assumindo na totalidade o ônus político de suas decisões. O que não me parece admissível é o expediente, cada vez mais: freqüente, de querer construir argumentos "teóricos" para justificá-los. Neste caso das bolsas de estudo, é inacreditável que o presidente e o ministro tenham sido tão mal assessorados, já que esses dados são rotineiramente divulgados pelas agências. Erraram pois, no corte das bolsas e na sua explicação. Dupla falta. Para finalizar, uma nota sobre o tamanho do corte. Ao contrário do que vem sendo veiculado, ele não é de 10%. Ficará em torno de 20%, em conseqüência do decreto dispondo que haverá mais um contingenciamento no orçamento de 1997, no valor também de 10% (o pacote corta no orçamento de 1998). Se nenhuma providência for tomada, o corte no ano que vem dobra, na medida em que o corte de 98 será feito em cima do efetivamente gasto em 1997. Sub-reitor de Pós-Graduação e Pesquisa da Uerj