Um encontro para que as fábricas compradoras de aços elétricos transmitissem às fábricas produtoras quais são seus sonhos de consumo, ocorreu no Instituto de Pesquisas Tecnológicas, Cidade Universitária, e resultou em seis propostas de trabalho enfocadas na realização dos sonhos. A iniciativa de promover o encontro foi do engenheiro Fernando Landgraf, um especialista em materiais magnéticos, que tem por objetivo oferecer aos industriais do setor, em bases permanentes, o conhecimento que o grupo; de pesquisadores da Divisão de Metalurgia do IPT constrói a respeito dos aços elétricos. Mais que isso, criar as condições para que o Brasil tenha lugar entre os participantes de uma corrida tecnológica internacional. O prêmio dos vencedores é a redução no consumo de energia elétrica, via aços mais eficientes - este, um sonho de qualquer governo responsável, capaz de notar que energia é bem escasso.
Mas para que servem, afinal, estes tais "aços elétricos", que levaram ao IPT, na última sexta feira, 50 profissionais do mundo industrial? Os aços elétricos fazem girar todo e qualquer motor elétrico - como o motor da geladeira, do barbeador elétrico, aquele que faz funcionar o limpador de pára-brisa do carro e o outro que serve para dar a partida, o da máquina de lavar, e também a maior parte dos motores usados dentro das fábricas. Motores elétricos significam, segundo o engenheiro Landgraf, um mercado de US$ 2 bilhoes/ano no Brasil, resultado da fabricação de 30 milhões de unidades. Metade desta produção é exportada - o que torna o País um dos líderes mundiais no setor de motores para eletrodomésticos. Justamente por serem tão comuns, e estarem tão presentes no cotidiano, criar motores elétricos que despendam menos energia - quer dizer, que sejam mais eficientes - significa obter uma redução significativa no consumo de energia elétrica. A competitividade desse motor, no mercado internacional, dependerá cada vez mais deste item de qualidade.
Pois é precisamente neste ponto que o engenheiro Landgraf e sua equipe têm o que dizer, e um serviço a prestar. O motor elétrico será tanto mais eficiente quanto melhor for o desempenho magnético do aço elétrico usado em sua fabricação. O grupo do IPT já mostrou que sabe aumentar a eficiência do aço elétrico, intervindo no processo industrial: em 95, iniciou um estudo com a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) cujo resultado foi a fabricação, em 97, de dez mil toneladas deste aço, com eficiência aumentada em 50%. Além do IPT e da CSN, a Fapesp também, participou do financiamento da pesquisa, dentro de seus "Programa de Parceria para Inovação Tecnológica".
O sucesso recente credenciou o grupo para organizar o workshop com fabricantes e consumidores destes aços especiais. Cinqüenta participantes estiveram no IPT. Lado a lado, sentaram-se alguns dos maiores no mundo da produção de motores elétricos, como Embraco, Weg, Tecumseh; os grandes produtores brasileiros de aço - Acesita, Usiminas, a própria CSN; e o governo federal, que comparece com representantes do Procel - Programa de Conservação de Energia Elétrica, do Ministério das Minas e Energia. No ano passado, os fabricantes de motores consumiram 250 mil toneladas de aço elétrico, o que representa 1% do total do aço produzido no Brasil. Estas grandes empresas competem entre si. Mas o doutor Landgraf e o IPT acreditam que é possível reuni-las em torno de alguns interesses que possam compartilhar - ou seja, que não envolvam segredos industriais. A reunião tratou da superação destas desconfianças mútuas; lembrou-se do exemplo dos Estados Unidos, onde há 60 centros de desenvolvimento tecnológico em várias áreas, em que empresas do mesmo ramo unem esforços e dinheiro em torno de projetos compartilháveis.
O melhor resultado da reunião foi este: os parceiros pediram ao IPT que apresente seis propostas para um trabalho cooperativo. Uma delas é o estudo do envelhecimento do aço, que faz cair o desempenho e, portanto, corrói o sonho que une o setor e o governo - a diminuição do consumo de energia. O IPT quer que as empresas patrocinem um estudo para acompanhar o envelhecimento. Outro projeto conjunto é a uniformização das medidas das propriedades dos aços, para que "todos falem a mesma língua", nas palavras de Landgraf, paulistano de 44 anos, que começou a se ocupar com aços elétricos há sete.
Em 1991, Fernando Landgraf apresentou um projeto ao PADCT - Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico, do Ministério da Ciência e Tecnologia - o que se constituiu em sua primeira excursão ao terreno dos aços elétricos. Naquela época, o engenheiro estudava principalmente superimãs, os mais poderosos materiais magnéticos conhecidos, cujo mercado se expandia junto com a miniaturização dos equipamentos. Os exemplos clássicos do uso desses imãs especiais são os fones de ouvido e a cabeça de leitura dos discos rígidos dos computadores. Na época, parecia possível que empresas brasileiras tivessem parte do mercado dos superimãs. Daí o interesse de Landgraf em investir no assunto. Os aços elétricos passaram a ser prioridade número um do grupo coordenado pelo engenheiro doutorado pela Escola Politécnica só em 95. No ano anterior, a CSN tinha decidido entrar no mercado dos aços elétricos; queria, então, desenvolver um processo que proporcionasse um desempenho magnético melhor ao seu produto.
"O aço é o material de engenharia mais utilizado no planeta, porque pode ser deformado sem romper, por sua resistência, e por causa do custo baixo", explica Fernando. "Mas é outra qualidade que o torna vital para os motores elétricos: sua capacidade de amplificar milhares de vezes um campo magnético aplicado a ele". Esta propriedade chama-se permeabilidade magnética, e quanto maior ela for, menor será a energia necessária para mover o motor. Um aço elétrico eficiente deve aliar baixos índices de perdas magnéticas à boa capacidade de amplificar o campo magnético. O aço produzido pela CSN, antes da parceria, apresentava perdas de 9 Watts por quilo, considerada alta. Para reduzí-las em 50%, o projeto de pesquisa mobilizou os engenheiros e técnicos do IPT e da CSN; o financiamento da Fapesp; e profissionais do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), da Escola Politécnica, da Universidade Federal de São Carlos. A equipe estudou 53 maneiras diferentes de produzir o aço, em que fatores, como temperatura, composição química, e a quantidade de deformação a que o material é submetido, influem para a obtenção de maior ou menor eficiência.
Notícia
Gazeta Mercantil