Pesquisa brasileira mostra, pela primeira vez, que o espermatozoide atua na defesa contra a infecção do coronavírus
O coronavírus pode permanecer nos espermatozoides de humanos por até 110 dias após a infecção, afirmam pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em um estudo publicado na revista Andrology em março deste ano.
Os resultados da pesquisa sugerem que os pacientes que desejam ter filhos considerem um período de quarentena, uma vez que o vírus pode reduzir a qualidade do sêmen.
Estudos anteriores já demonstraram que o Sars-CoV-2 pode invadir e destruir diferentes células e tecidos humanos, incluindo as do sistema reprodutivo. Mas essa é a primeira vez que pesquisadores constatam a presença do vírus por um período tão longo.
Análise dos espermatozoides após infecção do coronavírus
A descoberta foi feita a partir da análise de amostras de sêmem de 13 homens com idades entre 21 e 50 anos atendidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (HC-FMUSP). Eles desenvolveram Covid-19 nas formas leve, moderada ou grave.
Os pesquisadores usaram as tecnologias de PCR em tempo real para detecção de RNA e de microscopia eletrônica de transmissão (TEM) para analisar os espermatozoides ejaculados.
Apesar de todos terem testado negativo para a presença do coronavírus no teste de PCR do sêmen, o vírus foi identificado por microscopia eletrônica de transmissão nos espermatozoides de oito dos 11 (72,7%) pacientes com doença moderada a grave até 90 dias após a alta hospitalar e até 110 dias após o início da infecção. O vírus também foi identificado nas amostras de sêmem de um dos dois pacientes com Covid-19 leve.
Os resultados da microscopia eletrônica revelaram que os espermatozoides produzem armadilhas extracelulares neutrofílicas (NET, na sigla em inglês) baseadas em DNA nuclear para neutralizar o vírus.
Quando esse mecanismo é ativado, os neutrófilos (um tipo de leucócito da linha de frente do sistema imune) lançam “redes” para o meio extracelular para isolar, prender, neutralizar e matar agentes invasores, como vírus e bactérias. Mas os espermatozoides se sacrificam durante esse processo para conter a infecção.
“Observamos que os espermatozoides produzem ‘armadilhas extracelulares' baseadas em DNA nuclear, ou seja, o material genético contido no núcleo se descondensa, as membranas celulares do espermatozoide se rompem e o DNA é expulso de forma extracelular, formando redes semelhantes às descritas anteriormente na resposta inflamatória sistêmica ao Sars-CoV-2”, explica o professor Jorge Hallak, coordenador do estudo, à Agência FAPESP.
“A descrição, inédita na literatura, de que os espermatozoides atuam como parte do sistema inato de defesa a invasores confere ao estudo uma grande importância. Pode ser considerada uma quebra de paradigma na ciência”, afirma Hallak.
Agência FAPESP