Ao acompanhar, desde o início do ano passado, pacientes homens que tiveram , o andrologista Jorge Hallak, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e coodernador do Grupo de Estudos em Saúde do Homem do Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP), começou a observar que os resultados de exames de e deles permanecem alterados mesmo meses após se recuperarem da doença.
Apesar de ser um teste inicial e não ter condições de diagnosticar fertilidade ou infertilidade, o espermograma de vários pacientes tem indicado, por exemplo, que a - a capacidade de os espermatozoides se moverem e fertilizarem o óvulo, cujo índice normal é acima de 50% - e permaneceu nesse patamar quase um ano após terem sido infectados pelo Sars-CoV-2.
Já os testes hormonais apontam que os de muitos deles após a doença. Enquanto o nível normal desse hormônio é de 300 a 500 nanogramas por decilitro de sangue (ng/dL), em pacientes que tiveram Covid-19 esse índice chegou a variar abaixo de 200 e, muitas vezes, ficou entre 70 e 80 ng/dL., diz Hallak à Agência Fapesp.
Alguns estudos feitos pelo pesquisador em colaboração com colegas do Departamento de Patologia da FMUSP, publicados nos últimos meses, têm ajudado a elucidar essas observações feitas na prática clínica.
Os pesquisadores constataram que o Sars-CoV-2 também , prejudicando a capacidade das gônadas masculinas de produzir espermatozoides e hormônios., afirma Hallak.
Em um estudo com 26 pacientes que tiveram Covid-19, os pesquisadores verificaram por meio de exames de ultrassom que mais da metade deles apresenta - estrutura responsável pelo armazenamento dos espermatozoides e onde eles adquirem a capacidade de locomoção.
Os pacientes têm idade média de 33 anos e foram atendidos no Hospital das Clínicas da FMUSP e no Instituto Androscience de Ciência e Inovação em Andrologia. Os resultados do estudo, apoiado pela Fapesp, foram publicados na revista Andrology., explica Hallak.
Por isso, segundo ele, seria interessante como política de saúde pública no pós-pandemia.
Invasão de células testiculares
Outro estudo recém-publicado pelo mesmo grupo de pesquisadores e também apoiado pela Fapesp indicou que o Sars-CoV-2 invade todos os tipos de células testiculares, causando lesões que podem prejudicar a .
Por meio de um projeto coordenado pelos professores da FMUSP Paulo Saldiva e Marisa Dolhnikoff, foram empregadas técnicas de autópsia minimamente invasivas para extrair amostras de tecidos testiculares de 11 homens, com idade entre 32 e 88 anos, que morreram no HC-FMUSP em decorrência de Covid-19 grave.
Os resultados das análises indicaram uma série de lesões testiculares que podem ser atribuídas a alterações inflamatórias que diminuem a produção de espermatozoides (espermatogênese) e hormonal.
, conta Amaro Nunes Duarte Neto, infectologista e patologista da FMUSP e do Instituto Adolfo Lutz e coordenador do estudo.
Segundo o pesquisador, algumas das prováveis causas da diminuição da espermatogênese nesses pacientes foram lesões causadas pelo vírus nos vasos do parênquima testicular, com a presença de trombos, que levaram à hipóxia - ausência de oxigenação nos tecidos -, além de fibroses que obstruem os túbulos seminíferos, onde os espermatozoides são produzidos.
Uma das razões prováveis para a diminuição hormonal é a perda de células de Leydig, que se encontram entre os túbulos seminíferos e produzem testosterona., afirma Duarte Neto.
Alguns dos sintomas da deficiência de testosterona (hipogonadismo) são perda muscular, cansaço, irritabilidade, perda de memória e ganho de peso, que podem ser confundidos como efeitos de longo prazo da Covid-19., alerta Hallak.
Os pesquisadores pretendem realizar um estudo de acompanhamento de pacientes homens que tiveram a doença com o objetivo de avaliar em quanto tempo as lesões testiculares causadas pelo Sars-CoV-2 podem ser revertidas naturalmente ou por meio da administração de medicamentos., afirma Hallak.
As principais preocupações do pesquisador são em relação a homens em idade reprodutiva, adolescentes e pré-púberes, sobre os quais ainda não há dados sobre lesões testiculares causadas pela Covid-19. Não se sabe quais serão os impactos na puberdade em relação à capacidade fértil, se a produção de hormônios será afetada de forma transitória, prolongada ou definitiva e qual o grau de lesão residual irreversível.
Como não há dados de pré-infecção pelo Sars-CoV-2 de cada indivíduo, os estudos prospectivos deverão incluir um grupo controle para efeitos de comparação, sugere Hallak., pondera.
Aumento da infertilidade masculina
O pesquisador estima que a Covid-19 poderá causar um aumento na infertilidade masculina. Atualmente, entre 15% e 18% dos casais enfrentam dificuldades para conceber - por problemas masculinos em 52% dos casos.
Esse cenário pode desencadear uma busca maior por que, de acordo com ele, é realizada por vezes de forma apressada no Brasil para causas masculinas, sem avaliação inicial adequada e padronizada e, muitas vezes, sem que seja estabelecido o diagnóstico causador inicial e sem tempo hábil para se propor condutas com base em melhor custo-benefício e a aplicação de tratamentos específicos que podem curar a causa ou restabelecer a capacidade fértil natural., ressalta Hallak.
Uma vez que o Sars-CoV-2 tem sido detectado em todos os tipos de células dos testículos, que participam de todas as etapas da espermatogênese, não se sabe se o vírus também pode estar presente em espermatozoides de pacientes que tiveram Covid-19 e se permanecem quiescentes nos tecidos meses depois de terem se recuperado da doença.
“Esses espermatozoides podem ter sido afetados pelo vírus e, idealmente, deveria preventivamente se esperar, no mínimo, um ciclo de espermatogênese - ao redor de 90 dias - antes de prosseguir com técnicas de reprodução artificial, em que a seleção dos espermermatozoides é feita por análises por microscopia e não pelo processo de seleção natural testado ao longo de milhões de anos”, avalia Hallak.
Outra preocupação do pesquisador é com a nesses pacientes que tiveram Covid-19 e queda hormonal, que, segundo ele, é uma medida desnecessária no período imediato pós-Covid-19, principalmente para adultos jovens e em idade reprodutiva., pondera.
“Na Faculdade de Medicina da USP, estamos reunindo especialistas de diversas especialidades médicas para estudar um grupo de 749 pacientes homens que tiveram Covid-19 que serão submetidos a uma primeira avaliação ao longo dos próximos quatro anos com o objetivo de obtermos mais conhecimento sobre a síndrome pós-Covid-19”, diz Hallak.
*Esse texto foi originalmente publicado pela Agência Fapesp