Pesquisadores da FM-USP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) constataram que o novo coronavírus infecta e se replica em células das glândulas salivares. Os resultados do estudo, apoiado pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), foram publicados no Journal of Pathology, nessa 4ª feira (29.jun.2021). Eis a íntegra (2 MB).
O estudo foi feito por meio da análise de amostras de 3 tipos de glândulas salivares. As amostras foram obtidas em autópsia realizada em pacientes que morreram em decorrência de complicações da covid-19 no Hospital das Clínicas da FM-USP. Os cientistas verificaram que esses tecidos especializados na produção e secreção de saliva são reservatórios do Sars-CoV-2.
As descobertas contribuem para explicar por que o novo coronavírus é encontrado em grandes quantidades na saliva, o que viabilizou a realização de testes para diagnósticos da covid-19 a partir do fluido, explicam os autores do trabalho.
“É o primeiro relato de vírus respiratório capaz de infectar e se replicar nas glândulas salivares. Até então, acreditava-se que apenas vírus causadores de doenças com prevalência muito alta, como o da herpes, usavam as glândulas salivares como reservatório. Isso pode ajudar a explicar por que o SARS-CoV-2 é tão infeccioso”, explicou Bruno Fernandes Matuck, doutorando na Faculdade de Odontologia da USP e primeiro autor do estudo, em entrevista à Agência FAPESP.
Em estudo anterior, os pesquisadores já tinham demonstrado a presença de RNA do Sars-CoV-2 no tecido periodontal de pacientes que morreram em decorrência da covid-19.
Em razão da alta infecciosidade do Sars-CoV-2 quando comparado a outros vírus respiratórios, o grupo levantou a hipótese de que o novo coronavírus poderia infectar e se replicar em células das glândulas salivares e, dessa forma, surgir na saliva sem ter contato com secreções nasais e pulmonares.
Isso porque estudos internacionais anteriores mostraram que o ducto salivar apresenta o receptor ACE-2, com o qual a proteína spike do Sars-CoV-2 se liga para infectar as células. Mais recentemente, outros grupos de cientistas relataram ter observado em estudos feitos com animais que, além da ACE2, receptores como a serina protease transmembranar 2 (TMPRSS) e a furina, presentes nos tecidos das glândulas salivares, são alvos do Sars-CoV-2.
Para testar essa hipótese em humanos, foram feitas biópsias guiadas por ultrassom em 24 pacientes que morreram em decorrência da covid-19, com idade média de 53 anos, para extração de amostras de tecidos das glândulas parótida, submandibular e menores.
As amostras dos tecidos foram submetidas a análises moleculares (RT-PCR) para identificação da presença do vírus. Os resultados indicaram a presença do vírus nos tecidos em mais de ⅔ das amostras.
Já por meio de marcações imuno-histoquímicas – em que é colocado um corante em uma molécula que se gruda no vírus e nos receptores –, foi possível observar a presença do vírus no interior dos tecidos. E, por meio de microscopia eletrônica, foi detectada não só a presença, mas também o vírus se replicando nas células e identificado o tipo de organela que ele utiliza para essa finalidade.
“Observamos vários vírus aglomerados nas células das glândulas salivares – um indicativo de que estão se replicando em seu interior. Não estavam presentes nessas células passivamente”, afirma Matuck.
PORTA DE ENTRADA DO VÍRUS
Agora, os pesquisadores pretendem avaliar se a boca pode ser uma porta de entrada direta do Sars-CoV-2, uma vez que os receptores ACE2 e o TMPRSS são encontrados em vários locais da cavidade, como em tecidos da gengiva e da mucosa bucal. Além disso, a boca tem uma área de contato maior do que a cavidade nasal, apontada como a principal porta de entrada do vírus.
“Por meio de uma parceria com pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte, dos Estados Unidos, pretendemos mapear a distribuição desses receptores na boca e quantificar as replicações virais em tecidos bucais”, diz Luiz Fernando Ferraz da Silva, professor da FM-USP e coordenador do projeto.
“Pode ser que a boca seja um meio viável para entrada direta do vírus”, estima Matuck.
Outra ideia é verificar se idosos possuem mais receptores ACE2 na boca em comparação com pessoas mais jovens, uma vez que têm uma diminuição do fluxo salivar. A despeito disso, os pesquisadores encontraram mesmo em pacientes idosos, que têm menos tecidos salivares, uma alta carga viral.
“Esses pacientes quase não tinham tecido salivar, era quase tudo tecido gorduroso. Mas, mesmo assim, ainda apresentavam uma carga viral relativamente alta”, relata Matuck.
As informações são do repórter Elton Alisson, da Agência FAPESP.