O tratamento de doenças inflamatórias intestinais, como colite ulcerativa e a Doença de Crohn, pode ser feito a partir do índigo, conhecido como anil, segundo uma série de estudos em ratos e camundongos feita pela pesquisadora Ana Cristina Alves de Almeida e descrita em tese de doutorado defendida no Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Os experimentos que comprovaram propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias do corante de origem vegetal no tratamento das doenças foram desenvolvidos entre 2011 e 2014 por meio do Programa de Pós-Graduação em Biociências e Tecnologia de Produtos Bioativos e descritos na tese “Avaliação do Efeito do Alcaloide Índigo em Modelos Experimentais de Colite”.
Durante os experimentos, drogas foram administradas para provocar sintomas de colite aguda e crônica e de inflamação associada ao câncer de cólon nos animais, que quando doentes foram tratados com índigo por via oral. No modelo que se aproximou mais da doença de Crohn, o tratamento reduziu a lesão, que é bastante severa. “Observamos também que o índigo melhorou alguns marcadores do estresse oxidativo no cólon dos animais que foram tratados”, explicou a pesquisadora, que não detectou, no entanto, redução nas moléculas envolvidas no processo inflamatório, mas “uma ação um pouco mais antioxidante, que auxiliou no efeito de proteção”.
No modelo com a versão menos severa da inflamação, com lesões não visíveis a olho nu, o tratamento reduziu alguns sintomas e a presença das moléculas que marcam a inflamação. “Os animais tratados perderam menos peso, houve menor mortalidade”, relatou Ana Cristina. “O processo da inflamação se assemelha a como se desenvolve no ser humano, nas características, mas as lesões e os sintomas nos animais são mais graves, exacerbadas, então dependendo do modelo usado tem alguns animais que morrem durante os experimentos. O ser humano dificilmente chega à morte”, explicou a diferença. “É possível que os efeitos no ser humano sejam mais eficientes do que no animal”, completou.
A vantagem do uso do índigo, segundo a pesquisadora, é que a molécula não só é abundante na planta de origem, a indigófera, como pode ser facilmente sintetizada. O corante foi escolhido por ser um alcaloide, classe de molécula que inclui diversas substâncias tóxicas ou psicoativas, como cafeína, morfina e nicotina, e que é sintetizada pela planta sem relação com o metabolismo principal, mas que confere alguma vantagem de sobrevivência.
Como pesquisas anteriores haviam testado a toxicidade do índigo com certo efeito mutagênico em uma linhagem de bactérias (Salmonella TA98) e toxicidade em certos tipos celulares (células de adenocarcinoma de pulmão e de mama), Ana Cristina comprovou que o tratamento não apresentou toxicidade. Além de checar sinais de mudança de comportamento e teste de toxicidade aguda de dose única durante o tratamento dos animais, analisou a saúde de órgãos como coração, rins e fígado depois. “Eles não ficaram doidões”, brincou.
Diante das constatações, comparado com os agentes biológicos usados nos melhores tratamentos, o emprego do índigo é mais acessível por ser mais barato e com menor complexidade de produção. Cem gramas de índigo, por exemplo, custam cerca de R$ 650, enquanto existe no mercado medicamento para a Doença de Crohn, por exemplo, de aproximadamente R$ 4 mil — o frasco de seu princípio ativo custa em torno de R$ 2,3 mil. “Outra coisa que motiva a busca por novos tratamentos é que há pacientes que não respondem aos tratamentos existentes, e às vezes o tratamento pode deixar de ser efetivo para uma pessoa. Na prática, o paciente começa um tratamento, depois tem que passar para outro, e depois de um certo tempo deixa de responder também e tem que mudar outra vez.”
Apesar das descobertas, seriam necessários ainda alguns anos para realizar o tratamento em humanos: cerca de quatro anos de experimentos em ao menos mais um animal, como o coelho, antes de se avançar para os testes de segurança em pessoas e, então, os ensaios clínicos. “Isso pode ser feito por meio de parcerias, ou do interesse de outros grupos de pesquisa.”
Estímulo
O interesse pelo índigo surgiu depois que duas espécies de indigofera foram estudadas em um projeto temático do programa Biota Fapesp, entre 2003 e 2008, que trabalhou com caracterização química e avaliação farmacológica de extratos e frações a partir de conhecimentos tradicionais de populações do cerrado brasileiro sobre propriedades medicinais de plantas. Na equipe de pesquisadores, encabeçada por Wagner Vilegas, da Unesp, estava a professora Alba Regina Monteiro Souza Brito, orientadora da tese de Ana Cristina.
“Há dez anos a orientadora começou a trabalhar nessa linha de pesquisa de inflamação intestinal. Na época a doença era menos conhecida no país, mas ela acreditava no aumento do número de casos e tinha interesse em ampliar o conhecimento da doença. Os alunos começaram avaliando várias fibras alimentares para ver se melhorava a colite. Depois desse primeiro grupo passamos a estudar plantas e suas substâncias”, relatou Ana Cristina, que fez mestrado voltado para a úlcera gástrica.