Análises conduzidas por pesquisadores brasileiros e portugueses ajudam a entender por que o coral-sol se espalhou pelo litoral brasileiro. Grupo está desenvolvendo novos nanomateriais antimicrobianos para tentar combater a incrustação de animais nos cascos
Fazer com que navios e plataformas de petróleo durem mais e, ao mesmo tempo, não poluam o meio ambiente é um grande desafio. Por isso, substâncias antimicrobianas têm sido misturadas às tintas aplicadas nesses locais que ficarão submersos para evitar a adesão de animais aquáticos, principalmente em áreas com alto tráfego de embarcações.
Em estudo divulgado na revista Toxics, pesquisadores observaram que indivíduos adultos da espécie Tubastraea coccinea, popularmente conhecida como coral-sol, são resistentes a nanocápsulas à base de DCOIT (4,5-Dicloro-2-octilisotiazol-3(2H)-ona), um dos biocidas anti-incrustantes mais utilizados no mundo depois que as tintas que tinham estanho e metais pesados na composição, como cobre e zinco, foram proibidas por causa da sua alta toxicidade para os animais marinhos.
Isso ajuda a explicar por que essa espécie, considerada invasora, se espalhou de forma tão consistente por cerca de 3,5 mil quilômetros do litoral brasileiro nos últimos anos, além do fato de não haver um predador natural por aqui.
A descoberta é importante porque ajuda a entender o comportamento do animal no oceano Atlântico, já que a espécie veio dos oceanos Pacífico e Índico. Além disso, outros estudos feitos sobre essas substâncias anti-incrustantes geralmente envolvem organismos de águas temperadas ou frias, não havendo dados disponíveis sobre espécies de corais.
Como o DCOIT é altamente tóxico, os pesquisadores têm testado várias formas de utilizá-lo. Materiais desenvolvidos com nanoengenharia estão ajudando a controlar a sua taxa de liberação e reduzir o risco aos organismos aquáticos. Entre os principais resultados, o estudo mostra que a versão revestida com prata (SiNC-DCOIT-Ag) pode ser promissora em relação às demais, que ainda estão em avaliação pelo grupo de pesquisa.
O trabalho é liderado pelo professor Denis Moledo de Souza Abessa, coordenador do Núcleo de Estudos sobre Poluição e Ecotoxicologia Aquática (Nepea) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de São Vicente. Também envolve pesquisadores do Instituto Oceanográfico (IO) e do Centro de Biologia Marinha (CEBIMar) da Universidade de São Paulo (USP), além do professor Roberto Martins, da Universidade de Aveiro, em Portugal.
Os estudos do grupo receberam financiamento no âmbito do Programa BIOTA-FAPESP. O trabalho teve ainda entre os autores Isabela Martins e Kátia Cristina Cruz Capel, bolsista de pós-doutorado.
Inovação
O grupo de pesquisa tem estudado como desenvolver tintas mais eficazes, tanto para águas tropicais quanto temperadas. A tecnologia está sendo desenvolvida em parceria com a empresa portuguesa Smallmatek, mas ainda não há previsão para que os produtos cheguem ao mercado.
“A ideia é criar uma tinta que já tenha o anti-incrustante e um anticorrosivo, para aliar a questão econômica à proteção do meio ambiente. A gente tem um ganho econômico, pois a tinta é mais eficiente, mas também um ganho ecológico, ao evitar a incrustação de espécies potencialmente invasoras e redução da liberação de contaminantes tóxicos na água do mar”, destaca Abessa.
“O nosso grupo de pesquisa continuará focado na avaliação da toxicidade, periculosidade e risco desses produtos no ambiente marinho, para ajudarmos a confirmar que se trata de compostos realmente seguros. O que temos demonstrado é que algumas dessas soluções podem e devem ser melhoradas”, acrescenta o professor Martins.
De acordo com o pesquisador português, o diferencial das novas tecnologias em relação às já disponíveis no mercado está na liberação controlada, trazida pelos nanomateriais. “Proporciona uma eficácia superior, mais duradoura e com menores impactos adversos, resultando em tintas mais eficientes e amigas do meio ambiente”, afirma.
Aqui no Brasil, o grupo da Unesp analisou exemplares de coral-sol coletados nos rochedos do arquipélago de Alcatrazes, em São Paulo. A invasão da espécie altera o ecossistema marinho e afeta atividades econômicas fundamentais, como a pesca e o turismo, além de impactar os modos de vida das populações tradicionais. Isso acontece porque, como é um bom competidor, o coral-sol acaba interferindo na ocorrência das outras espécies nativas, eliminando-as do ambiente marinho e, assim, ocupando os seus espaços nos recifes rochosos ou coralíneos.
Segundo Abessa, os testes mostram que o coral-sol adulto é bastante resistente às substâncias que utilizam o DCOIT, nas formas livre e nanoestruturadas, mas ainda não ficou claro se as larvas também são resistentes a esses produtos, por isso, são necessários novos testes. Os pesquisadores também esperam analisar o tempo de exposição ao material, para saber se em períodos maiores o resultado seria o mesmo.
“Nós entendemos que, se você pintar um navio com essa tinta contendo biocida, pode não mudar nada para o coral-sol. Ele vai incrustar lá, será transportado com o navio e colonizará outro lugar. O nosso objetivo era entender como essas substâncias à base de DCOIT agiriam nesse coral, porque elas são fortes e as mais usadas nas tintas, mas a gente viu que ele é tolerante. Até sofreu um pouco de impacto em algumas situações, mas não morreu. Então, ou a gente precisa de substâncias mais fortes ou de mais tempo de ação”, explica Isabela Martins, coautora do artigo.
Como o T. coccinea é uma espécie invasora e é retirado regularmente (de forma manual) pelas equipes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), acabou se tornando um organismo de teste alternativo para avaliar os riscos para as espécies nativas, uma vez que a maioria dos corais nativos do Brasil está ameaçada atualmente. Em um único mês (janeiro de 2024), as equipes do ICMBio em Alcatrazes retiraram cerca de 346 quilos, com o apoio de voluntários e atividades de fiscalização com o suporte de um representante da Polícia Federal.
Além disso, esse também é um grande problema para a navegação. Apesar de um processo natural, a bioincrustação coloca em risco a segurança das embarcações, aumentando o peso, causando sobrecarga, entupindo sistemas de resfriamento e reduzindo a propulsão da hélice, por exemplo. A estimativa é que cerca de US$ 450 milhões sejam gastos todos os anos com prevenção de bioincrustação.
“Esse tipo de coral é considerado muito invasivo, ele coloniza muito rapidamente os paredões rochosos desse local onde coletamos as amostras, o arquipélago de Alcatrazes. E, como já se acreditava, vimos na pesquisa que é muito resistente aos poluentes. Agora, nessa próxima etapa, a nossa ideia é, em vez de testar só as substâncias com DCOIT nos corais, testar também as tintas. Vamos colocar placas pintadas no mar com os animais e ver o que acontece”, adianta Abessa.
Principais descobertas sobre o coral-sol
Depois de serem recolhidos no mar, os fragmentos de colônias do coral-sol foram aclimatados no laboratório e expostos por 96 horas a diferentes concentrações de substâncias à base de DCOIT, submersos em frascos com temperatura constante de 23°C, iluminação e aeração controladas.
Segundo Abessa, coordenador da pesquisa, um dos principais achados até aqui foi observar a transferência da toxicidade do DCOIT na cadeia alimentar dos animais. Durante a pesquisa, foi possível observar que, após o contato com a tinta, as substâncias se acumulam, se depuram e, em 24 horas, são eliminadas do organismo dos animais. Isso poderia indicar outros impactos, por exemplo, ligados à alimentação de comunidades próximas a esses locais contaminados, onde se aglomeram navios e plataformas, mas seriam necessários outros estudos para compreender melhor esse reflexo da poluição.
“Uma das coisas que percebemos observando o comportamento dessa substância em outros animais é que o DCOIT depura mais quando está encapsulado, quando é um nanomaterial”, avalia o cientista.
Além do coral-sol, os pesquisadores também estão testando esse composto em vários outros animais, como mexilhões, bolachas-do-mar, fungos, bactérias e microalgas. “O que nós estamos propondo é pegar esse composto, esse biocida, e colocá-lo numa nanocápsula. Desse modo, ele fica retido e aprisionado, o que reduz sua liberação na água e, consequentemente, a contaminação do ambiente”, destaca o professor da Unesp.
“Nós encontramos muitos estudos sobre as águas temperadas, mas aqui, na região do hemisfério Sul, em águas tropicais, ainda são necessários avanços e queremos participar desse debate”, diz Abessa.
O artigo Adults of Sun Coral Tubastraea coccinea (Lesson 1829) Are Resistant to New Antifouling Biocides pode ser lido em: www.mdpi.com/2305-6304/12/1/44.
Texto: Cristiane Paião | Agência FAPESP